(Abril) Bolsonaro participa de cerimônia em Brasília |
Por Jorge
SVARTZMAN, AFP
Tribunais que
emitem leis, congressistas com agendas de governantes e um governo que agita a
sociedade para pressionar as instituições: bem-vindos ao Brasil de Jair Messias
Bolsonaro, onde as funções de cada Poder colidem cada vez mais entre si.
Em maio, o
presidente Jair Bolsonaro e os líderes do Congresso e do Supremo Tribunal
Federal (STF) concordaram em assinar um "Pacto pelo Brasil", na
tentativa de estabelecer uma trégua, depois de manifestações que tiveram por
alvo os Poderes Legislativo e Judiciário.
A ideia foi
abandonada em meio a novas alfinetadas.
"Nós não
precisamos de pacto assinado no papel. O pacto que nós precisamos, com o Poder
Legislativo e com o Poder Executivo, é o nosso exemplo, de votarmos matérias,
de apresentarmos proposições que fujam do populismo", declarou Bolsonaro
na quarta-feira.
"Respeito
todas as Instituições, mas acima delas está o povo, meu patrão, a quem devo
lealdade", tuitou, por sua vez, o ministro da Justiça, Sergio Moro, após
os atos populares de domingo em apoio a ele.
O ícone da luta
contra a corrupção se encontra em uma posição defensiva, depois do vazamento de
mensagens que supostamente mostrariam sua parcialidade em relação à condenação
do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
"Estamos
passando por uma transformação muito grande, e no meio de uma transformação tão
grande, é difícil entender o que está acontecendo. (...) A mudança tem muito a
ver com o clima mundial, de crescimento da direita, do conservadorismo, com a
direita mais truculenta do ponto de vista verbal e dos métodos", afirma
Sylvio Costa, do Congresso em Foco, site especializado em questões
legislativas.
As polêmicas se
concentram basicamente nas redes sociais, mas a tensão cresce em um país com 13
milhões de desempregados e quase outros 5 milhões de pessoas que desistiram de
procurar emprego por falta de oportunidades.
"Se a
economia continuar tão ruim, haverá cada vez mais pessoas endividadas, falidas,
e esse cenário estimula ações irracionais, desesperadas", adverte Costa.
- Rainha da
Inglaterra -
Ao chegar ao poder
em janeiro, Bolsonaro prometeu governar sem negociar com partidos, muito
associados aos escândalos de corrupção nas últimas décadas.
Seu governo
rapidamente se tornou, porém, um terreno de ajuste de contas entre os setores
ultraconservadores e os militares, com o saldo até agora de quatro renúncias ou
demissões em seu gabinete e várias outras nos escalões secundários da
administração.
Viu-se então
crescer o presidente da Câmara de Deputados, Rodrigo Maia, como o principal
articulador das reformas reclamadas pelos mercados.
Os parlamentares
infligiram, além disso, derrotas ao Executivo em temas de grande repercussão. O
Senado, por exemplo, rejeitou o decreto presidencial de flexibilizar a posse e
o porte de armas.
Depois do anúncio
do "pacto" entre Poderes, Bolsonaro avisou a Maia: "com a
caneta, eu tenho muito mais poder do que você".
"Apesar de
você (Maia) fazer as leis, eu tenho o poder de fazer decreto",
acrescentou.
Em junho,
preocupado com o inesperado dinamismo do Congresso, Bolsonaro questionou:
"Querem me deixar como rainha da Inglaterra?".
Uma posição
difícil para alguém que já sinalizou pensar nas eleições de 2022.
- Hiperativismo
judicial -
O STF representa
outra frente nessas batalhas que mais uma vez colocam à prova a resistência
institucional do Brasil. Desde o retorno da democracia, em 1985, o país passou
pelo impeachment de dois presidentes (Fernando Collor e Dilma Rousseff); um
chefe de Estado (Lula) está preso e condenado a quase nove anos de prisão; e
outro (Michel Temer) foi detido duas vezes e acusado por corrupção.
Uma decisão
suspendeu a transferência da demarcação de terras indígenas para o Ministério
da Agricultura em junho, e outra criminalizou a homofobia, contrariando tanto
Bolsonaro quanto o Congresso, com forte influência dos grupos evangélicos e
outros ligados ao agronegócio.
"O STF nos
últimos anos tem tomado decisões em assuntos tipicamente reservados ao legislador",
afirma Ivar Hartmann, professor de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV
Direito Rio).
Esse
intervencionismo é facilitado geralmente graças aos recursos apresentados pelos
congressistas contra projetos nos quais foram derrotados politicamente.
"Transformaram
o Supremo em um órgão superpoderoso como não existe em nenhum outro país do
mundo", explica Hartmann.
"Cada vez
mais assuntos chegam ao Tribunal, que vai ocupando os vazios deixados pelos
impasses entre os Poderes", concordam os juristas Daniel Capecchi Nunes e
Luiz Fernando Gomes Esteves, em um artigo publicado no site jota.info.
As críticas não
parecem incomodar os ministros.
"Eu respondo
por mim, eu não me impressiono. Quem vem para cá tem que ter couro e tem que
aguentar qualquer tipo de crítica, isso faz parte", declarou o presidente
do STF, Dias Toffoli.
Ainda assim, a
estratégia do STF não permitiu evitar a crise de confiança que afeta as
instituições.
Segundo
uma pesquisa Datafolha de abril, 29% dos brasileiros dizem não confiar na Presidência
da República, 32% não acreditam no Supremo, e 41% têm essa mesma percepção em
relação ao Congresso.
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