© Antonio Lacerda (EFE) Lula, em 2 de abril de 2018. |
EL PAÍS - Talita Bedinelli
O depoimento de Léo
Pinheiro foi fundamental para a condenação do ex-presidente. Ele foi usado
como base para a denúncia da
força-tarefa, que afirmava que o Grupo OAS, presidido pelo
empreiteiro, pagou 87,6 milhões de reais em propinas por contratos com a
Petrobras. Um por cento desse valor, apontou a força-tarefa da Lava Jato, foi
destinado a agentes políticos do PT em uma conta geral de propina que o partido
mantinha com a construtora. Desta conta, afirma, teriam saído 2,42 milhões para
o caso do Guarujá, referentes à diferença de valor entre o triplex e o
apartamento tipo que a família de Lula já tinha comprado no edifício na cota de
uma cooperativa e em reformas e bens para o imóvel.
Segundo a reportagem deste domingo,
as mensagens dos procuradores vazadas por uma fonte anônima ao Intercept apontam
que os relatos feitos por Léo Pinheiro sofreram várias alterações até que as
negociações para uma delação premiada avançassem. Inicialmente, a delação de
Pinheiro, que já estava condenado há 16 anos de prisão, foi rejeitada. O
depoimento dele não servia para condenar Lula, já que ele dizia que as reformas
e bens colocados no imóvel tinham o objetivo de agradar o ex-presidente, e não
tinham qualquer contrapartida em benesses no Governo. Na época, a versão foi
considerada pouco crível pelos acusadores da força-tarefa.
Pinheiro, nesta
época, aguardava seu recurso no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF) em
liberdade, mas temia perder e ser preso. Os advogados chegaram a perguntar se,
diante da iminência da entrega de novos anexos, seria possível adiar a
audiência de apelação, mas os procuradores disseram que o acordo com eles não
interferia no andamento judicial. Em 20 de abril de 2016, mensagens dos
procuradores revelam este bastidor. Januário Paludo escreveu: "Acho que
tem que prender o Leo Pinheiro. Eles falam pouco. Quer dizer, acho que tem que
deixar o TRF prender."
Em 21 de julho do
mesmo ano, o procurador Athayde Ribeiro Costa afirma ao grupo de procuradores:
[os advogados] entregaram os anexos e pediram assinatura do acordo de
confidencialidade. Negamos por insuficiência dos anexos e omissão de vários
temas. A versão apresentada também é ruim para vários casos." Roberson
Pozzobon, então, respondeu: "Na última reunião dissemos que eles
precisariam melhorar consideravelmente os anexos. Eles falaram que melhorariam
e os trariam hoje". O termo de confidencialidade, passo para a delação,
foi assinado em agosto, um dia antes de a revista Veja trazer detalhes do
depoimento de Pinheiro, que afirmavam que a delação da OAS citava o ministro do
Supremo Dias Toffoli. Com o
vazamento, alguns procuradores chegaram a defender que o acordo com Léo Pinheiro
fosse suspenso, para evitar atritos com o STF.
Em 20 de agosto, o
coordenador da força-tarefa Deltan Dallagnol se manifestou: "Não
sei se os anexos evoluíram. Se estiverem uma porcaria ainda, aí tudo bem. Mas
se os anexos estiverem bons, acho que não é o caso. Salvo engano, ainda, trazem
PSDB como nenhum que fechamos trouxe. Até fecharmos algo bom do PSDB, não dá
pra descartar." A procuradora Anna Carolina Resende Maia Garcia respondeu:"
Essa manobra deles pode nos custar muito caro. O STF vai se fechar e vão acabar
com nossos acordos. Não acho que o risco valha a pena. Temos que sinalizar
claramente que não vamos ser usados." Depois, continuou: "Os anexos
da OAS não valem isso. Na minha visão, são muito ruins, o advogado [da empresa]
é mal caráter e Léo Pinheiro é o empreiteiro com mais prova contra si."
Uma semana depois,
conta a Folha, a Veja publicou trechos de sete anexos da delação de
Pinheiro e afirmou que a OAS revelara a existência de uma conta secreta para
realizar pagamentos a Lula. Em 26 de agosto de 2016, a procuradora Anna
Carolina, então, pergunta ao grupo: "Tinha isso de conta clandestina de
Lula?". O procurador Sérgio Bruno responde: "Sobre o Lula eles não
queriam trazer nem o apartamento do Guarujá. Diziam q não tinha crime. Nunca
falaram de conta." A existência de uma conta foi essencial para que o caso
não apenas ganhasse força, mas para que fosse mantido com a força-tarefa de
Curitiba. Era essa conta, onde eram depositado dinheiro ilícito de corrupção,
que ligava o caso do triplex do Guarujá
à Petrobras, tema da investigação da força-tarefa.
O empreiteiro, diz
a Folha, foi tratado com desconfiança pela Lava Jato durante quase
todo o tempo em que se dispôs a colaborar com as investigações. A versão do
empresário só ganhou crédito quando a narrativa sobre o triplex do Guarujá
mudou. Léo Pinheiro acabou preso em setembro de 2016 e as negociações sobre a
delação ficaram paradas até 2017. A procuradoria-Geral da República e a
força-tarefa de Curitiba só aceitaram retomar as negociações de uma possível
delação premiada em março de 2017, quando o processo aberto para examinar o
caso do tríplex estava se aproximando do fim e Léo Pinheiro se preparava para
ser interrogado por Moro.
A versão que
incriminou Lula foi apresentada apenas em abril de 2017, mais de um ano depois
do início das negociações. Foi quando Pinheiro afirmou, em uma audiência com
Moro em Curitiba, que havia a tal conta de propina para o PT, de onde, segundo
o ele, saíra o dinheiro para a reforma do triplex. Foi também em 24 de abril de
2017 que ele afirmou que Lula o havia orientado a destruir provas de sua relação
com o partido após o início da Lava Jato.
Em 13 de julho de
2017, o coordenador da força-tarefa, Deltan Dallagnol, mostrou preocupação em
relação ao timing do acordo. "Caros, acordo do OAS, é um
ponto pensar no timing do acordo com o Léo Pinheiro. Não pode parecer um prêmio
pela condenação do Lula". Em 3 de agosto daquele mesmo ano, a procuradora
Jerusa Viecili ressaltou que a versão da empresa foi "desleal".
"Houve ordem para destruição das provas. Nisso a empresa foi desleal, pois
nunca houve afirmação sobre isso. Salvo quando Leo falou no interrogatório
sobre destruição de provas, não houve menção a este assunto."
O acordo de delação
premiada acabou se arrastando e foi fechado no fim de 2018. Mas até hoje a
procuradora-geral da República, Raquel Dodge, não o encaminhou para a
homologação do STF e Pinheiro continua preso.
Defesa de Lula
A mudança nas
versões dadas por Leo Pinheiro eram alvo de críticas da defesa de Lula desde
quando a delação foi firmada. "O Léo [Pinheiro], que estava preso aqui e fez
a denúncia contra mim, passou três anos dizendo uma coisa e depois mudou o
discurso. Meu advogado perguntou o porquê disso e ele disse ‘meu advogado me
orientou’. E o que ele falou: ‘Lula sabia", afirmou o ex-presidente em entrevista ao EL
PAÍS Brasil e à Folha, em abril deste ano.
À Folha, a
força-tarefa da Lava Jato afirmou que o material apresentado pela reportagem
não permite constatar o contexto e a veracidade do conteúdo.“A Lava Jato é
sustentada com base em provas robustas e em denúncias consistentes. O trabalho
da força-tarefa foi analisado e validado por diferentes instâncias do
Judiciário, de modo imparcial e independente”, ressaltou uma nota do órgão,
publicada pelo jornal.
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