Yahoo Notícias - 24 de junho de 2019
Agência Brasil
RESUMO DA NOTÍCIA
·
Glenn Greenwald,
que vazou mensagens atribuídas ao ministro Sergio Moro, foi coautor de
reportagem ao lado de Edward Snowden sobre a CIA
· Separamos
semelhanças e diferenças entre o modus operandi do jornalista nos dois caos
Por Rafa Santos (@vitoriodesica)
Na guerra entre informação e
desinformação que tem assolado o Brasil nos últimos anos, o jornalista
norte-americano Glenn Greenwald rompeu uma importante barreira. Deixou de ser
apenas um profissional que publica informações para ser ele próprio objeto de
curiosidade do público. Consequentemente se tornou alvo de fake news, notícias
enviesadas e todo o chorume narrativo que inunda os grupos de WhatsApp.
O profissional se tornou conhecido
mundialmente com uma série de reportagens sobre programas secretos de
vigilância global dos Estados Unidos. Em parceria com alguns jornalistas, o
analista de sistemas Edward Snowden e a documentarista Laura Poitras, Greenwald
mostrou ao mundo que a Agência Nacional de Segurança (NSA) violava
repetidamente a privacidade de milhões nos Estados Unidos e no mundo. Pessoas
comuns, executivos e líderes globais –aliados ou não— tiveram dados coletados,
e-mails invadidos e telefonemas gravados.
As revelações provocaram um debate
global sobre os abusos praticados pelas agências de inteligência dos Estados
Unidos e renderam ao jornalista o prêmio Pulitzer. O documentário sobre o seu
trabalho ganhou o Oscar em 2015. Greenwald também foi o primeiro jornalista
estrangeiro a receber o prêmio Esso por suas revelações sobre a vigilância
norte-americana no Brasil publicadas no jornal 'O Globo'.
Ele também cobriu ativamente o
processo que levou ao impeachment de Dilma Roussef e a prisão do ex-presidente
Lula. Sua notoriedade no Brasil, no entanto, ganhou proporções inéditas
recentemente graças as revelações do site 'The Intercept' sobre a promiscuidade
das relações entre membros do Ministério Público e o ex-juiz Sérgio Moro.
Semelhanças
Tanto no caso Snowden como no
escândalo recente sobre a Lava Jato, o trabalho de Greewald teve desdobramentos
parecidos: autoridades desnorteadas oferecendo diferentes versões dos fatos e
se debatendo diante de cada nova revelação.
Outro ponto em comum é a busca de um
argumento forte o suficiente para tentar justificar abuso de poder e violações
éticas. Nos Estados Unidos a justificativa era o combate ao terrorismo. No
Brasil a aposta é no combate a corrupção.
Nos dois casos se nota também a
tentativa de desqualificar a fonte de informação. A discussão sobre o modo como
as informações foram obtidas foi promovida por agentes públicos e repercutida
por parte da imprensa norte-americana que preferiu focar na forma e deixar de
lado o conteúdo dos escândalos. Snowden foi acusado de espionagem, roubo e
conversão de propriedade do governo. Ele teve seu passaporte anulado e
atualmente vive exilado na Rússia.
As autoridades públicas brasileiras,
por sua vez, argumentam que foram alvos de um ataque hacker e que o material
publicado pelos jornalistas do 'The Intercept' pode ter sido adulterado.
A cada nova revelação, no entanto, os
atores principais do vazamento da Lava Jato como Sérgio Moro, Deltan Dallagnol
e os procuradores da força tarefa apresentam versões distintas. Em um momento
as informações foram tiradas de contexto, em outro não tem nada de mais e mais
recentemente simplesmente não são reconhecidas por eles como verdadeiras.
Os jornalistas do 'Intercept' em
nenhum momento afirmaram que o material vazado foi obtido por meio de um ataque
hacker. Eles não falam sobre sua fonte de informação com base no direito assegurado
pela Constituição aos jornalistas de sigilo.
A tática de Grennwald para minar
especulações sobre a veracidade de seu trabalho é incluir mais jornalistas e
veículos de comunicação nas revelações. No caso Snowden, as revelações foram
públicas em diversos jornais como 'Guardian', 'O Globo', 'The New York Times',
'The Washington Post' e o alemão 'Der Spiegel'.
Muitos jornalistas foram envolvidos
na apuração das reportagens de modo que qualquer tentativa de deslegitimar as
informações passaria necessariamente pela frivolidade de se imaginar uma
conspiração de repórteres de diferentes partes do mundo.
No Brasil quem trabalha no caso é a
equipe do 'The Intercept' liderada pelo editor executivo Leandro Demori, o
analista político Reinaldo Azevedo e o time de repórteres da 'Folha de
S.Paulo'. A primeira reportagem em parceria com o periódico paulista foi
publicada neste domingo (23).
Até o momento a cadeia de
colaboradores do escândalo da Lava Jato ainda é bem menor do que a recrutada no
Caso Snowden. Porém, já são muitos profissionais envolvidos para se acreditar
na versão simplória de que o conteúdo não é legitimo.
Diferenças
Se no escândalo da Lava Jato a fonte
de informação é mantida sobre sigilo, na série de reportagens que rendeu fama
mundial a Glenn Greenwald o delator tem nome e sobrenome. Edward Snowden é
whistleblower - o termo é utilizado para designar pessoas que trabalham na
esfera pública ou privada que ao se deparar com crimes voluntariamente reportam
os atos ilícitos.
Esse tipo de delator não cometeu
nenhum crime e não busca nenhuma vantagem pessoal ao compartilhar delitos. De
certo modo é o oposto do indivíduo que opta pela delação premiada. O termo
popularizado pelas ações da Lava Jato nos últimos anos se refere a um acordo em
que o delator fornece informações ao MP em troca da diminuição da punição por
seus próprios crimes.
No caso da “VazaJato” não é possível
saber qual tipo de denunciante forneceu informações ao 'The Intercept'. Quais
são suas motivações? Seus interesses? Por outro lado, apesar de argumentar ter
sido alvo de um ataque hacker, o procurador Deltan Dallagnol ainda não entregou
seu celular para perícia.
Ética jornalística x vazamentos
O pensamento binário é uma praga que
afetou boa parcela da população brasileira nos últimos anos. O maniqueísmo raso
que divide o mundo entre bandidos e mocinhos não poupou parte de nossa
imprensa. Essa é a única explicação que me ocorre ao tentar entender alguns
questionamentos éticos sobre o escândalo da Lava Jato –fenômeno parecido
aconteceu no caso Snowden.
A discussão da forma de obtenção das
informações e não de seu conteúdo é inócua diante da gravidade do que foi
revelado até aqui. A confusão é tão grande que teve profissional questionando
se o timing do trabalho de outros jornalistas poderia atrapalhar as reformas
propostas pelo governo.
Jornalista não deve agir como sócio de governo de
qualquer coloração partidária. Ainda que concorde com suas ideias. De caráter
iluminista, o bom jornalismo é fiel apenas a princípios democráticos e ao
interesse público. É iconoclasta por natureza. Por vezes corrói certezas.
Desnuda mitos. Rebaixa heróis a relés condição humana. Esse é o tipo de
jornalismo praticado por Glenn Greenwald.
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