Em carta endereçada
ao ex-ministro das Relações Exteriores Celso Amorim nesta segunda-feira,
24, antes de a segunda turma do Supremo Tribunal Federal (STF) adiar o
julgamento sobre o pedido de suspeição do ex-juiz e atual ministro da Justiça Sérgio Moro, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva diz que “muita gente poderosa” quer impedir
“ou continuar adiando” a decisão.
“Muita gente poderosa, no Brasil e até de
outros países, quer impedir essa decisão, ou continuar adiando, o que dá no
mesmo para quem está preso injustamente”, diz Lula. Na carta a Amorim, o
ex-presidente rebate o argumento de que a suspeição poderia anular todos os
processos da Lava Jato. O risco da anulação foi usado por Moro durante
depoimento a senadores na quarta-feira, 19.
“Alguns dizem que ao anular meu processo
estarão anulando todas as decisões da Lava Jato, o que é uma grande mentira
pois na Justiça cada caso é um caso”, diz Lula.
Antes de adiar o
julgamento da suspeição de Moro, o STF já havia retirado da pauta a decisão
sobre a prisão após condenação em segunda instância, que também vai ter impacto sobre o caso do
petista. Ao questionar os interesses que estariam por trás dos
adiamentos, o ex-presidente pergunta “por que tanto medo da verdade”.
“A pergunta que
faço todos os dias aqui onde estou é uma só: por que tanto medo da verdade? A
resposta não interessa apenas a mim, mas a todos que esperam por Justiça”, diz
Lula.
Leia a íntegra da carta:
Querido amigo,
A cada dia fico
mais preocupado com o que está acontecendo em nosso Brasil. As notícias que
recebo são de desemprego, crise nas escolas e hospitais, a redução e até mesmo
no fim dos programas que ajudam o povo, a volta da fome. Sei que estão
entregando as riquezas do país aos estrangeiros, destruindo ou privatizando o
que nossa gente construiu com tanto sacrifício. Traindo a soberania nacional.
É difícil manter a
esperança numa situação como essa, mas o brasileiro não desiste nunca, não é
verdade? Não perco a fé no nosso povo, o que me ajuda a não fraquejar na prisão
injusta em que estou faz mais de um ano. Você deve se lembrar que no dia 7 de
abril de 2018, ao me despedir dos companheiros em São Bernardo, falei que
estava cumprindo a decisão do juiz, mas certo de que minha inocência ainda
seria reconhecida. E que seria anulada a farsa montada para me prender sem ter
cometido crime. Continuo acreditando.
Todos os dias
acordo pensando que estou mais perto da libertação, porque o meu caso não tem
mistério. É só ler as provas que os advogados reuniram: que o tal tríplex nunca
foi meu, nem de fato nem de direito, e que nem na construção nem a reforma
entrou dinheiro de contratos com a Petrobrás. São fatos que o próprio Sergio
Moro reconheceu quando teve de responder o recurso da defesa.
É só analisar o
processo com imparcialidade para ver que o Moro estava decidido a me condenar
antes mesmo de receber a denúncia dos procuradores. Ele mandou invadir minha
casa e me levar à força pra depor sem nunca ter me intimado. Mandou grampear
meus telefonemas, da minha mulher, meus filhos e até dos meus advogados, o que
é gravíssimo numa democracia. Dirigia os interrogatórios, como se fosse o meu
acusador, e não deixava a defesa fazer perguntas. Era um juiz que tinha lado, o
lado da acusação.
A denúncia contra
mim era tão falsa e inconsistente que, para me condenar, o Moro mudou as
acusações feitas pelos promotores. Me acusaram de ter recebido um imóvel em
troca de favor mas, como viram que não era meu, ele me condenou dizendo que foi
“atribuído” a mim. Me acusaram de ter feito atos para beneficiar uma empresa.
Mas nunca houve ato nenhum e aí ele me condenou por “atos indeterminados”. Isso
não existe na lei nem no direito, só na cabeça de quem queria condenar de
qualquer jeito.
A parcialidade dele
se confirmou até pelo que fez depois de me condenar e prender. Em julho do ano
passado, quando um desembargador do TRF-4 mandou me soltar, o Moro interrompeu
as férias para acionar outro desembargador, amigo dele, que anulou a decisão.
Em setembro, ele fez de tudo para proibir que eu desse uma entrevista. Pensei
que fosse pura mesquinharia, mas entendi a razão quando ele divulgou, na
véspera da eleição, um depoimento do Palocci que de tão falso nem serviu para o
processo. O que o Moro queria era prejudicar nosso candidato e ajudar o dele.
Se alguém ainda
tinha dúvida sobre de que lado o juiz sempre esteve e qual era o motivo de me
perseguir, a dúvida acabou quando ele aceitou ser ministro da Justiça do
Bolsonaro. E toda a verdade ficou clara: fui acusado, julgado e condenado sem
provas para não disputar as eleições. Essa era única forma do candidato dele
vencer.
A Constituição e a
lei determinam que um processo é nulo se o juiz não for imparcial e
independente. Se o juiz tem interesse pessoal ou político num caso, se tem
amizade ou inimizade com a pessoa a set julgada, ele tem de se declarar
suspeito e impedido. É o que fazem os magistrados honestos, de caráter. Mas o
Moro, não. Ele sempre recusou se declarar impedido no meu caso, apesar de todas
as evidências de que era meu inimigo político.
Meus advogados
recorreram ao Supremo Tribunal Federal, para que eu tenha finalmente um
processo e um julgamento justos, o que nunca tive nas mãos de Sergio Moro.
Muita gente poderosa, no Brasil e até de outros países, quer impedir essa
decisão, ou continuar adiando, o que dá no mesmo para quem está preso
injustamente.
Alguns dizem que ao
anular meu processo estarão anulando todas as decisões da Lava Jato, o que é
uma grande mentira pois na Justiça cada caso é um caso. Também tentam
confundir, dizendo que meu caso só poderia ser julgado depois de uma
investigação sobre as mensagens entre Moro e os procuradores que estão sendo
reveladas nos últimos dias. Acontece que nós entramos com a ação em novembro do
ano passado, muito antes dos jornalistas do Intercept divulgarem essas
notícias. Já apresentamos provas suficientes de que o juiz é suspeito e não foi
imparcial.
Tudo que espero,
caro amigo, é que a justiça finalmente seja feita. Tudo o que quero é ter
direito a um julgamento justo, por um juiz imparcial, para que poder demonstrar
com fatos que sou inocente de tudo o que me acusaram. Quero ser julgado dentro
do processo legal, com base em provas, e não em convicções. Quero ser julgado
pelas leis do meu país, e não pelas manchetes dos jornais.
A pergunta que faço
todos os dias aqui onde estou é uma só: por que tanto medo da verdade? A
resposta não interessa apenas a mim, mas a todos que esperam por Justiça. Quero
me despedir dizendo até breve, meu amigo. Até o dia da verdade libertadora.
Um grande abraço do
Lula
Curitiba, 24 de
junho de 2019
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