Paulo Kliass*
A situação de Paulo
Guedes no governo do capitão já não pode mais ser caracterizada com a
tranquilidade típica de um céu de brigadeiro – expressão com que os pilotos de
aeronaves costumam se referir a um voo sem turbulências pela frente. A força do
superministro seria inquestionável, a se levar em conta a forma pela qual ele
vinha sendo tratado, até bem pouco tempo atrás, pela maior parte dos grandes
meios de comunicação.
No dizer dos
editorialistas, Bolsonaro e sua turma mais íntima podem até ser meio
excêntricos, mas o Guedes é o cara que segura a onda. Na verdade, só se deixou
enganar quem quis ou quem não tinha informações suficientes a respeito das
condições objetivas do desastre em que se encontra a economia brasileira e dos
postulados doutrinaristas do ex “Chicago boy”. O tal do “mercado” resolveu
apostar todas as suas fichas na boa performance do consultor do mercado
financeiro, que não havia tido até então uma única passagem pelo setor público
de nosso País registrado em seu extenso currículo profissional.
O neo todo-poderoso
tem, ao contrário, uma extensa folha corrida muito bem remunerada por bons
serviços prestados aos interesses do financismo. Ou seja, o Ministro da
Economia sempre demonstrou muito conhecimento e experiência em atender às
demandas dos bancos, das consultorias e de todas as frações que ganham muito
dinheiro com a especulação do parasitismo rentista.
Ocorre que as tarefas
de cuidar da economia, especialmente em uma sociedade tão complexa e tão
desigual como a nossa, não podem ser delegadas aos postulados do manual da
ortodoxia conservadora. Essa lição foi muito evidente desde o momento em que
Dilma Roussef nomeou Joaquim Levy para a pasta da Fazenda. A partir daquele ato
de estelionato eleitoral inesperado, entra na pauta da agenda política a adoção
do austericídio como tentativa de solucionar os problemas lá em 2015. Assim, a
explosiva combinação de juros oficiais elevados e cortes nos gastos públicos
começou a provocar a consolidação do desastre social e econômico que perdura
até os tempos atuais.
Austericídio e ajuste
recessivo
Passado o
golpeachment, Temer é convencido pelas elites a nomear o ex presidente do Banco
Central sob os dois mandatos de Lula para o Ministério da Fazenda. Henrique
Meirelles via naquele gesto a possibilidade de ele mesmo se cacifar para uma
viagem ao Palácio do Planalto.
Triste ilusão!
Arrastou-se até o fim do mandato usurpado e mal conseguiu superar em votos a
baixíssima popularidade do seu chefe. Ficou em sétimo lugar no primeiro turno,
com pouco mais de 1% do total de votos. O interessante a reter é que os grandes
meios de comunicação concediam ao ex presidente internacional do Bank of Boston
um tratamento semelhante ao oferecido atualmente ao aprendiz de feiticeiro da
FGV.
Meirelles insistiu na
receita liberaloide fiscalista e não conseguiu nada mais do que deixar a marca
de sua passagem pelo comando da economia como sendo um dos maiores responsáveis
pela mais profunda recessão de nossa História. Inventou a maluquice da PEC do
Fim do Mundo, convertida na Emenda Constitucional nº 95/2016. Essa mudança
criminosa em nosso texto máximo congela por 20 longos anos as despesas de
natureza social e os investimentos de nossos gastos públicos federais.
Privatizou o quanto pode de empresas estatais e ofereceu concessões de todo
tipo ao grande capital privado. Mas não conseguiu realizar seu sonho maior: o
Congresso Nacional não aprovou seu projeto de reforma previdenciária. Ainda
bem!
Meirelles está
completamente esquecido por todos, apesar de tudo o que ofereceu aos poderosos
– sempre às custas do sangue e do suor do povo trabalhador. Afinal, aqui também
vale a máximo do “rei morto, rei posto”. Assim, os holofotes todos passam a se
mover na direção de Paulo Guedes. Como era esperado pelo “establishment” em
relação ao predecessor, a experiência do doutor formado pela faculdade
norte-americana que foi o berço do neoliberalismo era bem aguardada também por
esses cantos. Quase meio século depois da malfadada destruição da previdência
pública chilena sob a ditadura de Pinochet, os arautos do financismo esperam
ansiosos pela repetição do desastre por aqui. Como Guedes compunha a equipe que
colaborava com os generais que haviam assassinado Allende, a sua presença como
o homem mais forte do governo do capitão era a segurança de que o INSS estaria
finalmente com seus dias contados. Afinal, esse sempre foi um dos maiores
sonhos de consumo acalentados pelos donos da banca tupiniquim.
De Meirelles a
Guedes: mais do mesmo
No entanto, a realidade
política, econômica e social tem uma dinâmica muito particular e geralmente
oferece surpresas aos observadores incautos. A chamada luta de classes e os
conflitos de interesse não tardam a se manifestar nos momentos de crise. E
Paulo Guedes não sabe como retomar o crescimento da economia, nem mesmo que
seja sob a ótica conservadora dos interesses das classes dominantes. Obcecado
pela obediência cega aos manuais da ortodoxia monetarista, o chefe da economia
não consegue fazer o nosso PIB deslanchar. Espera que as forças livres de
mercado lhe ofereçam esse resultado em uma bandeja de prata. Tadinho!
Esses ditames da
austeridade burra já foram ultrapassados pelos próprios países do centro do
capitalismo, no período que se seguiu à crise econômica financeira internacional.
Depois de 2009 deixou de ser heresia a proposta de medidas contracíclicas nos
momentos de baixa do ciclo econômico. Ao contrário do que propõem Levy,
Meirelles, Guedes e seus amiguinhos, na crise o Estado tem de expandir seu
gasto! Que o digam os responsáveis conservadores pela política econômica nos
EUA e na União Europeia na última década.
Por aqui, o
superministro segue pensando em ajuste fiscal apenas pela ótica do corte de
despesas. Com isso, pode até ficar bem no filme com seus parceiros do nata do
mundo financista local. Mas a grande maioria da população e os próprios setores
da produção, do comércio e dos serviços começam a revelar sua impaciência. O
desemprego não diminui e fica perigosamente estacionado nos 13 milhões de
pessoas. A população em condições de trabalho e subaproveitada desse potencial
se aproxima dos 30 milhões. As condições de prestação dos serviços públicos
básicos à população se deterioram a olhos vistos. Educação, previdência social,
saúde, segurança, assistência social, transportes, saneamento estão
completamente sucateados.
Ora, sob tais
circunstâncias, é óbvio que não estão presentes as condições para a retomada do
crescimento – isso sem mencionar um projeto de desenvolvimento. Os empresários
só retomarão seus níveis de investimento ou mesmo de aumento da capacidade
produtiva caso vislumbrem alguma possibilidade de recuperação da demanda ali na
frente. Com exceção de um ou outro empreendedor maluco e mais afinado
ideologicamente com o programa de governo do capitão, a maioria está em
compasso de espera. Aguardando para ver como a coisa fica.
Popularidade em queda
e ausência de resultados
Essa é uma das razões
para a popularidade do recém ocupante do Palácio do Planalto ter despencado
como nunca havia ocorrido antes nos primeiros meses de seu mandato. Mas como a
política é perversa e não tem perdão, ninguém se iluda que Bolsonaro vai se
manter fiel a Paulo Guedes apenas porque o povo do financismo assim o deseja.
Tanto que o superministro já começa a esboçar movimentos em direção oposta a
todo seu lenga-lenga do liberalismo rastaquera de botequim. Na crise dos
combustíveis, já começou a aceitar as ideias de tabelamento do frete e de
recuar na solução imbecil de alinhamento dos preços da Petrobras às oscilações
do barril do petróleo no mercado internacional de “commodities”. Em outros
tempos, esse movimento seria tachado de “intervencionismo estatista”.
Na elevação da
capacidade de consumo, frente à incapacidade de recuperar o nível de emprego e
da massa salarial, Guedes sai-se com a liberação dos recursos do FGTS como
solução que mistura pitadas de heterodoxia com uma evidente medida inadequada
para elevar artificial e pontualmente a demanda interna. No front externo, sua
equipe insiste em caminhar na direção da casca de banana e só faz aumentar as
tensões com parceiros comerciais importantes e tradicionais do Brasil. As
nossas exportações, que poderiam ser um instrumento de estímulo à retomada da
atividade econômica em geral, não deslancham e correm até mesmo o risco de perder
espaço no cenário internacional. Daqui a pouco vai recuar nas intenções de
privatizar os bancos públicos e certamente passará a acionar BNDES, BB, CEF,
BNB e BASA para oferecer crédito barato às empresas. Doutrinarismo nos olhos
dos outros é bobagem. Afinal, quem nunca teve sua noite de inspiração
bolivariana?
Corda bamba: com ou
sem rede de segurança?
No dia a dia, o czar
da economia tenta se agarrar no cabo da PEC 06/2019 para justificar sua
permanência como homem forte. Mas ele deve estar preocupado ao perceber o que
está sendo feito do outro, até então, também superministro – Sérgio Moro, seu
colega da Justiça. Queimado e chamuscado pelo próprio núcleo do governo, o
ex-todo poderoso da Lava Jato corre o risco de nem mesmo ser o indicado pelo
capitão para a próxima vaga que se abrir para o STF. Se Paulo Guedes não
conseguir emplacar algo de significativo com sua proposta de destruição do
nosso modelo de previdência social, não terá mais condições para permanecer no
governo. Por isso ele sempre se manifesta em um futuro longínquo. Economia de
R$ 1 trilhão em 10 anos com aprovação da reforma. Retomada de ciclo de
crescimento da economia de 15 anos com a destruição do RGPS.
Mas a emergência do
aqui e agora é implacável e começa a apresentar sua fatura. Os setores
empresariais já cobram medidas contra a recessão e a ausência de consumo. A
maioria da população se manifesta também contra a Reforma da Previdência e
contra os efeitos nefastos do desemprego continuado. Paulo Guedes está na corda
bamba. Caso decida por permanecer fiel a seus princípios obsoletos da dinâmica
da economia, seus dias estarão certamente contados. Mas nem mesmo alguma
conversão meia boca às proposições “esquisitas” (por ele sempre condenadas,
diga-se de passagem) que estimulem um mínimo de crescimento do PIB está em
condições de lhe oferecer segurança à sua permanência na cadeira ministerial.
O tempo da política
não caminha sincronizado à cadência da economia. Bolsonaro está sendo cobrado
pelo que não está entregando. Se Guedes não oferecer nada para amainar os
espíritos, dificilmente conseguirá atravessar o mandato sem perder o
equilíbrio. A questão é avaliar se haverá ou não uma rede de segurança apara
evitar danos maiores resultantes do desequilíbrio.
*Paulo Kliass é
doutor em economia e membro da carreira de Especialistas em Políticas Públicas
e Gestão Governamental do governo federal.
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