© NELSON ALMEIDA via Getty Images |
Um comunicado
divulgado nesta quarta-feira (8) por oito ex-ministros do Meio Ambiente faz uma série de críticas à atual
gestão do ministro Ricardo Salles e
alerta para riscos na área. Eles ressaltam que o ministério passa a ideia
“falaciosa” de que o desmatamento é essencial para o sucesso na agropecuária —
“um erro que custará caro”.
“Estamos diante de
um risco real de aumento descontrolado do desmatamento na Amazônia. Os
frequentes sinais contraditórios no combate ao crime ambiental podem transmitir
a ideia de que o desmatamento é essencial para o sucesso da agropecuária no
Brasil. A ciência e a própria história política recente do país demonstram
cabalmente que isso é uma falácia e um erro que custará muito caro a todos
nós.”
O texto assinado
por Ricardo Ricupero, Gustavo Krause, José Sarney Filho, José Carlos Carvalho,
Marina Silva, Carlos Mini, Izabella Teixeira e Edson Duarte dispara: “A
governança socioambiental no Brasil está sendo desmontada, em afronta à
Constituição”.
Os ex-ministros
também afirmam que é “urgente que o Brasil reafirme a sua responsabilidade
quanto à proteção do meio ambiente e defina rumos concretos que levem à
promoção do desenvolvimento sustentável e ao avanço da agenda socioambiental, a
partir de ação firme e comprometida dos seus governantes”.
E acrescentam: “Não
há desenvolvimento sem a proteção do meio ambiente. E isso se faz com quadros
regulatórios robustos e eficientes, com gestão pública de excelência, com a
participação da sociedade e com inserção internacional. Reafirmamos que o
Brasil não pode desembarcar do mundo em pleno século 21”.
Leia a íntegra.
COMUNICADO DOS
EX-MINISTROS DE ESTADO DO MEIO AMBIENTE
São Paulo, 8 de
maio de 2019
Em outubro do ano
passado, nós, os ex-ministros de Estado do Meio Ambiente, alertamos sobre a
importância de o governo eleito não extinguir o Ministério do Meio Ambiente e
manter o Brasil no Acordo de Paris. A consolidação e o fortalecimento da
governança ambiental e climática, ponderamos, é condição essencial para a
inserção internacional do Brasil e para impulsionar o desenvolvimento do país
no século 21.
Passados mais de
cem dias do novo governo, as iniciativas em curso vão na direção oposta à de
nosso alerta, comprometendo a imagem e a credibilidade internacional do país.
Não podemos
silenciar diante disso. Muito pelo contrário. Insistimos na necessidade de um
diálogo permanente e construtivo.
A governança
socioambiental no Brasil está sendo desmontada, em afronta à Constituição.
Estamos assistindo
a uma série de ações, sem precedentes, que esvaziam a sua capacidade de
formulação e implementação de políticas públicas do Ministério do Meio
Ambiente: entre elas, a perda da Agência Nacional de Águas, a transferência do
Serviço Florestal Brasileiro para o Ministério da Agricultura, a extinção da
secretaria de mudanças climáticas e, agora, a ameaça de descriação de áreas
protegidas, apequenamento do Conselho Nacional do Meio Ambiente e de extinção
do Instituto Chico Mendes.
Nas últimas três décadas, a sociedade brasileira foi
capaz, através de sucessivos governos, de desenhar um conjunto de leis e
instituições aptas a enfrentar os desafios da agenda ambiental brasileira nos
vários níveis da Federação.
A decisão de manter
a participação brasileira no Acordo de Paris tem a sua credibilidade
questionada nacional e internacionalmente pelas manifestações políticas,
institucionais e legais adotadas ou apoiadas pelo governo, que reforçam a
negação das mudanças climáticas partilhada por figuras-chave da atual
administração.
A ausência de
diretrizes objetivas sobre o tema não somente tolhe o cumprimento dos
compromissos assumidos pelo Brasil, comprometendo seu papel protagônico
exercido globalmente, mas também sinaliza com retrocessos nos esforços
praticados de redução de emissões de gases de efeito estufa, nas necessárias
ações de adaptação e no não cumprimento da Política Nacional de Mudança do
Clima.
Estamos diante de
um risco real de aumento descontrolado do desmatamento na Amazônia. Os
frequentes sinais contraditórios no combate ao crime ambiental podem transmitir
a ideia de que o desmatamento é essencial para o sucesso da agropecuária no
Brasil. A ciência e a própria história política recente do país demonstram
cabalmente que isso é uma falácia e um erro que custará muito caro a todos nós.
É urgente a
continuidade do combate ao crime organizado e à corrupção presentes nas ações
do desmatamento ilegal e da ocupação de áreas protegidas e dos mananciais,
especialmente nos grandes centros urbanos.
O discurso contra
os órgãos de controle ambiental, em especial o Ibama e o ICMBio, e o
questionamento aos dados de monitoramento do INPE, cujo sucesso é
auto-evidente, soma-se a uma crítica situação orçamentária e de pessoal dos órgãos.
Tudo isso reforça na ponta a sensação de impunidade, que é a senha para mais
desmatamento e mais violência.
Pela mesma moeda,
há que se fortalecer as regras que compõem o ordenamento jurídico ambiental
brasileiro, estruturadas em perspectiva sistêmica, a partir da Lei da Política
Nacional do Meio Ambiente de 1981. O Sistema Nacional de Meio Ambiente precisa
ser fortalecido especialmente pelo financiamento dos órgãos que o integram.
É grave a
perspectiva de afrouxamento do licenciamento ambiental, travestido de
“eficiência de gestão”, num país que acaba de passar pelo trauma de Brumadinho.
Os setores empresarial e financeiro exigem regras claras, que confiram
segurança às suas atividades.
Não é possível,
quase sete anos após a mudança do Código Florestal, que seus dispositivos,
pactuados pelo Congresso e consolidados pelo Supremo Tribunal Federal, estejam
sob ataque quando deveriam estar sendo simplesmente implementados. Sob alegação
de “segurança jurídica” apenas para um lado, o do poder econômico, põe-se um
país inteiro sob risco de judicialização.
Tampouco podemos
deixar de assinalar a nossa preocupação com as políticas relativas às
populações indígenas, quilombolas e outros povos tradicionais, iniciada com a
retirada da competência da Funai para demarcar terras indígenas. Há que se
cumprir os preceitos estabelecidos na Constituição Federal de 1988, reforçados
pelos compromissos assumidos pelo Brasil perante a comunidade internacional, há
muitas décadas..
O Brasil percorreu
um longo caminho para consolidar sua governança ambiental. Tornamo-nos uma
liderança global no combate às mudanças climáticas, o maior desafio da
humanidade neste século. Também somos um dos países megabiodiversos do planeta,
o que nos traz enorme responsabilidade em relação à conservação de todos os
nossos biomas. Esta semana a Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade
e Serviços Ecossistêmicos (IPBES), considerada o “IPCC da biodiversidade”,
divulgou o seu primeiro sumário aos tomadores de decisão, alertando sobre as
graves ameaças que pesam sobre a biodiversidade: um milhão de espécies de
animais e plantas no mundo estão ameaçadas de extinção.
É urgente que o
Brasil reafirme a sua responsabilidade quanto à proteção do meio ambiente e
defina rumos concretos que levem à promoção do desenvolvimento sustentável e ao
avanço da agenda socioambiental, a partir de ação firme e comprometida dos seus
governantes.
Não há
desenvolvimento sem a proteção do meio ambiente. E isso se faz com quadros
regulatórios robustos e eficientes, com gestão pública de excelência, com a
participação da sociedade e com inserção internacional.
Reafirmamos que o
Brasil não pode desembarcar do mundo em pleno século 21. Mais do que isso, é
preciso evitar que o país desembarque de si próprio.
Rubens Ricupero
Gustavo Krause
José Sarney Filho
José Carlos
Carvalho
Marina Silva
Carlos Minc
Izabella Teixeira
Edson Duarte
Nenhum comentário:
Postar um comentário