© Evaristo Sa/Getty Images Manifestantes reunidos em frente ao Congresso Nacional, em Brasília |
Manifestantes ocuparam
as ruas de dezenas de cidades brasileiras neste domingo em apoio ao governo
de Jair Bolsonaro. O
tamanho da mobilização, porém, não parece suficiente para fortalecer o
presidente nas negociações com o Congresso Nacional, acreditam analistas
políticos ouvidos pela BBC News Brasil. Com isso, afirmam, a tendência é de
continuidade da crise política.
Os atos foram
convocados em resposta aos protestos realizados em 15 de maio contra os cortes
anunciados no Orçamento da Educação. No entanto, embora milhares de pessoas
tenham comparecido às ruas em cidades como São Paulo, Rio de Janeiro e
Brasília, a mobilização nacional não superou o movimento de oposição ao governo
e ficou aquém dos protestos massivos que marcaram o país em 2013 e pelo
impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff em 2015.
"As
manifestações desse domingo mostram que Bolsonaro tem apoiadores dispostos a
ocupar as ruas, mas não é um mito de popularidade com capacidade de constranger
o Congresso. O ato na Avenida Paulista (em São Paulo) ocupou várias quadras,
mas o público estava espalhado, deixando espaços vazios", observou o
cientista político Carlos Melo, professor do Insper.
Na leitura do
cientista político Antônio Lavareda, professor da Universidade Federal de
Pernambuco (UFPE), as manifestações tiveram "tamanho proporcional à
popularidade do presidente hoje". Ele lembra que as pesquisas de opinião
têm mostrado que um terço dos brasileiros avaliam positivamente o governo,
enquanto outro terço rechaça a gestão e o restante a avalia como regular.
"Os atos de
hoje não fortalecem nem enfraquecem o presidente. Como não houve uma
mobilização massiva, não foi criado capital político novo para o
presidente", avalia.
Defesa da reforma e ataques a Maia e
Centrão predominam em atos
Os cinco meses de
administração Bolsonaro têm sido marcados por uma relação difícil com o
Congresso, já que o presidente não construiu uma base de apoio ao seu governo
sob a justificativa de implementar uma "nova política", sem
"toma lá dá cá" envolvendo distribuição de cargos na máquina federal.
A falta de base
parlamentar, porém, tem se refletido em dificuldade para aprovar até mesmo
medidas com potencial de controvérsia menor do que a Reforma da Previdência,
caso da Medida Provisória 870 que reduziu os números de ministérios de 29 para
22 e transferiu o Coaf (Conselho de Atividade Financeira) do Ministério da
Economia, liderado por Paulo Guedes, para o Ministério da Justiça, comandado
por Sergio Moro.
A tendência é que a
MP seja aprovada nesta semana no Senado nos mesmos termos da Câmara, retornando
o Coaf para a pasta de Guedes. O próprio governo já desistiu de trabalhar
contra isso para evitar do risco de que a MP caia e toda a reforma da estrutura
ministerial seja revertida.
Diante da tensão
entre Planalto e Parlamento, as manifestações deste domingo foram marcadas por
ataques ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e o chamado Centrão, um
conglomerado de partidos que não apresenta posicionamento ideológico claro mas
tem, com frequência, se alinhado às siglas de esquerda que fazem oposição.
Viu-se também
muitas falas e cartazes a favor da aprovação da reforma da previdência, do
pacote anticrime de Moro e com ataques ao Supremo Tribunal Federal. Até mesmo
grupos de direita foram duramente criticados, principalmente o Movimento Brasil
Livre, já que seu líder, o deputado Kim Kataguiri, se opôs à convocação por
considerar que ela tinha caráter autoritário de defesa do fechamento do
Parlamento e do STF.
Bolsonaro, que
desistiu de comparecer ao ato por causa dessa controvérsia, passou o dia
divulgando vídeos das manifestações pelo país em sua conta no Twitter. "Há
alguns dias atrás, fui claro ao dizer que quem estivesse pedindo o fechamento
do Congresso ou STF hoje estaria na manifestação errada. A população mostrou
isso. Sua grande maioria foi às ruas com pautas legítimas e democráticas, mas
há quem ainda insista em distorcer os fatos", postou no fim da tarde.
Apesar da tentativa
do presidente de contemporizar, o cientista político da Universidade do Estado
do Rio de Janeiro (Uerj) Geraldo Tadeu Monteiro acredita que as manifestações
podem acabar virando um "tiro no pé", ao dificultar ainda mais a
relação de Bolsonaro com o Legislativo.
"Nitidamente,
o movimento tinha objetivo de constranger o Congresso. Se fossem dois milhões
de pessoas na rua, certamente o Congresso ficaria intimidado, mas como ficou
aquém do esperado pelos organizadores acaba contribuindo para piorar a
relação", analisa.
"Acho que a crise
vai persistir porque não há, por parte do governo, nenhum projeto para
construção de uma base", disse ainda.
Protagonismo do Congresso
Caso Bolsonaro não
busque articular uma base, os analistas acreditam que o Congresso continuará
buscando um protagonismo maior, limitando os poderes presidenciais.
A expectativa é que
a reforma da previdência, apoiada pelos presidentes da Câmara (Rodrigo Maia) e
do Senado (David Alcolumbre), seja aprovada com ajustes em relação ao texto
encaminhado pelo governo.
Já o polêmico
decreto que flexibilizou o acesso a armas pode vir a ser derrubado por um
decreto legislativo. Outra discussão que corre nos bastidores do Congresso é
limitar a capacidade do presidente de editar medidas provisórias (normas legais
que entram em vigor imediatamente, mas dependem de aprovação do Congresso para
manter validade).
Em meio à crise
política, alguns senadores, como José Serra (PSDB-SP) e Tasso Jereissati
(PSDB-CE) também tentam reavivar o debate sobre troca de sistema de governo,
com a proposta de substituir a partir de 2022 o presidencialismo pelo
parlamentarismo (sistema em que o chefe de governo, chamado primeiro ministro, é
eleito indiretamente pelo Congresso).
Essa possibilidade
foi levada à consulta popular em 1993, logo após o impeachment do presidente
Fernando Collor, mas a maioria da população escolheu em plebiscito a
continuidade do presidencialismo.
"Embora a
popularidade de Bolsonaro esteja em queda, ela não se transfere para o
Congresso. A credibilidade do Parlamento é baixa. Não acredito que a população
apoiaria nas ruas a adoção do parlamentarismo", nota Carlos Melo, do
Insper.
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