REVISTA FÓRUM – Por
Cid Benjamin.
Reportagem publicada no “Estado de S.Paulo” em 20 de março pode
lançar novas luzes sobre o assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL) e de
seu motorista Anderson Gomes. Até agora conhecem-se apenas os dois prováveis
executores. Falta o mais importante: a identificação dos mandantes, as razões
do crime e o conhecimento de suas vinculações com outras organizações criminosas
e com o mundo da política.
Embora com quase toda
a certeza se possa afirmar que os assassinos de Marielle sejam milicianos, em
sua ação como vereadora ela não incomodou as milícias de forma significativa.
Muito atuante na denúncia da violência policial contra os pobres, Marielle não
tinha atuação marcante em áreas dominadas por milícias. Tampouco a sua ação no
parlamento fazia supor que pudesse ser alvo dos paramilitares, como foi o caso,
por exemplo, do hoje deputado federal Marcelo Freixo (PSOL), que se tornou um
alvo preferencial por ter sido o criador e a principal figura da CPI das
Milícias na Assembleia Legislativa do Rio em 2008. Por conta disso, Freixo é
obrigado, até hoje, mais de dez anos depois, a viver protegido por segurança
armada.
É preciso saber quem
foi o mandante da execução de Marielle e qual o motivo da execução. De início,
pode ser descartada uma hipótese levantada pela polícia: a de que o crime teria
sido motivado por ódio individual dos assassinos a esquerdistas, mulheres, negros
ou homossexuais. Aliás, esta hipótese é cômoda para quem encomendou a execução.
Crime de ódio é crime isolado, sem mandantes.
Assim, a investigação
deve, agora, levar aos mandantes da morte de Marielle e começar a desvendar a
infinidade de crimes cometidos por milicianos (entre eles a origem e o destino
dos 117 fuzis encontrados com um parceiro do principal acusado, o ex-PM Ronnie
Lessa).
Investigações sobre
Lessa mostraram que ele fizera um levantamento da vida de outros possíveis
alvos, alguns dos quais tiveram seus nomes divulgados: Freixo e alguns de seus
parentes; o deputado estadual Flávio Serafini (PSol); a socióloga Julita
Lemgruber, coordenadora do CESeC (Centro de Estudos de Segurança e Cidadania)
da Universidade Cândido Mendes; a antropóloga Alba Zaluar, coordenadora do
Núcleo de Pesquisas das Violências (Nupevi) da Universidade do Rio de Janeiro
(Uerj); duas ativistas da ONG Redes da Maré, uma delas Eliane Souza Silva; uma
pesquisadora da Anistia Internacional; e uma ativista da ONG Mulheres.
Além desses nomes,
todos com alguma atuação política pública, teve também a vida investigada pelo
matador o professor Pedro Mara, diretor do Ciep 210, em Belford Roxo, na
Baixada Fluminense. A diferença, neste caso, o alvo não tem essa atuação. No
entanto, teve uma discussão com Flávio, um dos filhos do presidente Jair
Bolsonaro, tornando-se seu desafeto.
Do dito acima,
podem-se tirar duas conclusões.
A primeira,
desconfortável para a família Bolsonaro, é que surge mais um indicador da
proximidade dela com paramilitares. É grave que um desafeto pessoal de um dos
filhos do presidente esteja na mira de um matador profissional, ligado às
milícias. A que isso se deve? Será que, pela desavença com o 01 (ou o 02? Ou o
03? Não sei bem a que filho de Bolsonaro esses números se referem) ele entrou
na relação dos investigados pelo miliciano? Isso seria gravíssimo.
A segunda conclusão a
que se pode chegar é que a morte de Marielle não seria um atentado isolado. Ela
fazia parte de uma lista de alvos. Por alguma razão, teria sido a primeira a
ser eliminada.
E aqui surge uma
hipótese extremamente preocupante: a de que as milícias estejam se conformando
num embrião de algo semelhante à Triple A (Aliança Anticomunista Argentina),
grupo paramilitar que eliminou ativistas de esquerda naquele país vizinho.
Segundo relatórios de entidades de defesa dos direitos humanos, a organização
criminosa assassinou 1.122 pessoas, entre militantes, artistas, parlamentares,
estudantes, historiadores, juízes e outros funcionários públicos.
Começando a operar em
1973, quando do retorno do presidente Juan Domingo Perón ao país, a Triple A
esteve em franca atividade até a derrubada de Isabelita Perón em 1976, por um
golpe de estado instaurou uma sangrenta ditadura militar. A partir daí as próprias
Forças Armadas se encarregaram do extermínio de militantes e simpatizantes da
esquerda.
O exposto acima é
apenas uma hipótese. Seja ela confirmada ou não, uma tarefa se impõe: combater
de forma radical as milícias, tratando de eliminá-la o mais rapidamente
possível. E, além disso, claro, desvendar suas ligações no mundo da política e
condenar os responsáveis pelos crimes cometidos.
As milícias no Rio já
passaram de um domínio territorial localizado para voos mais altos e
diversificados, fora de suas regiões de influência originais. Tornaram-se
quadrilhas de pistoleiros de aluguel, sem prejuízo de outras atividades
criminosas que cometem em suas áreas de origem.
Elas têm experiência
militar, acesso a armamento de qualidade e conivência de determinados setores
da polícia. Sabe-se, por exemplo, que milicianos foram contratados para
intervir, como matadores de aluguel, nas disputas do jogo do bicho. Outras
mortes fora das áreas de origem teriam sido também de responsabilidade desses
paramilitares. E há registros da existência de um tal Escritório do Crime,
chefiado por ex-PMs milicianos com relações próximas à família Bolsonaro.
Vamos ser claros: no
universo do chamado crime organizado (estamos deixando de lado os crimes
cometidos por gente de paletó e gravata), as milícias são a principal ameaça.
Daí ser preocupante
que no pacote de combate à violência apresentado pelo ministro Sérgio Moro, em
fevereiro, o combate às milícias não tivesse lugar de destaque. É difícil
compreender a omissão.
Mas, pensando bem,
levando-se em conta certas ligações de milicianos com gente do poder, não é tão
difícil compreender a omissão.
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