por Whitney Webb
Durante quase quatro
dias, grande parte da Venezuela esteve sem energia, situação que paralisou a
economia do país.
Embora o abastecimento esteja regressando – e o governo de
Caracas tenha recebido ofertas de ajuda de muitos países, designadamente da
China – políticos e autoridades dos Estados Unidos aproveitaram os
acontecimentos para acusar o Governo Nicolás Maduro pela crise; este, por seu
turno, não tem dúvidas de que se trata de “sabotagem” de origem norte-americana,
realizada através de ataques cibernéticos contra a rede de energia, utilizando
também agentes infiltrados dentro da Venezuela.
Embora muitos meios
de comunicação norte-americanos tenham feito apenas eco da versão oficial do
governo de Washington, até alguns jornalistas de meios mainstream se afastaram
desta corrente. Um notável exemplo é o de Kalev Leetaru, ao escrever na revista
Forbes que a possibilidade de “intervenção remota dos Estados Unidos na rede
energética venezuelana é, de fato, bastante realista”.
Planos de guerra
híbrida
Leetaru observou
também que “o momento em que os apagões acontecem, numa fase de agitação social
criada para retirar legitimidade ao governo em funções, de modo a permitir a
imposição de um governo alternativo, é, na verdade, uma das táticas previstas”
nos planos de guerra híbrida do governo dos Estados Unidos; estes deverão
contribuir “para enfraquecer um adversário antes da invasão convencional ou
para efetuar uma mudança forçada e indiscutível de um governo estrangeiro”.
Para lá das
afirmações de Leetaru, outros jornalistas abordaram o possível envolvimento da
administração Trump depois de constatarem que o senador Marco Rubio –
profundamente envolvido na política do presidente contra a Venezuela – pareceu
ter conhecimento prévio do apagão, uma vez que publicou um tweet sobre o
assunto apenas três minutos depois de o corte de energia ter sido efetuado.
Embora vários
jornalistas tenham abordado a alta possibilidade de o governo Trump ser
responsável pelo blecaute, poucos – ou nenhum – revelaram que os Estados Unidos
têm planos muito avançados para recorrer a ataques cibernéticos contra
infraestruturas críticas de redes elétricas em países que são alvo de operações
de mudança de regime por parte de Washington.
Primeiro foi o Irã …
O mais conhecido
programa desse tipo tem o nome de código “Nitro Zeus”, foi criado durante o
governo de George W. Bush e teve como alvo original o Irã. Com tantos
ex-funcionários de Bush dando agora ordens na administração Trump,
especialmente na política para a Venezuela, o possível retorno do vírus “Nitro
Zeus”, desta feita concebido por medida para a situação venezuelana, parece
cada vez mais provável.
A existência do
projeto “Nitro Zeus” tornou-se do conhecimento público em novembro de 2016,
quando o New York Times o descreveu como um “plano elaborado” para usar contra
o Irã porque as negociações sobre o programa nuclear deste país falharam. O
programa teve como alvo “as defesas aéreas do Irã, sistemas de comunicações e
partes cruciais da sua rede elétrica”. No ponto mais alto da sua aplicação
“envolveu milhares de militares norte-americanos e pessoal de inteligência”,
acreditando-se que tenha custado dezenas de milhões de dólares. A ação
mobilizou intimamente a unidade de operações de acesso sob medida da Agência
Nacional de Segurança (NSA) e o Cibercomando dos Estados Unidos.
O programa foi
desativado quando se concretizou o Plano de Ação Integral Conjunto (JCPOA ou
5+1); porém, quando o governo de Trump decidiu retirar-se unilateralmente do
acordo voltaram a surgir especulações sobre a sua reativação. Embora isso possa
não ter acontecido em relação ao Irã, existe a possibilidade de ter sido
adaptado à Venezuela, em função das acusações proferidas pelo governo de
Caracas sobre um ataque cibernético feito pelos Estados Unidos.
De facto, Kalev
Leetaru sublinhou no seu recente artigo na Forbes que, “dada a preocupação de
longa data do governo dos Estados Unidos com o governo da Venezuela, é provável
que Washington mantenha já uma presença profunda nas infraestruturas da rede
energética nacional”, como aconteceu com o programa “Nitro Zeus” para o Irã.
Este programa “Nitro
Zeus” não é tão conhecido como o seu parente Stuxnet, desenvolvido em conjunto
pelos Estados Unidos e Israel para ser usado contra o software iraniano que
controla as centrais de enriquecimento de urânio. No entanto, apesar da sua
relativa falta de fama, o “Nitro Zeus” é notável por várias razões.
Novo patamar de
guerra cibernética
Em primeiro lugar,
“elevou as guerras cibernéticas praticadas pelos Estados Unidos para um novo
nível”, de acordo com um ex-funcionário do projeto citado pelo New York Times.
Porque, antes dele, “os Estados Unidos nunca tinham montado um plano combinado
de ataques cibernéticos e convencionais a essa escala e também porque a
execução do programa teria “efeitos significativos sobre civis, sobretudo se
Washington tivesse de cortar muitos setores das redes elétrica e de
comunicações do país”.
Outra razão pela qual
o “Nitro Zeus” é notável, designadamente à luz dos esforços dos Estados Unidos
para interferir na Venezuela, é o motivo da sua criação. De fato, embora o
“Nitro Zeus” se tenha tornado, durante o governo Obama, o programa “enorme e
enormemente complexo” pormenorizado pelo New York Times, a sua atividade tinha
se iniciado durante a administração de George W. Bush. De acordo com uma
reportagem da publicação Daily Beast, Bush considerava o “Nitro Zeus” como “uma
alternativa tática necessária depois de a guerra do Iraque ter sabotado as suas
hipóteses de iniciar outra invasão no Médio Oriente”. Por outras palavras, após
o desastre da guerra do Iraque, tornou-se mais difícil para os Estados Unidos
lançar outras intervenções militares unilaterais; por isso, a administração
optou por desenvolver ferramentas militares “não convencionais” que não
incomodem tanto a opinião pública nos Estados Unidos e nos países aliados.
Além disso, como
escreveu Tyler Rogoway no Foxtrot Alpha:
“Programas como o
‘Nitro Zeus’ podem ser combinados com outros para obter sinergias, deixando os
militares do país alvo cegos e surdos e a população em sofrimento, o que pode
ser alcançado sem nunca ter deixado cair uma bomba e até mesmo sob um plausível
véu de negação”.
Estas
características, segundo Rogoway, fizeram com que programas deste tipo se
tornem “uma alternativa cada vez mais viável às formas tradicionais de ataque,
uma vez que os Estados Unidos podem negar o seu envolvimento, evitando
potenciais consequências diplomáticas, e porque podem causar danos não apenas
na estrutura militar de um país mas também entre a sua população civil”.
Há planos para todas
as contingências
Embora o “Nitro Zeus”
nunca tenha sido utilizado contra o Irã, é provável que o programa tenha gerado
alternativas semelhantes contra redes de energia de outras nações sob mira,
tendo em vista o precedente estabelecido. Como o New York Times sublinhou nas
suas páginas: “Os militares dos Estados Unidos desenvolvem planos de
contingência para todos os tipos possíveis de conflitos, como um ataque
norte-coreano contra a Coreia do Sul, a utilização de armas nucleares no
Sudeste Asiático, revoltas em África ou na América Latina. A maioria desses
planos fica na prateleira, mas são atualizados de tempos a tempos”.
Este ponto de vista
foi desenvolvido por Rogoway, que escreveu: “O ‘Nitro Zeus’ é, provavelmente,
um dos muitos programas para atacar potenciais inimigos através de armas
cibernéticas. Programas que certamente existem para todos os potenciais
adversários dos Estados Unidos e, possivelmente, alguns serão muito mais elaborados
e mortais do que qualquer coisa que tenha sido divulgada até agora”.
Existem mais do que
simples indicações de que muitos “planos de contingência” mais agressivos
passaram para o topo da caixa de ferramentas da administração Trump. Por
exemplo, os principais ex-funcionários da administração Bush que estão agora na
equipa de Trump, particularmente John Bolton e Elliot Abrams, são conhecidos
pelas suas posições agressivas e pela disponibilidade de promoverem políticas
extremas contra os adversários, recorrendo mesmo às que prejudicam ou matam
numerosos civis inocentes. Assim sendo, vozes como aquelas que se ouviram no
Departamento de Estado ou no Conselho de Segurança Nacional durante o tempo de
Obama, alertando sobre os eventuais efeitos adversos que um apagão provocado
pelo “Nitro Zeus” pode causar sobre civis, provavelmente não influenciarão
Bolton e Abrams – que têm um papel de enorme dimensão na definição da política
a aplicar contra a Venezuela.
Acresce que um
programa como este tem tudo para ser considerado como valioso por Bolton e
Abrams, da mesma forma que Bush valorizou o “Nitro Zeus” quando ficou “com as
mãos amarradas” após o desastre da guerra do Iraque.
O passo mais provável
Em relação à Venezuela,
Bolton e Abrams também parecem de mãos atadas em termos de uma operação
militar, uma vez que a intervenção militar de qualquer tipo foi rejeitada, de
maneira inequívoca, pelos aliados dos Estados Unidos na América Latina e
noutros lugares. E não foi apenas isso que fracassou: o mesmo aconteceu em
relação à tática favorita de Abrams, que é a de fornecer armas disfarçadas de
“ajuda humanitária” aos insurgentes, restringindo as ações agressivas ao dispor
da administração.
Perante a
incapacidade de iniciar uma intervenção militar – aberta ou encoberta – o
recurso a um ataque cibernético com o “Nitro Zeus” seria, provavelmente, o
passo seguinte a dar depois do fracassado golpe da “ajuda humanitária” e da
rejeição de qualquer tipo de intervenção militar por parte de aliados dos
Estados Unidos.
Além de tudo isto,
muitos dos responsáveis pela criação do “Nitro Zeus” partilham ligações com
neoconservadores influentes na administração Trump. Por exemplo, Keith
Alexander era diretor da NSA na época em que o “Nitro Zeus” começou a ser
desenvolvido e desempenha agora as funções de presidente da administração da
IronNet Cybersecurity, a sua nova empresa consultora de segurança cibernética.
Sentado ao lado de Alexander na administração da IronNet está Jack Keane, um
zeloso general na reserva que Trump aprecia a ponto de lhe ter oferecido o
cargo de secretário da Defesa, que ele recusou. Keane é um colaborador próximo
da família neoconservadora Kagan; atualmente é presidente do Instituto de
Estudos de Guerra, fundado por Kimberly Kagan e financiado pelos principais
fabricantes de armas dos Estados Unidos.
É obra de Trump
Uma vez que os
belicistas da era Bush dominam agora a política de Trump para a Venezuela,
parece cada vez mais provável que tenham existido esforços para ressuscitar o
programa “Nitro Zeus” dos tempos de Bush e Obama. De fato, um programa tão
complexo e de tanto impacto, reforçado com planos dele derivados e
desenvolvidos na última década, poderiam constituir o caminho mais fácil para
nova medida agressiva apoiada pelos Estados Unidos a adotar contra a Venezuela.
No entanto, se os
Estados Unidos estão a realizar ataques cibernéticos contra a rede energética
venezuelana os culpados não são os poderosos neoconservadores integrados na
administração Trump, uma vez que apenas o presidente pode autorizar operações
ofensivas desse tipo. Portanto, se partes do apagão na Venezuela resultaram de
sabotagem dirigida pelos Estados Unidos foi porque o presidente Donald Trump
mandou atacar infraestruturas civis na Venezuela, coisa estranha para alguém
que diz preocupar-se tanto com o povo venezuelano.
15/Março/2019
en.wikipedia.org/wiki/Nitro_Zeus
news.softpedia.com/…
A versão em português
encontra-se em www.oladooculto.com/noticias.php?id=288
https://www.resistir.info/venezuela/nitro_zeus_15mar19.html
Nenhum comentário:
Postar um comentário