Por: Estevam Vieira,
1) Tudo começa com a
tentativa de golpe de Estado na madrugada (02h50) de segunda-feira contra bases
da Guarda Nacional Bolivariana (GNB) na Zona Oeste de Caracas. Cerca de 27
militares corruptos (todos de baixa patente) se amotinaram e invadiram o quartel
da GNB, roubaram veículos, munições, armamentos e mantiveram policiais e
guardas como reféns.
Foram rapidamente
neutralizados pela FANB (Força Armada Nacional Bolivariana) ainda na madrugada.
Os militares amotinados confessaram os detalhes da articulação golpista: caso o
golpe obtivesse êxito, receberiam dinheiro, casas e propriedades como
pagamento, mas foram deixados sozinhos pelos mandantes do golpe (membros do
“Voluntad Popular” e agentes da CIA).
É óbvio que se tratou
de uma tentativa desesperada da ala golpista, da extrema-direita e dos grupos
pró-EUA, mas visou duas coisas: criar um fato político, seja em cima da prisão
de “militares insatisfeitos com Maduro” (essa foi a linha amplamente
reproduzida na imprensa golpista internacional), seja para fomentar a
“confusão”, entre as fileiras militares, de que há militares insatisfeitos ou
contrários a Maduro, o que estimularia outros grupos a também se rebelarem.
Ambos os fatos são falsos.
Primeiro porque o
Alto Escalão das FANB estão com Maduro e cerrados na defesa da soberania do
país, assim como as patentes intermediárias e baixas, enfim, o corpo geral das
forças armadas está com Maduro. Claro que em meio a este corpo gigante de
militares, há sujeitos e frações corruptas, mas são setores meramente marginais
e sem apoio concreto da caserna venezuelana.
É importante pontuar
também que, das 51 armas roubadas, 40 foram recuperadas. O Ministro das
Comunicações, Jorge Rodríguez, disse que as armas não recuperadas foram
entregues a civis do Voluntad Popular e transportadas para a região de Cúcuta,
na Colômbia, para treinamento paramilitar. Além disso, há paramilitares em fase
de treinamento na região de Tona, na Colômbia.
2) Começa a se
desenrolar a partir da manhã de segunda-feira, quando pequenos grupos de mascarados,
agitados pelos golpistas de farda, fizeram provocações nas ruas com focos de
“manifestações” de tom insurrecional. As forças armadas dispararam gás
lacrimogêneo para dispersar os manifestantes que se reuniram do lado de fora do
posto de comando onde os soldados foram detidos. Houve muitos confrontos por
toda Caracas.
À noite, fascistas e
mercenários incendiaram prédios públicos, em específico a Casa de la Memoria y
la Juventud “Robert Serra” (nome que faz homenagem ao militante do PSUV
assassinado em 2014) que foi totalmente destruída. O espaço cultural servia de
sede para a Productora y Distribuidora Venezolana de Alimentos (PDVAL),
responsável por distribuir alimentos aos moradores do bairro, além de ser um
espaço educativo, cultural e que realizava atividades recreativas para a
comunidade. Um verdadeiro crime. A atual etapa do golpe se seguirá ante ao
aprofundamento da violência e, desde o inicio da semana, há lutas encarniçadas
para obter a hegemonia das ruas. A direita e o golpismo recuperaram o fôlego
para convocar e mobilizar protestos (algo que não conseguiam desde agosto de
2017), mas o chavismo também mostra grande capacidade de mobilização.
3) Em meio à onda de
protestos nas ruas, segundo dados do OVCS (Observatório Venezuelano de
Conflitos Sociais), pelo menos 4 pessoas morreram em meio às manifestações até
então (a imprensa golpista fala em 11 mortes). Sob liderança de Juan Guaidó e
dos golpistas, a oposição convocou manifestação para este 23 de janeiro, data
que marca a tentativa de derrubada de Pérez Jiménez, em 1958. A ocasião foi
aproveitada para que Guaidó se autoproclamasse “Presidente” do país, ou seja,
um grande teatro foi armado. A manifestação da oposição não tratou de “lutar
por democracia” (esta não é sua preocupação), mas de uma grande encenação, um
ato “simbólico” para deslegitimar internacionalmente o governo.
Por outro lado, as
forças do chavismo, movimentos sociais e populares, sindicatos, organizações e
partidos de esquerda também convocaram atos de resistência para este dia, dando
uma resposta firme para os golpistas. Diosdado Cabello, Presidente da Assembleia
Constituinte, organizou grupos militares e de voluntários para manter o Palácio
de Miraflores, sede do governo nacional, sob vigilância e em defesa da
legitimidade do Presidente Maduro. Nas ruas ainda há movimentações constantes,
sem previsão de esvaziamento.
4) Revelam-se os
evidentes elos entre os atos da extrema-direita e a imprensa: a imprensa
golpista busca retransmitir os protestos violentos internacionalmente e à
exaustão. As manifestações são apresentadas como atos “espontâneos”, feitos por
“pessoas comuns”, quando, na verdade, trata-se de ações programadas, elaboradas
por grupos armados e provocadores financiados, para desatar ações de incêndio,
violência, agressões em bairros e vizinhanças nas favelas/comunidades
populares, visando gerar uma sensação de defensiva do chavismo e de avanço e
força da direita.
Os níveis e
intensidades de violência são vários: vão desde provocadores, grupelhos
insurrecionais de rua, até bandos armados (como vimos em 2017), que chegaram a
assaltar quartéis militares e praticar assassinatos — tudo isto é parte do
plano golpista. A mobilização chavista contra o ato convocado pela direita
neste dia foi importantíssima para demonstrar que o chavismo continua forte,
capilarizado entre a população, organizado e com capacidade de mobilizar as
ruas. As “barriadas” são atos pacíficos, politizados com grande poder de
mobilização através das redes sociais e organismos do governo, como a TV e o
rádio.
5) Venezuelanos,
imigrados na região de Ibarra, no norte do Equador, foram duramente perseguidos
e atacados por grupos xenófobos. A perseguição vinha desde sábado, resultando
na morte de uma venezuelana (chamado de feminicídio na imprensa equatoriana).
Após o assassinato, iniciou-se uma forte onda de xenofobia, com mensagens de
ódio, agressões, linchamentos e perseguição que terminou com a expulsão dos
venezuelanos da região, que iniciaram uma peregrinação para sair do país.
Maduro reforçou investimentos e ampliação do importante programa “Regreso para
Mi Pátria”.
6) Em meio a
tentativas de golpe, histeria insurrecional e espasmos de violência nas ruas,
Mike Pence (vice-presidente de Trump, pertencente à “linha dura” do governo),
gravou vídeos e postou tuítes incentivando as forças golpistas e a população a
“tomarem as ruas” e anunciou a convocação de um “governo de transição”. Ou
seja, chamou abertamente um golpe de Estado contra a Venezuela.
Algumas horas após o
tuíte de Pence, o golpista Juan Guaidó ataca novamente se autodeclarando
“Presidente interino” da Venezuela, sendo imediatamente reconhecido pelos EUA,
Brasil, Paraguai, Peru, Colômbia, Canadá, Porto Rico, enfim, todo o Cartel de
Lima e mais a Organização dos Estados Americanos (OEA). Como resposta
(corretíssima, não tenhamos dúvidas), Maduro, anunciou o rompimento das
relações diplomáticas e políticas com os EUA e deu um prazo de 72 horas a toda
equipe diplomática dos EUA para que deixem o país.
7) Um breve
comentário: a atual tática do golpismo, chancelado pelos EUA, pela UE, pelo
Cartel de Lima, pelo Brasil de Bolsonaro e Ernesto Araújo, pela burguesia
venezuelana, vassala até a medula aos EUA, configura a tática da “usurpação” de
poderes, do sequestro na “mão grande” das competências do Executivo, que
obviamente é anticonstitucional. A Assembleia Nacional foi considerada pelo Tribunal
Supremo de Justicia (TSJ) “suspensa”, com status de “desacato”, tendo suas
ultimas ações revogadas, portanto, é um organismo ilegal, não possui qualquer
poder/legitimidade real.
A atual AN se guia
pelo sequestro das competências do Executivo, sendo uma delas a direção das
relações exteriores do Estado venezuelano. Juan Guaidó, o novo rosto do
golpismo venezuelano, é aclamado como novo “líder” da oposição. Entretanto,
Guaidó é velho conhecido: foi protagonista das ações violentas em 2007, 2014 e
2017. Ele nega a participação nas ações radicais e protestos violentos, que
culminaram em assassinatos de vários manifestantes chavistas.
8) A atual etapa do
golpe trata-se da 3ª fase da agressão imperialista contra a Venezuela (dividida
em 6 fases), das quais cito (baseado nas análises de @josenegronv):
Fase 1 (ativada):
instabilidade e caos doméstico através de a) guerra institucional, b) guerra
econômica, c) fakenews, guerra de desinformação e propaganda anti-governo.
Fase 2 (ativada):
articulação de frentes e organizações da pequena-burguesia, em apoio ativo na
1ª Fase, para combater, desmoralizar e debilitar o governo. Essa etapa também
envolve a instabilidade político-institucional e econômica.
Fase 3 (ativada):
fomentar conflitos regionais através de a) iniciativas políticas exercidas pelo
Grupo de Lima e outros organismos, como a OEA, UE, CIA, OTAN, b) ações
militares ou paramilitares encobertas, como foi o caso dos navios da Exxon
Mobil em águas venezuelanas.
Fase 4 (por ativar):
aprofundar o desgaste, desmoralização e deslegitimação do governo através de a)
manifestações, b) greves, c) violência civil, d) violência contra figuras do
governo, e) mutilações, f) assassinatos de figuras públicas.
Fase 5 (por ativar):
articular milícias e grupos paramilitares em escala regional para atuar em
zonas geográficas de interesse estratégico (fronteiras do país e mesmo dentro
do Estado venezuelano) para a) impulsionar conflitos nas fronteiras ocidentais
com paramilitares colombianos, brasileiros e caribenhos, b) mobilizar grupos de
desestabilização na região Sul do país (Evo Bolívar), especialmente em zonas
mineiras visando destruir infraestruturas do Estado.
Fase 6 (por ativar):
invasão/intervenção militar multinacional, ou seja, uma frente de países
liderados por Colômbia, com o apoio de Paraguai, Peru, Chile, Argentina e
claro, os EUA, os britânicos e a OTAN na retaguarda. O centro do possível
conflito será na delicada região de fronteiras entre Colômbia e Venezuela.
9) Ainda não está
claro o papel do Brasil neste xadrez. Mourão diz que “Brasil não participará de
nenhuma intervenção na Venezuela”. Não caiam nessa. A via da
invasão/intervenção militar multinacional é uma “carta que está na mesa” (de
acordo com Trump e Pence).
Na verdade, há duas
táticas em curso: a guerra civil, dividindo o país entre chavistas e
antichavistas, lançando a Venezuela numa guerra interna com bandos armados ou a
intervenção militar propriamente dita (6ª fase do golpe imperialista). Aposto
na primeira opção, pois a segunda, nesta atual etapa, enfrentará grande
resistência do povo venezuelano. Porquanto, a 3ª fase do golpismo se dá no
plano político-econômico, mas a via militar está sendo preparada, não tenhamos
dúvidas.
Veremos, mais cedo ou
mais tarde, uma frente militar multinacional devidamente formada. Vale tudo
depois da resposta firme de Maduro em cortar relações com os EUA. A Venezuela
tende à maior aproximação com Rússia, China e Coréia do Norte, além do maior
fortalecimento da aliança latina com Bolívia, Cuba e Nicarágua. O Brasil ainda
é uma incógnita. Meu palpite é que, de fato, não entre como “liderança” na
intervenção, mas venha na “retaguarda”, como “ajuda humanitária” ou “força de
paz” mediada pela ONU e tutelada pelos EUA/OTAN, após destruição parcial ou
completa do país venezuelano, com a conversa fiada de “ajudar a reconstruir o
país” (leia-se, auxiliando o imperialismo e as grandes transnacionais e
abocanhando alguma fatia do país vizinho), tal como no Haiti.
Mas nada está
definido.
Abaixo o
imperialismo!
Todo apoio à
Venezuela Bolivariana!
Em defesa da
autodeterminação dos povos!
Por: Estevam Vieira, militante do PCB Amazonas
Publicado
em 25 de janeiro de 2019
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