Gerardo
Lissardy BBC
News Mundo
como
um todo na América Latina
O ex-presidente uruguaio José
"Pepe" Mujica defende que, para evitar que a crise na Venezuela
termine em uma guerra, é preciso haver eleições gerais no país, com um forte
monitoramento internacional que garanta a participação de todas as correntes
políticas.
Em entrevista à BBC Mundo, o serviço de notícias em espanhol da BBC,
Mujica afirmou acreditar que os Estados Unidos estão dispostos a intervir na
Venezuela para viabilizar uma vantagem geopolítica em relação à China. A
intenção do governo americano seria impedir que o gigante asiático controle o
petróleo do país da América do Sul.
Embora o ex-guerrilheiro tupamaro tenha mantido uma relação próxima como
o ex-presidente da Venenzuela Hugo Chávez, que morreu em 2013, ele evita se
posicionar sobre Nicolás Maduro.
Mujica reconhece, porém, que "o regime venezuelano" prejudicou
a esquerda na América Latina. "Parte da esquerda não aprende as lições da
história", criticou.
Na entrevista, Mujica evitou arriscar palpite sobre as intenções do
líder da oposição, Juan Guaidó, que se autoproclamou presidente interino da
Venezuela com o apoio de países como Estados Unidos, Canadá e Brasil.
Nesta semana, o Uruguai vai realizar uma reunião inaugural do Grupo
Internacional de Contato sobre Venezuela, com a presença de representantes da
União Europeia e de nações da América Latina. O grupo foi criado para tentar
encontrar uma solução para a crise venezuelana.
Leia os principais trechos da entrevista de Mujica à BBC News Mundo:
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Trump
já disse que eventual opção militar para a crise na Venezuela segue sobre a
mesa
BBC
- O senhor tem defendido que haja eleições gerais na Venezuela. Por quê?
José
Mujica - Porque o pior dos resultados seria um mal menor. Estou convencido e
tenho elementos para dizer que, em última instância, se os Estados Unidos não
virem outro remédio, eles vão intervir. O tema central para mim é evitar a
guerra.
A política norte-americana em relação à Venezuela nos tempos de Obama
era apostar que (o governo da Venezuela) se desgastasse sozinho. Mas a política
atual mudou. Decidiram frear o desenvolvimento da China. E isso tem que ser
visto pelo contexto geopolítico. Por isso, foram tomadas essas medidas
econômicas em relação à China.
E eu sei que as pessoas que rodeiam Trump têm assustado os diplomatas de
carreira dos Estados Unidos, por causa da posição intervencionista. Por isso,
se o grande império não vai aceitar de braços cruzados que o petróleo
venezuelano seja administrado pela China, estamos diante de uma possibilidade
de guerra.
Não julgo as intenções do presidente autoproclamado. Mas estou
convencido de que, com essa polarização, é impossível fazer eleições dentro da
Venezuela sem uma forte intervenção de monitoramento do processo, e se as
Nações Unidas lavam as mãos... Em vez de tanta declaração, tanto cerco, tanta
ameaça, (era preciso) garantir um processo eleitoral em que todos pudessem
participar.
BBC
- Mas Maduro até agora rechaçou qualquer possibilidade disso...
José
Mujica - Mas, o que estão oferecendo ao regime venezuelano? Renda-se e depois
veremos. E ainda há um importante personagem do governo americano dizendo que
vão levá-lo (Maduro) a Guantánamo. Então, se você quer evitar uma guerra, tem
que criar alternativas. Porque, pelo andar das coisas, estão obrigando a uma guerra.
Você pode ir à guerra por convicção ou por não ter mais remédio além disso.
Ninguém vai se render para simplesmente ser encarcerado.
A dificuldade é conseguir ver essa realidade a fundo ante essa nuvem de
declarações que oculta o essencial, que é o tema da guerra. Nesta área da
América, sabe-se quando uma guerra começa, mas não quando termina.
que
é preciso dar opções a Maduro, porque, para ele, presidente venezuelano não vai
simplesmente se render 'para ser preso'
BBC
- Há quem diga, entre a oposição na Venezuela, que faz tempo que há uma guerra
no país: tem repressão, presos políticos, tortura...
José
Mujica - Há uma guerra sem tiros. Mas não é esse o pano de fundo do assunto.
Porque presos políticos, violações de direitos humanos, falta de garantias
jurídicas existem em vários países pelo mundo. Os Estados Unidos hoje negociam
com os talibãs. Temos a Arábia Saudita, etc., etc. Se vamos romper relações a
julgar por essas questões, pobre mundo. Temos que romper com meia humanidade.
Não é isso o essencial. Que piada! Os Estados Unidos aceitaram por quase
um século a realidade em Cuba. Mas não aceitam a realidade da Venezuela. Por
quê? Para mim, é mais uma evidência que salta aos olhos. Mas a realidade é a
realidade. Essa vontade política existe e vão levá-la às últimas consequências.
Portanto, é preciso pensar numa alternativa capaz de garantir, pelo menos, a
paz.
BBC
- O senhor tem se mostrado disposto a oferecer uma espécie de mediação. Tem
falado concretamente sobre isso com alguém?
José
Mujica - Não falei com ninguém. Nada disso é legítimo do ponto de vista legal,
porque existe um intervencionismo brutal. Não me lembro de governos que tenham
se autoproclamado. Mas me parece que a discussão jurídica não é o mais
relevante aqui. A grande potência está disposta a intervir. A Venezuela pode se
tornar marco de uma luta geopolítica. O (que poderia permitir menor impacto)
são eleições com garantias para que subsistam todas as correntes políticas e o
diálogo.
BBC
- Mas as eleições também podem gerar polarização se ninguém estiver disposto a
ceder. Seriam eleições entre Maduro e Guaidó? Ou outros candidatos?
prometeu
convocar eleições gerais se conseguir tirar Maduro do poder
José
Mujica - Não, todas as correntes políticas. Nisso que se chama de oposição,
existem várias vertentes. Inclusive, tem um chavismo opositor. Todos têm que se
expressar. E terão que ser formadas coalizões. Mas é um jogo de democracia mais
ou menos liberal que permita fugir ao perigo dos tiros.
Naturalmente, é possível que surja um governo opositor ao que tem sido a
política de Maduro e todo o resto. Não tenho dúvida disso. Mas é melhor que
isso tenha um respaldo eleitoral e que haja um jogo democrático.
BBC
- O senhor fala em regime de Maduro. Então, para o senhor trata-se de uma
ditadura?
José
Mujica - Não vou entrar nessa questão, porque se quero negociar, não posso
insultar. Tenho que reconhecer a realidade. Também não vou insultar o senhor
presidente autoproclamado. Para encontrar uma saída, é preciso ter a delicadeza
necessária.
Entendo perfeitamente, por exemplo, a atitude do México (o governo
mexicano declarou apoio a Maduro). O México vai enxergar o mundo através dos
cristais de sua história. O México nunca avalizou qualquer tipo de
intervencionismo. Perdeu metade do território e 12 mil soldados aos Estados
Unidos, e essas coisas estão latentes na cultura do país. Pode ser que algumas
pessoas não compreendam, não sabem o que é uma guerra.
BBC
- Ao mesmo tempo em que a crise na Venezuela se aprofundou, vários governos de
esquerda na América Latina perderam voto popular. Há uma conexão? O que
acontece na Venezuela prejudica a esquerda latino-americana?
José
Mujica - Sim, claro que sim. Há uma velha confusão entre socializar e estatizar
que desemboca na burocracia, uma doença humana que fez até Roma padecer. E
existe uma parcela da esquerda latino-americana e mundial que não aprende as
lições da história. rcela
da esquerda latino-americana e mundial que não aprende as lições da história',
Isso não significa que seja preciso abandonar a bandeira da luta pela
redução da desigualdade. O crescimento substancial joga a favor da economia
transnacional e do mundo financeiro, e as classes médias estão congeladas e em
perigo no mundo todo. A luta pela igualdade se justifica mais que nunca. Não
pela igualdade absoluta, mas para reduzir os abismos.
Eu não acredito que o México tenha despertado de repente e retornado à
esquerda. No México, houve um voto de protesto ao que havia na política. As
pessoas estão votando contra o que há, porque existe uma insatisfação enorme
nas classes médias. Isso está complicando tudo.
BBC
- Um ex-chanceler do México afirmou que o Uruguai está prisioneiro dos negócios
que fez com a Venezuela e que o secretário-geral da Organização dos Estados
Americanos, Luis Almagro, urgiu que o Uruguai esclareça esses negócios...
José
Mujica - Essa é uma infâmia a mais que se diz, porque eventualmente essas coisas
ventilaram na Justiça e houve uma decisão da Justiça. Se questionam a Justiça
uruguaia, que falem com a Justiça uruguaia.
O Uruguai assumiu uma posição que não é nem de apoio nem de condenação.
O Uruguai está assustado com a possibilidade de uma guerra.
O Uruguai é um país insignificante. Tem 3 milhões de habitantes. Mas
amanhã vai receber representantes de diversos governos, porque essa preocupação
existe. A causa da paz está acima de qualquer outra causa.
Publicado em 07.02.2019
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