Em 17 de janeiro de 2019
Outras Palavras
Por Maíra Mathias
O
risco do “vale-saúde”
Proposta de Paulo Guedes devastaria SUS,
promoveria privatização maciça e desestruturaria atendimento à população. Leia
também: desigualdade racial na Saúde; o cardiologista que teria abusado; 50
anos de polêmica sobre a morte
O RISCO DO VOUCHER
Reportagem da Folha entrevistou especialistas
que criticam a ideia do ministro da economia Paulo Guedes de criar um
voucher para saúde. Nos países onde essa política funciona – todos sem sistemas
públicos organizados – o Estado entrega um vale para o cidadão, que vai buscar
no mercado consultas. Não há detalhes de como isso funcionaria no Brasil. Se
sair do papel, é o fim do SUS. Guedes é defensor ferrenho da privatização e não
é descabido pensar que junto com o voucher, viria a venda de hospitais e
outros serviços próprios, nota a matéria.
De acordo com uma revisão de artigos que
estudaram países com o voucher (como Bangladesh, Índia, Moçambique, Nigéria,
Senegal, etc.), o instrumento imprime irracionalidade na utilização dos
serviços. Isso porque com um sistema público, a lógica da organização em rede
preconiza que as pessoas tenham seu primeiro atendimento na atenção básica e,
dali, sejam encaminhadas para especialistas, por exemplo. Nessa comparação, de
posse do vale, a população seria estimulada a ir diretamente para o
especialista (assim como acontece com quem tem plano de saúde no Brasil, lógica
que algumas empresas, agora, tentam mudar com a introdução de médicos e
enfermeiros de família). Isso tornaria o sistema de saúde mais caro e menos
eficiente.
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“Não é como pegar uma bolsa família e ir ao supermercado
comprar mantimentos. Se o cidadão não estiver orientado pela atenção básica,
ele provavelmente terá um consumo ineficiente e ineficaz do serviço”, explicou
Walter Cintra, coordenador do curso de gestão de saúde da FGV, à Folha. “A
saúde exige uma rede estrutura, hierarquizada, com um caminho lógico. Não pode
ser caótico assim. A pessoa sai de casa e vai direto para um cirurgião
torácico, como quem vai comprar um sapato”, diz por sua vez Gustavo Gusso,
diretor da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade. O
Ministério da Saúde afirma desconhecer a proposta de Paulo Guedes.
POLÍTICA IGNORADA
Doze anos depois de ser lançada,
a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra só foi colocada em
prática em 57 dos 5.570 municípios brasileiros. A constatação foi feita por
pesquisadores da USP e da secretaria estadual de saúde de São Paulo, que
entrevistaram gestores e membros de movimentos sociais de todo o país. Na
avaliação deles, os gestores não aderiram porque acreditam que o mesmo serviço
deve ser oferecido para todos. “O problema é que nem todo mundo parte das
mesmas condições. Ao oferecer o mesmo para todos, você corre o risco de
aprofundar desigualdades”, pondera Luiz Eduardo Batista, um dos autores do
estudo, em entrevista ao Globo.
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