Ex-ministro diz ver o presidente do Estados Unidos, Donald Trump, como fator de desequilíbrio na disputa do Brasil ano que vem
Por Jeniffer Gularte - O GLOBO
— Brasília 19/09/2025
José
Dirceu, ex-ministro da Casa Civil no primeiro mandato de Lula — Foto: Cristiano
Mariz
Ex-ministro da Casa Civil no
primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, José
Dirceu avalia como cálculo eleitoral o apoio do Centrão ao projeto
de anistia em discussão na Câmara. A conta, segundo ele, leva em consideração a
aprovação de um projeto que mantenha o ex-presidente Jair
Bolsonaro inelegível, mas possa convencer a base bolsonarista a
apoiar o nome do governador de São Paulo, Tarcísio
de Freitas, como candidato ao Palácio do Planalto em 2026.
Em entrevista ao GLOBO,
Dirceu evita comparações da anistia em discussão hoje no Congresso com o
indulto concedido a ele pela ex-presidente Dilma Rousseff, em 2016, após ter
sido condenado no Mensalão.
— Eu cumpri minha pena. Eles
não querem cumprir a pena — disse.
Ele também diz ver o
presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, como fator de desequilíbrio na
disputa do ano que vem. Não pelo seu apoio a algum candidato, mas pela rejeição
às suas interferências no Brasil.
· O senhor avalia que o governo errou na estratégia nesta semana ao não conseguir barrar a urgência da anistia e irritar o Centrão com votos contra a PEC da Blindagem na Câmara?
Não acredito. A direita, sem
o bolsonarismo, tem maioria na Câmara e no Senado. Portanto, ela pode aprovar
medidas que considere seu interesse. Com a anistia, querem resolver o problema
de 2026, porque eles estão sem uma definição. Ao se colocar antes (como
candidato), o Tarcísio de Freitas (governador de São Paulo) abriu um confronto
com a família Bolsonaro e com a base bolsonarista. O Tarcísio não é líder, não
tem voto. A base bolsonarista que dá voto para ele. Eles querem dar anistia
para o Bolsonaro continuar inelegível e Tarcísio ser o candidato deles. Para
ter o voto bolsonarista. E a questão da autoproteção é por causa das emendas
impositivas, dos inquéritos da Polícia Federal e as ações do Supremo Tribunal
Federal, através do ministro Flavio Dino. Isso leva a conclusão que precisamos
de uma reforma política no Brasil.
Lula
indicou apoio a um texto alternativo, que reduza penas. Como será possível
explicar o apoio do governo a um projeto que pode beneficiar condenados do 8 de
janeiro e até Bolsonaro?
É uma operação inusitada e
quase surrealista. Se houver uma maioria que não queira dar anistia ampla,
geral e irrestrita, é porque não querem o Bolsonaro. Porque no fundo é isso, é
o cinismo. É grande a hipocrisia em tudo isso. Eles não querem o Bolsonaro,
porque a pesquisa está mostrando, a sociedade não quer mais Bolsonaro.
O
que diferencia o indulto que o senhor recebeu no governo Dilma das penas no
mensalão da anistia discutida agora na Câmara?
Eu cumpri a pena. Essa é a
grande diferença. Para você receber indulto, você tem que ter cumprido a lei. E
mais, no meu caso, houve uma ilegalidade por ter sido mantido o regime fechado
por sete meses e 15 dias. Estava condenado ao regime semiaberto. Eu cumpri o
fechado, o semiaberto e o aberto. Eu teria que ter sido indultado em março de
2016, mas só fui em novembro. Estava pendente de uma decisão se era réu
primário ou não. Como era primário, fui indultado. Também cumpri a pena na
Lava-Jato, apesar de ela ter sido anulada. Foram 40 meses de regime fechado, um
ano de tornozeleira sem sair de casa. De 2013 a 2019, fiquei só um ano em
liberdade. Eu cumpri minha pena. Eles não querem cumprir a pena. Querem
assaltar o poder do país, destruir a sede do poder Executivo, Legislativo e
Judiciário, fazer um plano para assassinar o presidente, o vice e o ministro do
Supremo, e querem ficar impunes.
A
aprovação da urgência do projeto de anistia dificulta a relação do governo com
o Congresso?
O que pode piorar a relação
do governo com Congresso? Rejeitar o projeto de Imposto de Renda? Vale-gás?
Rejeitar a conta de luz mais baratas? Nunca tive ilusões em relação a maioria
do governo na Câmara e no Senado. Nós estamos no governo, é eles quem tem que
nos derrotar. E nós temos grande parte do MDB, uma parte importante do PSD.
Então, está feita a nossa aliança. 2026 será uma eleição como a de 2022.
Ninguém pode dizer que vai ganhar, mas a tendência pelas pesquisas é o Lula ser
reeleito. A intervenção do Trump no Brasil vai cada vez mais ter peso na
eleição, porque eles vão intervir na eleição. Eles estão fazendo isso na
Europa.
Como
o senhor acredita que os EUA irão interferir nas eleições do Brasil?
Eles não têm como intervir no
processo eleitoral em si, eles podem intervir com medidas. Não tem cálculo
político no que o Trump faz, porque se não ele não teria feito o que fez no
Canadá, que deu a vitória para os liberais contra os conservadores. Já aconteceu
em outros países também da Europa. O candidato se alinha com Trump, perde a
eleição. Eles apoiam os candidatos abertamente.
Lula
declarou apoio a Kamala Harris contra Trump nas eleições do EUA. O senhor
avalia que foi um erro?
Não tem irritação do Trump
com o governo brasileiro. O Trump quer proteger o bolsonarismo e a direita
brasileira. Ele quer impor seus interesses sobre os nossos nacionais, quer
intervir na vida interna brasileira, quer dizer como nós devemos governar o
Brasil. Se Lula deu declarações, não muda nada.
Como
o senhor vê a atuação de Eduardo Bolsonaro no EUA?
Ele teria que ser cassado.
Ele está impune e é um escândalo que ele não tenha sido cassado já. Se você
permite que um cidadão brasileiro vá servir a um outro país, contra o seu país,
e naturaliza isso, legaliza isso, o que pode acontecer amanhã? É muito grave.
A
pauta do governo parou de andar na Câmara. O senhor avalia que o governo errou
ao apoiar a eleição de Hugo Motta?
Não, quem governa a Câmara
hoje é o colégio de líderes. Isso não diminui o papel do Motta, mas é a
realidade.
A
proposta de isenção do IR para quem recebe até R$ 5 mil, principal aposta do
governo, segue sem ser votada. O senhor acredita em boicote para não favorecer
Lula eleitoralmente?
Não vejo assim. Acho que é
mais disputa política mesmo, faz parte. Agora, o ônus é muito grande para eles
não aprovarem essas medidas. Eles estão subestimando o eleitorado. O Brasil é
uma democracia de 130 milhões de eleitores. E há uma juventude que está chegando,
completamente diferente, na era das redes. Essa PEC da Blindagem vai custar
caro para eles. Nós temos que fazer uma campanha eleitoral para mudar o
Congresso.
O
senhor acredita que será possível Lula repetir a frente ampla em 2026?
Quando falávamos em frente
ampla, é uma frente na sociedade, que o (Geraldo) Alckmin representou. Nenhum
desses partidos (do Centrão) veio apoiar o Lula em 2022. O Lula foi eleito sem
apoio desses partidos.
Lula
enfrentou um primeiro semestre de 2023 repleto de crises. A popularidade
começou a melhorar, mas pesquisa Quaest divulgada nesta semana mostra que
desaprovação segue em 51%. Onde o governo está errando?
A questão do IOF foi a
virada. Eles querem esconder que existe isenção de impostos para 1% da
população brasileira, se o conjunto da sociedade toma consciência disso, eles
estão perdidos, eles vão ser taxados. Pesa muito imposto para o trabalhador,
imposto e juros.
Mas
o que explica 51% de desaprovação?
Grande parte é desaprovação
política. É o eleitorado conservador de direita anti-Lula, anti-PT. Porque de
qualquer maneira, se você tem 46% de aprovação, não é um desastre. E quando
você vai para as pesquisas eleitorais, você tá sempre bem, tem alguma coisa que
não bate aí.
O
senhor foi ministro da Casa Civil no primeiro mandato de Lula, um nome muito
próximo a ele. Quando foi a última vez que conversaram?
Quando necessário, quando ele
me convoca. O Lula não tem que me ouvir. O governo é organizado. Tem quem faça
isso para ele. Quando ele precisa, ele me procura. Agora, estou na direção do
PT, tenho o Edinho, que conversa com ele diariamente.
O
senhor mantém o plano de se candidatar em 2026?
Estou terminando meu livro de
memórias. Minha tarefa no PT está cumprida, Edinho (Silva) foi eleito. Vou me
concentrar em preparar a minha candidatura para deputado do ano que vem.
Se
voltar a política com mandato ou cargo público, qual equívoco do passado que o
levou as condenações não cometeria novamente?
No mensalão, eu não tive
participação nenhuma. Talvez eu deveria ter me preocupado mais com o PT. Como
eu tinha saído (para entrar no governo), tinha outro presidente, outra direção.
Como é que eu ia estar dentro do governo e ficar preocupado com o PT? No caso
da Lava-Jato, meu erro foi ser consultor. Eu não precisava, eu podia ser
advogado só. A consultoria abre um leque para levantarem suspeições.
O
senhor aceitaria um novo convite de Lula para compor o governo?
O presidente não vai me
convidar. Meu papel e minha tarefa já estão decididos, nós conversamos, é ser
deputado federal, ajudar ele na Câmara. Lula me liga e não precisa falar nada,
é por telepatia.
PP e
União Brasil anunciaram desembarque do governo, mas ministros Celso Sabino e
André Fufuca sinalizam que vão ficar. Vale a pena mantê-los no governo sem
apoio dos partidos?
Mas eles vão sair mesmo? Eles
vão devolver a Caixa Econômica Federal para o governo e os ministérios? Eles
não têm essa unidade entre eles. Fufuca e Sabino vão se eleger senador sem
apoio do Lula?
Os
índices mais recentes indicam que o crescimento econômico está desacelerando. O
senhor é a favor da agenda do ministro Fernando Haddad?
Não acredito que a economia
vai desacelerar a ponto de prejudicar a campanha eleitoral. Acredito que o
Banco Central está completamente fora da realidade. Totalmente, tinha que
reduzir o juro. Não tem nenhuma razão para esse juro de 15%. Nenhuma. Ainda
mais agora que o Fed reduziu e vai reduzir de novo. Não consigo entender.
Houve
equívoco de Lula na indicação de Gabriel Galípolo para a presidência do BC?
Não é questão de Gabriel
Galípolo, não é pessoal. Há razões objetivas para o juro cair. Nenhum país no
mundo sobrevive pagando 10% de juros real sobre a dívida pública. Ninguém paga
2% de juros no mundo todo. Nós pagamos 10%.
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