Jurista Gisele Cittadino afirma que, no plano jurídico, golpe vitorioso anula a legalidade e transforma a ruptura em novo regime normativo
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| (Foto: Divulgação) |
Por Dafne Ashton
247 - Em entrevista ao
programa Boa Noite 247, a jurista Gisele Cittadino fez uma análise
aprofundada das alegações finais apresentadas pela Procuradoria-Geral da República
(PGR) contra Jair Bolsonaro e seus aliados, no processo que trata da tentativa
de golpe de Estado e da abolição do Estado Democrático de Direito. Para ela, um
dos aspectos mais relevantes do documento elaborado pelo procurador-geral da
República, Paulo Gonet, é a afirmação de que o crime de golpe de Estado, sob a
ótica penal, só se configura enquanto tentativa.
“Golpe de Estado do ponto de vista
penal só existe a tentativa. Não existe o golpe de Estado consumado”, afirmou
Cittadino. Segundo ela, uma vez consolidado, o golpe rompe a institucionalidade
vigente e impõe um novo marco normativo: “Acabam os tribunais, acaba o direito
penal, acaba o direito civil, acaba tudo. Os golpistas vão erguer uma nova
normatividade”.
A jurista destacou que esse entendimento
está presente no parecer da PGR, que reconhece o encadeamento de eventos como
parte de um mesmo processo de tentativa golpista: “Todos os fatos e todas as
situações vão sendo costurados uns nos outros. A reunião com os embaixadores, o
uso da PRF, o discurso pronto para cadeia nacional após o golpe — tudo isso são
capítulos de um mesmo livro”.
Ela reforçou a ideia de que o golpe
precisa ser compreendido como um processo: “A tentativa de desacreditar o
sistema eleitoral é um elo de uma cadeia. O plano do punhal verde e amarelo, o
uso da Abin, as mensagens interceptadas, tudo compõe a tentativa de golpe”.
Cittadino também ressaltou que a PGR
buscou blindar juridicamente a peça contra os principais argumentos de defesa.
Segundo ela, Paulo Gonet baseou a acusação em documentos materiais —
manuscritos, arquivos digitais, planilhas e mensagens eletrônicas — e não na
delação premiada de Mauro Cid, que foi tratada apenas como um complemento
subsidiado por provas reais: “Toda a alegação final da acusação não se baseia
na delação do Mauro Cid. Ela se baseia somente na parte sustentada por provas
consistentes”.
A jurista apontou ainda que Gonet, ao
reconhecer as contradições de Mauro Cid em sua colaboração com a Justiça,
antecipou-se a um provável questionamento da defesa. “Como Gonet sabe que esse
é o grande argumento da defesa, ele já disse aquilo que os advogados vão
dizer”, afirmou.
Outro aspecto mencionado por
Cittadino foi o uso, pela PGR, de declarações públicas do próprio Bolsonaro
como indício de autoincriminação. Ela citou entrevista concedida pelo
ex-presidente ao UOL, após depor ao Supremo Tribunal Federal, em que ele teria
admitido de forma velada a tentativa de golpe: “É como se ele dissesse: ‘Eu
tentei mesmo dar o golpe, só que percebi que não ia funcionar porque não havia
apoio militar suficiente’”.
Por fim, ao ser questionada sobre a
possibilidade de prisão preventiva de Jair Bolsonaro, diante da articulação
internacional de sua família — especialmente com o ex-presidente dos EUA,
Donald Trump — e da acusação de obstrução de Justiça, Cittadino foi enfática:
“Ainda que tecnicamente isso possa ser cabível, eu sou absolutamente contra a
decretação de qualquer preventiva nesse momento”.
Ela argumentou que a antecipação da prisão poderia
oferecer à extrema direita uma narrativa de perseguição política: “Prendê-lo
agora seria dar munição à tese de que o Judiciário está associado ao governo ou
a partidos políticos”. Cittadino acrescentou que é necessário respeitar o rito
processual: “As defesas ainda não apresentaram suas alegações finais. Essas
pessoas têm o direito de procurar nos autos algo que possa favorecê-las”.
Assista:

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