"A síntese do presidente do STM de que a esquerda brasileira não é comunista abre, portanto, uma janela de oportunidade para debate", diz César Fonseca
27 de março de 2024
Presidente Luiz Inácio Lula da Silva e militares
(Foto: Ricardo Stuckert | ABR)
No calor do tema sobre se deve ou não debater o golpe de 1964, declaração do presidente do Superior Tribunal Militar (STM), ministro Francisco Joseli Parente Camelo, à TV Bandeirante, de que a esquerda brasileira não é comunista, levanta a possibilidade de discussão que favorece o fortalecimento da democracia.
A partir desse entendimento da alta cúpula jurídico-militar, abre-se ou não espaço para negociar pacto político cívico-militar quanto à conclusão do ministro de que a esquerda quer, na verdade, é o bem do Brasil, a justiça social e não o confronto ideológico?
Se a esquerda é a encarnação do desejo nacional por
uma sociedade justa e equitativa para promover desenvolvimento com distribuição
da renda nacional, a reflexão do ministro do STM, ao contrário das acusações da
direita e ultradireita bolsonarista, visa o entendimento e não o
desentendimento entre esquerda e militares, que racham, histórica e
institucionalmente, o país há quase 90 anos, desde a Intentona Comunista de
1935, na Era Vargas
Estaria ou não aberta oportunidade de criação de um
Partido da Justiça Social (PJS), no Brasil, como instrumento da esquerda
nacional, para negociar pacto político cívico-militar, capaz de produzir
reformas necessárias à consolidação da democracia brasileira?
Que a esquerda brasileira não é comunista, que
talvez nunca tenha sido, demonstram inúmeros testemunhos.
O substrato epistemológico que sustenta tal
conclusão do ministro é o de que, essencialmente, a esquerda deseja que haja,
tão somente, justiça social para que a sociedade brasileira seja feliz e
próspera.
Desse modo, a sugestão do presidente do STM parece
ser favorável que a esquerda se represente como um bloco político unido como
Partido da Justiça Social (PJS), para materializar sua essência democrática.
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Seria ou não conjugação de forças progressistas que
defendem, historicamente, programa econômico promotor de distribuição de renda,
da reforma agrária, da reforma administrativa, da reforma financeira etc., que
levem ao capitalismo produtivo de viés social, como deseja o presidente Lula?
Os militares, se o ministro Joseli estiver falando
por eles, representariam o oposto do que está em vigor no Brasil: o
neoliberalismo, modelo fiscal e monetário ortodoxo, que aprofunda a miséria e a
divisão social, capaz de produzir perigo constante de guerra civil no país, ou
seja, o perigo do próprio comunismo.
Pintaria parceria política cívico-militar para
romper com o neoliberalismo, condenado pelo sociólogo Emir Sader, como maior
obstáculo ao desenvolvimento nacional?
Nesse sentido, o pensamento político militar do
ministro Joseli conjuga com o de Lula, que busca construir o Brasil com tais
pressupostos políticos, econômicos e sociais.
Trata-se da tarefa essencial de vencer o
subdesenvolvimento e o subconsumismo, que não deixam o país prosperar, mediante
justiça social para todos, no plano democrático, sem radicalismos ideológicos.
IDEOLOGIA
ULTRAPASSADA - O titular do STM
deixa claro que o comunismo é algo já ultrapassado e não está, nunca esteve,
nas cogitações do presidente Lula, cuja base ideológica é o sindicalismo,
instrumento que se desenvolve sob o capitalismo, implicando não em supressão,
mas em preservação da propriedade privada.
Lula, portanto, no entender do ministro do STF, não
tem nada a ver com as acusações que o ex-presidente Jair Bolsonaro faz contra
ele, de ser comunista, contra propriedade privada, religião e família.
O próprio Partido Comunista Brasileiro, o histórico
Partidão, cruelmente, perseguido pelos militares no pós-golpe de 1964, houve
por bem renunciar ao comunismo, para buscar conciliação com eles, como explica,
didaticamente, o jornalista e escritor, Eumano Silva, no livro “LONGA JORNADA
ATÉ DEMOCRACIA – Os 100 anos do Partidão – 1922/2022”.
No famoso 6º Congresso de 1967, o PCB deu uma
guinada ao centro político, buscando conciliar-se com as tropas, para reverter
o quadro político adverso à esquerda, de modo a acelerar a volta à estabilidade
democrática perdida no violento golpe da caserna, apoiada pelos Estados Unidos
em 1964.
REAÇÃO TARDIA
- O PCB entendeu,
tardiamente, que a via ultrarradical da esquerda revolucionária aprofundaria a
divisão-polarização-radicalização nacional.
Não possuíam os esquerdistas em seu conjunto a
correlação de forças para levar adiante a proposição capitalista de Jango,
derrubado em 1964, de promover as reformas de base, que anunciou no mais
importante discurso político da história do Brasil em 13 de março de 1964.
O PC fez revisão de sua participação, naquele
momento histórico, reconhecendo que a radicalização da esquerda – no auge da
guerra fria EUA-União Soviética –, que influenciou o discurso de 13 de março,
produziu o seu contra polo: a radicalização da direita fascista, apoiada por
Washington.
Na prática, o Partido Comunista, no seu 6º
Congresso, fez, também, revisão do seu erro de ter empunhado armas contra
Getúlio Vargas, na Intentona Comunista de 1935, liderada por Luiz Carlos
Prestes, orientado por Stalin/Moscou, dando tiro no pé, por brigar contra
governo nacionalista.
Trotsky, perseguido por Stalin, orientador de
Prestes, criticou, no México, como exilado do nacionalista Cardenas, o PCB por
não entender que o inimigo do comunismo não era Getúlio, mas o imperialismo
inglês.
Vargas, logo depois da revolução de 1930, havia
feito reforma monetária e fiscal, seguida de moratória da dívida pública, e
constatou a exploração financeira inglesa sobre a economia brasileira, ao longo
de todo século 19.
Tal exploração se apresentou mais intensamente na República
Velha, cujas consequências foram o nascimento do próprio Partido Comunista, em
1922, e a Revolução de 1930, liderada por Getúlio/Tenentes.
Saneadas as finanças nacionais, o varguismo
promoveu crescimento econômico social sustentável que fez PIB avançar média de
7% ao ano até 1945.
O imperialismo americano, que, no pós-guerra,
derrubou o imperialismo inglês, viu no getulismo uma ameaça, mas o trabalhista
anticomunista Getúlio negociou com Roosevelt a industrialização brasileira em
troca da permissão das tropas militares americanas no território nacional,
aliando-se, portanto, não à Alemanha nazista, mas aos Estados Unidos
democrata.
PCB JOGOU CONTRA
TRABALHISMO - O fato é que os
erros históricos do PCB trabalharam contra a esquerda nos pós-1964, mesmo com
os comunistas fazendo revisão histórica dos seus equívocos, o que não os
livrou, durante a ditadura 1964-1984, de cruel perseguição.
Em outra circunstância histórica, comparada ao
período getulista, de 1930 a 1945, o trabalhista histórico, Jango Goulart,
aliado de Getúlio, acabaria sofrendo as consequências políticas de sua
aproximação demasiada com o PCB, em 1964.
O PCB incendiou o antiamericanismo quando
Washington radicalizava contra a União Soviética que havia apoiado a revolução
cubana e o líder Fidel Castro, cuja influência em toda a América Latina era,
naquele momento, irresistível.
As reformas janguistas, por isso, foram taxadas de
comunistas, quando, na verdade, eram capitalistas.
Todo capitalismo desenvolvido, historicamente,
realizou reforma agrária como pressuposto estratégico do desenvolvimento
capitalista, da formação do mercado interno, capaz de consumir mercadorias
produzidas no modelo de desenvolvimento burguês.
Jango, nacionalista, consciente da sua origem
agrária, latifundiária, era, politicamente, avançado, na linha de Getúlio e
Brizola, e jamais empreendeu o comunismo do PCB, mas o nacionalismo trabalhista
desenvolvimentista varguista.
Em vez de destruir a propriedade privada, reajustou
em 100% o valor do salário-mínimo, para os trabalhadores possuírem suficiente
poder de compra para consumir mercadorias capitalistas, enriquecendo os
empresários.
As reformas de base de Jango eram complemento
necessário do desenvolvimento nacionalista social-democrata getulista, seguido,
depois, pelo capitalismo juscelinista, empenhado em fazer no Brasil o que na
China Deng Siao Ping faria, posteriormente, atraindo empresas internacionais
para tocar desenvolvimento nacional.
DIVISÃO
DOS MILITARES PÓS-64 - Mesmo os militares, que se dividiam entre nacionalistas
e americanistas, seguiram a linha de Getúlio, como fez Geisel, alavancando,
durante ditadura, empresas estatais, iniciada no tempo de Vargas, como
Petrobrás e Eletrobrás, para alcançar o desenvolvimento econômico soberanamente
sustentável.
Geisel não tinha nada de esquerda, mas foi
“derrubado” pelos americanos porque ousou realizar acordo militar e nuclear com
os alemães, contrariando, frontalmente, Washington.
A história, portanto, demonstra que a herança de
Getúlio calou fundo nos militares nacionalistas geiselistas que confrontaram
Washington, assim como fizera Jango, antes do golpe, construído para derrubar o
nacionalismo getulista que ele, politicamente, encarnava.
O que agora conclui o presidente do Superior
Tribunal Militar, ministro Francisco Joseli, na entrevista à TV Bandeirante,
nessa terça feira, é o óbvio ululante: a esquerda brasileira não é comunista,
pois o próprio Partido Comunista se afastaria do comunismo depois de 1964, para
buscar uma conciliação com os quarteis, tentando fugir do fantasma da Intentona
de 1935.
CONCILIAÇÃO LULISTA
COM MILITARES - Talvez as palavras
do presidente do STM expliquem por que o presidente Lula, nesse momento, busca
conciliação com os militares, enquanto racha a esquerda, na véspera de mais um
aniversário do golpe de 1964, deixando irritadas famílias que perderam seus
entes queridos nas profundezas da crueldade militar fascista.
Lula, com seu gesto, corre de confronto com os
fardados, já que, nesse momento, sofre as duras consequências do golpe de 8 de
janeiro de 2023, comandado pelo ex-presidente fascista Jair Bolsonaro, apoiado
por parte das forças armadas, que insiste no fracassado mote comunista para
detonar a esquerda.
A síntese do presidente do STM de que a esquerda
brasileira não é comunista abre, portanto, uma janela de oportunidade para
debate.
A esquerda e os militares, frente à fala do
ministro Joseli, têm ou não campo aberto para conciliação, não explicitamente
defendida por Lula, mas por ele induzida, com cautela política?
A cabeça política lulista, dessa forma, renunciando
à polêmica, que, no seu entender, levantaria debate sobre 1964, encabeçado pelo
governo, tenta detonar status quo político que produziu o fascismo
bolsonarista.
O titular do Planalto contorna, politicamente, a
polarização política que racha o país ao meio, em meio ao neoliberalismo que
não deixa o país crescer, graças ao fantasma do comunismo, alimentado pelos
fanáticos, que não existe mais, só na cabeça de doido, como o ex-presidente
Messias Bolsonaro.
Chegou ou não a hora da esquerda fugir da sua
divisão política intrínseca para uma composição extrínseca, em torno do sonho
que ela alimenta, conforme racionalização do ministro Joseli, do STF, de
construir a justiça social no Brasil?
Um Partido da Justiça Social(PJS) seria ou não decisivo para alcançar
esse objetivo?
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