Atos Golpistas de 8 de janeiro de 2023 (Foto: Joedson Alves/Agência Brasil) |
De intervenção à jogo de força, passando por interesses econômicos
7 de janeiro de 2024
Agência Brasil - A Comissão
Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) que investigou os ataques
antidemocráticos de 8 de janeiro aprovou em outubro de 2023 o relatório final
da senadora Eliziane Gama (PSD-MA). O documento pediu o indiciamento de 61
pessoas por crimes como associação criminosa, violência política, abolição do
Estado Democrático de Direito e golpe de Estado. Entre elas, o ex-presidente
Jair Bolsonaro e ex-ministros como Walter Braga Neto, da Defesa, Augusto
Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), e Anderson Torres, da
Justiça.
Para a senadora
Eliziane Gama, o ex-presidente Jair Messias Bolsonaro, “foi autor intelectual e
moral” dos ataques perpetrados contra as instituições que culminaram no dia da
intentona da extrema direita. Conforme a parlamentar apresenta nas conclusões do
relatório da CPMI, o ex-mandatário “usou seus seguidores” para tentar “escapar
aos próprios crimes”.
A intenção de
Bolsonaro seria estimular “uma insurreição que deixasse os poderes constituídos
de joelhos; uma rebelião que enfraquecesse o governo que apenas começava e que
espalhasse o caos; um processo anárquico que disseminasse o medo e que
inspirasse, aos setores mais moderados da sociedade, o desejo de
contemporização. Seria este o caminho da anistia e da reabilitação popular: produzir
a desordem, para vender a conciliação, ao preço dos indultos e das graças
constitucionais.”
Gama avalia, no
texto aprovado pela comissão, que do ponto de vista dos terroristas “a invasão
e a depredação dos prédios públicos seriam apenas o estopim. A anarquia se
espalharia. O Brasil se contagiaria. A República cairia”.
Avaliações de
acadêmicos e pesquisadores de diferentes formações ouvidos pela Agência Brasil
apontam nuances às razões descritas pela CPMI para o conluio e o ataque contra
a democracia.
Para Tales
Ab´Sáber, psicólogo, escritor, cineasta e professor de filosofia da psicanálise
no curso de Filosofia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), o 8 de
janeiro “foi uma insurgência de extrema direita que contava com conexão mágica
e imaginária com as Forças Armadas, que viriam salvar o Brasil".
Segundo ele, o
Exército mantém um “comportamento ambíguo” em relação aos apelos
antidemocráticos e é visto por parte da sociedade como “uma força que pode
intervir no caos brasileiro.”
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Os apelos
autoritários têm lastro histórico e estão registrados nas manifestações nas
redes sociais de 2015 e 2016, antes do impeachment de Dilma Rousseff, quando
“essa extrema direita estava radicalizando na internet e já propunha a queda de
Brasília e intervenção do Exército".
As manifestações
golpistas nas redes sociais são parte do material recolhido para a produção do
documentário “Intervenção - Amor não quer dizer grande coisa”, dirigido por
Ab’Saber, Rubens Rewald e Gustavo Aranda. O filme disponível na internet foi
exibido na mostra paralela da 50ª edição Festival de Brasília do Cinema
Brasileiro (2017).
Golpe de vista
O antropólogo Piero
Leirner, professor titular da Universidade Federal de São Carlos e estudioso de
questões militares, guerra e Estado, considera que além do autoritarismo de
parte da sociedade registrada em filme e das intenções do ex-presidente
apontadas na CPMI, havia mais interesses em jogo.
Segundo Leiner, os
militares forneceram água, luz, banheiro e segurança no acampamento dos
bolsonaristas diante do Quartel General do Exército em Brasília e “estavam
totalmente conscientes do que acontecia ali.” O professor lembra: “eles não
permitiram desmobilizar o acampamento”.
Na opinião do
especialista, os militares fizeram “um de golpe de vista” e, tendo como
“roteiro” o que havia acontecido no levante contra o Capitólio em Washington
(Estados Unidos) em 6 de janeiro de 2021, “produziram uma espécie de ilusão
golpista”.
A quimera da
insurreição foi funcional aos militares para “entrar no novo governo, numa
posição de vantagem” e manter sob seu controle áreas de interesse, como a
Secretaria de Segurança Institucional, a circulação nas fronteiras, portos e
aeroportos - como inclusive estabelece a missão de Garantia da
Lei e da Ordem (GLO), desde novembro de 2023, para os aeroportos e
portos do Rio de Janeiro e São Paulo.
Thiago Trindade,
professor adjunto e atual vice-diretor do Instituto de Ciência Política da
Universidade de Brasília, concorda com o diagnóstico de Piero Leirner quanto à
leniência com o acampamento ilegal diante do Quartel General de Brasília e
quanto ao posicionamento dos militares para defender interesses estratégicos.
O cientista
político, no entanto, pondera que há uma distinção fundamental entre o 6 de
janeiro em Washington (EUA) e o 8 de janeiro em Brasília. “A grande diferença é
justamente a participação dos militares no Brasil.”
Para Trindade, o
“evento” em nossa capital federal funcionou como “uma espécie de advertência.
Uma espécie de um aviso dizendo o seguinte, ‘olha as regras do jogo agora
mudaram’. Não é mais aquela disputa que estava colocado ali na lógica PT e
PSDB. A briga passou a ser com a extrema direita”.
Democracia
Colega de Thiago
Trindade no Instituto de Ciência Política da UnB, o professor Lucio Rennó
descreve que “o 8 de janeiro é o ponto mais alto de um processo continuado de
crise da democracia no Brasil. De mudança das expectativas da população sobre o
funcionamento do regime democrático”.
Rennó acredita que
a polarização é elemento do processo de crise com a democracia, com a qual se
constroem visões de mundo autoritárias que dificultam o diálogo e a convivência
entre antagonistas. “Existe um clima de que há pessoas certas na política e
pessoas erradas, e as pessoas [supostamente] erradas precisam ser combatidas.”
Esse seria o caso
do “núcleo duro do bolsonarismo que é a favor de golpe, da derrubada do regime
democrático”. Conforme o professor, “essa parcela é a que foi às ruas de forma
violenta no 8 de janeiro.”
Para o acadêmico
que observa o comportamento da opinião pública no Brasil desde 2018, o ex-presidente
Jair Bolsonaro soube aproveitar os sentimentos de frustração com a democracia e
propor “uma agenda também conservadora de costumes, liberal economicamente -
muito alinhada com movimentos de outras partes do mundo.”
A pauta liberal -
neoliberal ou ultraliberal segundo cientistas sociais e economistas - encampada
pela extrema direita no Brasil e outros países, mobiliza setores da opinião
pública e de atividade empresarial em favor de medidas de ajuste econômico.
Em alguns casos de
reforma econômica - aquelas que causam recessão, desemprego, diminuição de
renda e redução de direitos trabalhistas – pode haver polarização política
entre defensores das medidas e seus contestadores. Acirrado, o antagonismo
político leva à perda de garantias civis e individuais.
A polarização
política no Brasil, que culminou no 8 de janeiro, não resultou na interrupção
do regime democrático ou situação política que favorecesse a adoção de política
econômica recessiva com controle da oposição. Mas os setores econômicos que
repelem a fiscalização do trabalho, a proteção ambiental e os direitos de
minorias (como os indígenas) – além daqueles que atuaram por isenções
tributárias específicas - se beneficiaram durante o governo Bolsonaro.
A lembrança é do
economista André Roncaglia, professor Unifesp, que evita “fazer
generalizações”, porque os grupos econômicos no Brasil “são bastante
heterogêneos.” Ele afirma, todavia, que “é indiscutível que um endurecimento do
regime, um processo de autocratização do governo Bolsonaro beneficiaria alguns
grupos.”
“Quando o Estado
atua de maneira democrática, ou seja, com seus órgãos de fiscalização atuantes,
identificando as atividades que são contrárias à Constituição e contrárias à
legislação, é evidente que esses setores eles têm menos chance de prosperar”,
sentencia o economista.
Não há garantia
histórica de que os regimes democráticos são mais exitosos no crescimento
econômico e no desenvolvimento social. Roncaglia pondera que no caso do
Ocidente, “os países evidentemente que tem um desempenho [econômico] melhor, e
que conseguem sustentar um ritmo de desenvolvimento mais sustentável estão em
média associados a arranjos democráticos em que o povo, as pessoas, conseguem
expressar as suas vontades.”
Os empresários
financiadores, alguns que têm o nome listado no relatório da CPMI de 8 de
janeiro, devem ser punidos assim como os mentores, instigadores e executores do
atentado como conclui o documento. O texto aprovado da senadora Eliziane Gama
também traz recomendações de mudança na lei para “a correção das falhas de
Estado que permitiram que o 8 de janeiro ocorresse ou que dificultaram esta
investigação”.
Por fim, a relatora
assinala a necessidade de todos os brasileiros refletirem sobre a atuação da
extrema direita, a intentona bolsonarista e a necessidade de pôr fim do
golpismo contra a democracia. “É antes um convite para que a sociedade
brasileira, em cada um dos seus mais diversos segmentos, aprofunde o estudo das
causas que tornaram o 8 de janeiro possível, e que proponha as soluções para
que este ciclo seja encerrado”.
EM TEMPO: O golpe não ocorreu porque não existia apoio externo, isto é, nem dos EUA e nem tão pouco da comunidade europeia. O Bozo é tão ruim que nem a CIA não queria o mesmo no poder.
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