Jair Bolsonaro e operação do Ibama contra
garimpeiros (Foto: Reuters | Ibama/Divulgação)
Atitude de tolerância para com o desmatamento, danos ambientais e contrabando de ouro rendeu frutos a Bolsonaro, que teve apoio incondicional de garimpeiros. Por Denise Assis
No dia 24 de novembro de 2021, o país assistiu estarrecido a um desfile de mais de uma centena de balsas do garimpo ilegal, deslizando afrontosamente pelo Rio Madeira. Todas juntas, como num comboio rio acima, desafiavam os órgãos de fiscalização. Na época, o vice-presidente da República, Hamilton Mourão (Republicanos-RS), era o presidente do Conselho Nacional da Amazônia Legal. A PF e o Ibama mapearam 350 balsas usadas na extração ilegal de ouro, mas muitos conseguiram fugir antes da ação policial. O Ministério Público Federal (MPF) expediu uma recomendação, pedindo a adoção emergencial de ações para retirada de garimpeiros ilegais que se instalaram no rio Madeira, no Amazonas. A força-tarefa que atua na região destruiu mais de 100 balsas usadas na extração ilegal de ouro.
No dia 29 de novembro, uma segunda-feira, em
Brasília, o vice-presidente Hamilton Mourão, na condição de também presidente
do Conselho da Amazônia, disse que a operação não eliminou o problema: “O
garimpo já foi devidamente dispersado, vamos dizer assim, mas tem que manter
uma vigilância constante porque tem ouro lá. Se não houver a vigilância, o
pessoal volta”. A declaração, nesse tom evasivo, dava a entender que tal
vigilância não era uma atividade afeita ao seu trabalho.
Em três dias de operação, a Polícia Federal
apreendeu e destruiu 131 balsas. A maior parte foi incendiada. A operação se
concentrou em Nova Olinda do Norte e Autazes, município onde os paredões de
balsas se aglomeraram, distantes 113 quilômetros de Manaus, para exploração
ilegal de ouro.
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As embarcações começaram a chegar no local cerca de
15 dias antes e formaram uma verdadeira "vila flutuante". Era uma
espécie de recado do desmando e do quanto aquele governo dava de ombros para
esse tipo de operação. A atitude de tolerância para com o desmatamento, os
danos ambientais e o contrabando de ouro rendeu frutos. Um apoio incondicional
dos garimpeiros ao então presidente Jair Bolsonaro, que no ano seguinte se
candidataria à reeleição.
Desde 2018 o grupo vinha realizando reuniões com
parlamentares e ministros em Brasília, inclusive com a participação do
ex-Presidente Jair Bolsonaro, para liberação do garimpo em Unidades de
Conservação e Terras Indígenas. Por influência dessa comissão, foi proposto o
Projeto de Lei (PL) n º 191/2020, que visa regulamentar o garimpo em áreas de
proteção ambiental.
Essas conexões levaram os investigadores dos atos
de terror do dia 8 de janeiro, a perseguir o vínculo entre a prática de
ilícitos ambientais e a atuação de grupos extremistas contrários à eleição do
presidente Luiz Inácio Lula da Silva, para a presidência da República em 2022.
Tiveram, ainda, o condão de permitirem identificar redes de práticas delituosas
abrangendo diversas atividades, atores e verbas oriundas da exploração ilegal
de recursos naturais.
A tarefa que procurou juntar essas pontas, terminou
em março de 2023. Segundo consta no relatório dos investigadores, “a análise de
maquinário identificado na prática de garimpo ilegal em áreas de proteção
ambiental no Pará os levou a rastrear a rede de empresas e empresários
envolvidos não apenas com atividades ambientais ilegais, mas também com o
financiamento de manifestações antidemocráticas”. Nesta busca, eles concluíram
que:
- Os empresários Roberto Katsuda e Enric
Lauriano estão diretamente associados à prática de garimpo ilegal e mantêm
vínculos com políticos da região. Enric Lauriano financiou manifestações
no Pará e em Brasília contra o resultado das eleições de 2022 e esteve
presente nos atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023, em Brasília.
- Katsuda, além de ser diretor de uma das
principais associações garimpeiras do Tapajós, a Cooperalto, faz parte de
uma comissão paraense pró-garimpo que, nos últimos anos teve acesso a
diversas autoridades políticas. Foi ele quem levou a proposta do Projeto
de Lei (PL) nº 191/2020, a fim de regulamentar o garimpo em terras
indígenas.
“Parte da exploração de ouro no Pará, é realizada
por meio de retroescavadeiras modelo PC. Por serem equipamentos de alto custo,
sua comercialização e sua utilização costumam ser controladas por grupos
criminosos com intrincadas redes de transporte e de relações políticas. Embora
as operações e fiscalização de órgãos federais resultem na apreensão ou na
inutilização desse tipo ele maquinário, os empresários, conseguem repor
facilmente as máquinas com o lucro obtido no garimpo ilegal”, descrevem.
“Com base no
registro formal da cadeia dominial, identifica-se que alguns maquinários não
são vendidos formalmente para pessoas físicas ou jurídicas, permanecendo
registrados em nome da empresa revendedora de máquinas agrícolas, o que
dificulta os esforços de fiscalização para apontar os verdadeiros donos dessas
PCs.
Oito retroescavadeiras identificadas costumavam ser
utilizadas em atividades ilegais dentro das Terras Indígenas Kayapó e
Trincheira-Bacajá, no sudeste paraense. Três delas apresentavam, como última
proprietária, a empresa BMC Máquinas, Equipamentos Pesados, Engenharia e
Locações Ltda. (CNPJ: 14. 168.536/0001-25), administrada por Felipe Sica Soares
Cavalieri (CPF: 263.618.048-60). Outras quatro chegaram a pertencer à mesma
empresa, mas foram posteriormente vendidas”, esclarecem.
A identificação dessa rede pode levar à adoção de
medidas por parte das forças de segurança e do Poder Público para coibir o
ilícito na sua origem. (Entenda pelo gráfico abaixo, como funciona a
movimentação das máquinas para fugir à fiscalização). Vide link: https://www.brasil247.com/blog/alem-do-agro-empresas-e-empresarios-do-garimpo-ilegal-apoiaram-o-8-de-janeiro
Conforme consta do relatório das investigações, “a
em presa BMC tem sede em ltatiaia/RJ e iniciou suas atividades nos anos 2000
com um contrato entre seu administrador, Felipe Cavalieri e a empresa
sul-coreana Hyundai, para a abertura de concessionárias da marca no Brasil,
especificamente para comércio de maquinário agrícola e de obras de engenharia.
Atualmente, a BMC conta com 22 filiais no Brasil, três delas em municípios
paraenses, com prática disseminada de ilícitos ambientais: ltaituba, Vitória do
Xingu e Marabá”.
A BMC faz parte de um conglomerado de
empreendimentos de maquinarias pesadas, serviços de engenharia, seguradoras e
consultorias, a BMC Partners Participações S.A (CNPJ: 17.343.798/000 1-77), é
presidida por Felipe Cavalieri e dirigida por Felipe Ciotola Bruno (CPF:
277.793. 188-77). A filial da BMC em ltaituba, principal ponto logístico para o
garimpo na bacia do Rio Tapajós, apresenta o mesmo endereço (Rua Antão Ferreira
Do Vale, nº 3564, Bela Vista) da empresa BMC Comér-cio De Máquinas Eireli,
(CNPJ: 26.00 1. 755/0007-90), de propriedade de Roberto Carlos Katsuda (CPF:
063. 155. 208- 12). A BMG é administrada pela filha de Roberto, Brunna Maria
Gravena Katsuda (CPF: 352.796.988-8 1). Na página dessa empresa na internet,
consta que é representante da BMC no Pará.
Defensor do garimpo
em áreas protegidas - Segundo as
investigações, “Roberto Katsuda é notório defensor de garimpos em áreas
protegidas e visto como um dos maiores articuladores políticos da temática”.
Consta na descrição que “ele financia a estrutura do lobby garimpeiro do
vereador Wescley Tomaz, alcunha de Wescley Silva Aguiar (CPF: 827.620.582-87),
defensor da pauta nos meios políticos. Katsuda e Tomaz fazem parte de comissão
pró-garimpo, juntamente com Fernando Brandão, dono do maior escritório de
advocacia de ltaituba, e Guilherme Aggens, engenheiro florestal da Goconsult
Pará, empresa responsável por requerer lavras garimpeiras no estado”.
Katsuda também seria responsável “pelo
financiamento de cooperativas garimpeiras na região. Segundo ele, é a Hyundai
quem financia os maquinários agrícolas, especificamente das PCs, em ltaituba.
Em 2018, o montante de maquinários agrícolas, financiado foi em torno de R$ 220
milhões”.
Apesar de a BMC e a BMG apresentarem como endereço
em ltaituba a Rua Antão Ferreira do Vale, n º 35 64, nenhuma delas funciona
fisicamente no local, que é ocupado pela empresa P. Ribeiro Silva Comercio
Eireli, cujo nome de fantasia é Ideal Peças e Motores (CNPJ: 23.379.227 /000
1-95). A Ideal tem como slogan "a loja ideal para você garimpeiro" e
não tem licença para a venda de máquinas agrícolas, como PCs. Os proprietários
da Ideal (Patrícia Ribeiro Silva - CPF: 923.236.422-00) e da BMG (Roberto
Katsuda) apresentam conexões em prol do garimpo e dividem a diretoria da
Cooperativa Mista de Mineradores do Alto Tapajós (CNPJ: 44.054.425/000 1-59),
conhecida como Cooperalto.
As apurações descrevem as intrincadas relações da
região do garimpo: “a Cooperalto é uma das principais associações de
garimpeiros do eixo ltaituba - Jacareacanga/PA e, além de Patrícia e Roberto,
também tem como diretor, Vilela Inácio de Oliveira (CPF: 262.783.16 1-53),
conhecido como Vilela. Em 2022, Vilela expôs seu rompimento com o prefeito de
ltaituba e passou a questionar as licenças para garimpo emitidas pela
prefeitura. Vilela é um dos grandes articuladores da região, atuando tanto na
gestão de áreas garimpeiras quanto em lobby em prol da descriminalização da
atividade. Ele costuma apoiar, financeiramente e por meio da contratação de
advogados, movimentos garimpeiros que bloqueiam rodovias”, registrou a
apuração.
As manobras para burlar o controle da compra
e venda de máquinas são uma verdadeira “engenharia”. A descrição que segue dá
bem a dimensão disto: “os grandes conglomerados que representam comercialmente
as marcas internacionais das retroescavadeiras no Brasil e as lojas que
realizam a compra e venda desses maquinários, vinculadas ou não às fabricantes,
não registram corretamente a cadeia dominial dos equipamentos através do número
de chassi. Nesse sentido, é provável que maquinários que ainda figuram em nome
da revendedora BMC estejam sendo operados por outras pessoas. Na possibilidade
de cessão de uso dos equipamentos, através de contratos de leasing, aluguel,
financiamento ou alienação fiduciária, as revendedoras também carecem de
mecanismo de controle”.
O trabalho de apuração dos dados desce a detalhes
do tipo comparar os chassis das máquinas: “Dentre as escavadeiras associadas a
um proprietário final, chama atenção aquela identificada pelo chassi
HBRR140CTF0000099, vendida pela BMC a Enric Juvenal da Costa Lauriano e
apreendida em 2022 dentro da Terra Indígena (TI) Kayapó”.
De acordo com a descrição contida no relatório,
Lauriano “foi candidato a prefeito de Xinguara/PA em 2020 pelo PSL e candidato
a 1 º suplente de Senador na chapa encabeçada por Flexa Ribeiro (PP/PA) em 2022
(derrotado), um dos principais articuladores do PL n º 191/2020 e consultor da
Associação Nacional do Ouro (Anoro), que faz lobby pró-garimpo em Brasília.
Enric Lauriano é filho de Onício Lauriano (CPF: 042. 999.061-87), pecuarista
com fazendas em pelo menos três municípios do sul do Pará e investigado por
desmatamento ilegal, inclusive em áreas de proteção ambiental”.
Eric, membro do lobby, pró-garimpo, tentou
concorrer a vice-governador do Pará e a deputado estadual em 2022, mas teve as
candidaturas indeferidas pela Justiça Eleitoral. Os investigadores não revelam
maiores detalhes sobre o motivo do indeferimento. Dizem apenas que “ele é
apoiador do ex-presidente Bolsonaro e participou dos atos antidemocráticos de
janeiro de 2023 ao invadir o Congresso Nacional, além de ter sido membro de
acampamento dos movimentos extremistas em Brasília”.
Consta, ainda, que ele “atuou também ativamente na
divulgação da rede de financiamento do movimento a partir de Marabá/PA, na qual
foi utilizada uma empresa terceira interposta para arrecadação de fundos: R. P.
Cunha I nformática (CNPJ: 7.104.231/0001-94), de propriedade de Ricardo Pereira
Cunha (CPF: 368.413.822-34), esse também proprietário de empresa de mineração
(Mineração Carajás Limitada - CNPJ: 09.288. 166/0001-20”.
Ricardo é conhecido na região como Ricardo da USA
Brasil e foi citado por George Washington de Oliveira Souza, o autor da
tentativa de atentado a bomba no aeroporto de Brasília, em 24 de dezembro de
2022. Ele foi apontado como o organizador do financiamento dos movimentos
antidemocráticos, através da chave pix de sua empresa, tanto em Brasília quanto
em Marabá. Além disso, Ricardo, Franklin, Enric e Onício, fazem parte do grupo
Direita Xinguara, movimento conhecido por fazer campanha midiática pela região
em prol o ex-presidente Bolsonaro.
Essas conexões, de acordo com o grupo que mergulhou
nas investigações, “evidenciam o vínculo entre a prática de ilícitos ambientais
e a atuação de grupos extremistas contrários à eleição de Lula para a
presidência da República em 2022, além de permitirem identificar redes de
práticas delituosas abrangendo diversas atividades, atores e verbas oriundas da
exploração ilegal de recursos naturais”.
Essas apurações foram distribuídas para os
seguintes órgãos: FUNAI - IBAMA - ICMBio - DPF - MPF - SE/MMA - SENASP/MJSP.
Espera-se que além do que trouxeram à tona, as ações ilegais resultem em algum
tipo de punição para os, de fato, envolvidos com os atos ilegais, tanto no
garimpo quanto na invasão dos prédios públicos depredados em Brasília. Nos quadros abaixo os equipamentos
vistoriados: Vide link: https://www.brasil247.com/blog/alem-do-agro-empresas-e-empresarios-do-garimpo-ilegal-apoiaram-o-8-de-janeiro
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