Policiais prendem manifestantes na capital paulista (Foto: Lucas Martins, no Brasil de Fato) |
28 de janeiro de 2024
Consequência de um cristianismo que nasceu como
sistema político e não como religião.
Escreve: Ricardo Nêggo Tom (Cantor, compositor, produtor e apresentador do programa Um Tom de resistência na TV 247
Você já se perguntou o porquê de só três séculos após a sua morte Jesus Cristo ter sido entronizado oficialmente como o salvador da humanidade? O Concílio de Nicéia pode nos ajudar a entender tal questionamento quando, a partir da romanização de um culto que, até então, era primitivo, foi estabelecido que um só Deus ao mesmo tempo seria três pessoas. Pai, filho e espírito santo. Algo que foi duramente contestado pelas igrejas reformadas e por outras religiões monoteístas, como o Judaísmo e o Islamismo, que não creem no caráter divino de Jesus Cristo como segunda pessoa da Santíssima Trindade.
A questão é que tal conceito de Trindade divina já existia
na religiosidade de outras civilizações, como, por exemplo, o Egito, cuja
tríade era formada por Hórus, Ísis e Osíris, e na Índia por Brahma, Vishnu e
Shiva. O que nos leva, na melhor das hipóteses, a deduzir que a doutrina da
Igreja Católica Romana instituída após o referido concílio eclesiástico, 325
anos depois de Cristo, é uma apropriação cultural.
Convocado pelo Imperador romano Constantino I, o Concílio de Nicéia foi o divisor de águas da fé cristã. Diria até que a fé das pessoas foi lançada por água abaixo após a politização da espiritualidade dos fiéis em benefício do Estado. Com o objetivo de obter um consenso na Igreja com relação à natureza divina de Jesus e organizado aos moldes do senado romano, o Concílio determinou a construção da primeira parte do chamado Credo Niceno, uma profissão de fé dos 318 bispos que participaram da reunião. Uma simbologia imitada nos dias de hoje pela Igreja Universal de Edir Macedo e a sua “reunião dos 318 pastores".
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A ideia de um encontro ecumênico foi
estabelecida, o que permitiria que as decisões tomadas no Concílio fossem
universalizadas, o que faria com que a Igreja de Alexandria, palco onde se
origina a discussão sobre a natureza divina de Jesus, fosse obrigada a acatar e
se submeter às determinações do Concílio. As discussões sobre a origem do
Cristo envolveram dois posicionamentos: se ele não teve começo e foi gerado
pelo Pai a partir de seu próprio ser ou se teve começo e foi criado do nada. O
primeiro posicionamento saiu vencedor, o que poderia nos levar a crer que a
origem divina de Jesus é uma opinião humana. Ou não?
Constantino era um político hábil e soube se fazer passar por democrata ao ‘legalizar’ o cristianismo e estabelecer o fim da perseguição aos cristãos. Obviamente, tudo teria o seu preço e uma das faturas cobrava a destruição de tudo o que Jesus Cristo havia pregado. Principalmente, contra o sistema político. E assim, a Igreja Católica passou a ser um Estado de direito onde suas decisões e posicionamentos influenciavam a vida de todos os cidadãos na sociedade. O Papa, a figura infalível de Deus na terra, tinha poderes espirituais e temporais, fato que permitiu a concretização de absurdos como o santo ofício e as execuções de pessoas consideradas hereges na fogueira da santa inquisição.
Avançando um pouco mais no tempo, nos deparamos com a Igreja
sendo aliada nos processos de colonização europeia ao redor do mundo, onde
civilizações foram vilipendiadas e tiveram seus territórios roubados e seus
povos escravizados e dizimados sob a égide da expansão territorial, tendo as
bênçãos de uma divindade estabelecida em consenso pelo poder do Estado. A essa
altura dos fatos, Jesus Cristo era aliado do Estado que ele sempre combateu e
que o assassinou por enxergá-lo como um subversivo, que autorizava em seu nome
o roubo, a destruição e a morte em razão do progresso. Dessa forma, apenas
dessa forma, o pobre palestino filho de uma mulher camponesa e de um pobre
carpinteiro, poderia ser louvado como o “Rei dos Reis”.
Estamos diante de uma manobra diabólica do sistema político que conseguiu fazer com que opressores e oprimidos tivessem o mesmo Deus como salvador. Algo inimaginável para quem raciocina minimamente e entende que um deus que o oprime não pode lhe salvar. A não ser que eu me renda ou me converta a esse deus, esquecendo da minha condição de oprimido e excluído diante dele. É o que ocorre quando negros e indígenas, por exemplo, se convertem ao cristianismo sistêmico acreditando que serão salvos por um deus que lhes fora apresentado por seus opressores históricos.
Eu fico imaginando o
preto escravizado sendo chicoteado no tronco e clamando pela ajuda do deus
europeu de olhos azuis que iria receber o seu algoz com todo amor em sua casa
(Igreja), horas depois de ele ter lhe açoitado. Quanto sadismo por parte
de um deus, não? Parece até um policial brasileiro que é pago para fingir que
protege a todos, mas no fundo a sua proteção só é desfrutada por aqueles que
instituíram a sua “autoridade”. O Estado e os seus descendentes, entre os quais
não se incluem pretos, indígenas e demais culturas e religiões que não
professam a “fé” de Constantino e de um sistema religioso cada dia mais
alinhado ao poder estatal.
A polícia brasileira está cada vez mais convertida às Igrejas evangélicas e as suas diversas e nefastas vertentes. Fruto de um projeto de poder religioso que vem sendo pavimentado há mais de três décadas no país. A cooptação dos agentes de segurança do Estado se dá por meio de programas pretensamente de assistência espiritual, como o “Universal nas forças policiais”, lançado em 2018 e que já ganhou centenas de almas policiais para o Jesus estatal. Por coincidência, ou não, esse período remete a um aumento da violência policial no país, cujo alvo é a população mais pobre e periférica, majoritariamente composta por negros e indígenas.
Não por coincidência, essas
periferias têm sido tomadas por igrejas evangélicas que em muitas delas se
associam ao tráfico e às milícias para estabelecer o reino do Jesus de
Constantino nesses locais. Também por coincidência, muitas dessas localidades
não permitem mais o culto de religiões de matriz africana e seus adeptos
começam a sofrer perseguições e ameaças de morte caso insistam em cultuar
outros deuses nesses territórios.
A conta fecha, pelo menos para mim, quando me deparo com um vídeo (https://www.instagram.com/p/C2nwk6hr_Oe/ ) no qual a polícia militar foi chamada para interromper o culto num terreiro de candomblé, sob uma denúncia de perturbação do sossego. Algo que se fosse aplicado às inúmeras Igrejas evangélicas existentes no país, onde o grito emitido pelos fiéis deve incomodar os ouvidos do próprio deus que eles louvam, teríamos que criar centenas de patrulhas para atender a demanda de ocorrências. No vídeo em questão, é possível ver um policial militar ameaçando prender o Babalorixá responsável pelo templo, porque o mesmo se recusava a entregar o seu ekete, uma espécie de chapéu que compõe a indumentária do sacerdote.
Além da
perseguição imposta por muitos líderes evangélicos, os religiosos de matriz
africana agora precisam aturar policiais militares atuando como agentes de
segurança do racismo religioso no país. E há quem diga que policiais ganham
pouco e que deveriam ganhar mais. Eu não só discordo, como acho que deveriam
ganhar menos. Em uma sociedade capitalista dinheiro representa poder, e quando
este dinheiro cai nas mãos de um grupo de pessoas que já abusam do poder e da
autoridade que possuem mesmo sem tê-lo em grande quantidade, as consequências
podem ser drásticas para a parte da sociedade que sistematicamente é alvo desse
grupo. Talvez, ganhando ainda menos, eles se identificassem mais com aqueles
que eles oprimem e menos com aqueles que lhes autorizam a oprimir.
O que estamos acompanhando em Gaza pode já estar chegando a nós sem que muitos percebam. A ideia de um Estado teocrático e evangélico de direito vem ganhando forma diante da nossa impotência e omissão. É preciso promover um resgate cultural no país, como havia prometido o presidente Lula em seu programa de governo. Não podemos permitir que um grupo religioso siga atuando como uma eminência branca dentro de um Estado que atualmente tem um governante progressista e comprometido em combater as desigualdades e as injustiças sociais.
Lula precisa reestruturar as polícias do
país, nem que para isso ele tenha que apertar o reset e iniciá-las novamente.
As estruturas policiais estão contaminadas pelo bolsonarismo e pelo
cristianismo do Estado, o que tem aumentado a sua letalidade e ineficiência. É
sempre bom lembrar a todos os policiais, sobretudo, aos autoritários e
abusadores do poder – e, infelizmente, os bons também acabam tendo que ouvir –
que é o povo quem paga os seus salários, inclusive aquela parte do povo que o
Estado ordena que eles reprimam. Chegará um momento em que essa parte da
sociedade não aceitará mais esse tratamento e as consequências podem ser ainda mais
desastrosas para o coletivo. As pessoas podem até suportar a opressão por um
tempo, mas não por todo o tempo.
EM TEMPO: É realmente um problema sério a resolver, uma vez que existe a resistência dos Comandos de algumas PMs em não usarem as câmeras e além do mais têm inúmeros problemas psicológicos entre os militares. E para piorar a situação o Prefeito do Garanhuns quer armar a Guarda Municipal.
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