Texto extraído do Blog de RA
Morreu nesta sexta-feira, por volta das 15 horas, o cordelista e mestre
do reisado Gonzaga de Garanhuns, de 79 anos. Ele estava hospitalizado no
Hospital Dom Moura, após sofrer um AVC, pouco menos de duas semanas atrás.
Patrimônio Vivo de Pernambuco, desde 2018, Seu Gonzaga, como muitos o
chamavam, publicou mais de 100 cordéis, sempre elevando o nome de Garanhuns e a
cultura nordestina.
Abaixo transcrevemos texto do professor e escritor Cláudio Gonçalves,
que inclui uma entrevista realizada com o Mestre Gonzaga.
C - O senhor é filho natural de Garanhuns?
G - Sou filho natural de Garanhuns, nasci no sítio Sussuarana, zona
rural de Garanhuns em 8 de junho de 1943 hoje pertence ao município de São
João, mas a época a cidade vizinha era distrito de Garanhuns.
C - Como surgiu o interesse pela literatura de cordel?
G - O interesse surgiu quando lendo o Diário de Pernambuco um dos
artigos me chamou a atenção, ele falava sobre a literatura de cordel, resolvi
então escrever o meu primeiro cordel, isso em 1973, intitulado “Lampião em
Serrinha”, hoje Paranatama, isso a partir do estudo de rimas e métricas, daí
por diante não parei mais de escrever os folhetos de cordéis.
C - O senhor já escreveu mais de centenas de folhetos de cordéis
com temas religiosos, sátiras de cunho social e político, de personalidades,
cangaço, históricos, humorísticos e temas educativos, enfim um grande acervo
publicado. Como ocorre esse processo de criação?
G - É algo inexplicável, me vem a esmo, eu penso em algum tema e
começo a escrever, essa inspiração acontece a qualquer hora do dia e muitas
vezes em sonhos vem a história e quando a escrevo já vão saindo as rimas e as
métricas, nessa hora eu me transporto para o que estou escrevendo, coisa que
como já frisei não sei como explicar.
C - Com o cordel Lampião em Serrinha o senhor já
demonstrava uma tendência para o cordel de relato histórico, por se tratar de
fato real, Gonzaga de Garanhuns tem preferência em escrever cordéis com temas
de ficção ou históricos?
G - A minha preferência é pelos dois, porque o artista não pode
perder a ideia, e sempre deve está experimentando novos desafios, assim surge
um material original e inédito.
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C - Os seus trabalhos com cordéis históricos são
verdadeiras fontes de pesquisas, pois relatam fatos históricos de Garanhuns,
com a origem da nossa cidade, a Hecatombe de Garanhuns, a morte de Dom Expedito
Lopes e também fatos recentes. Como é feito esse trabalho de pesquisa e quais
as dificuldades encontradas?
G - No meu trabalho de pesquisas busco todo tipo de documentos que
possam trazer informações sobre o acontecimento, livros, revistas, jornais e
também depoimentos de pessoas que conhecem a História da cidade, uma dessas
fontes é o Doutor Ivaldo Dourado, a principal dificuldade é a falta desses
documentos para que possamos realizar as pesquisas.
C - Como o senhor se sente sendo considerado um dos
melhores cordelistas do nordeste pelo holandês Joseph M. Luyten, pesquisador da
literatura de cordel e um dos maiores divulgadores do folclore e da cultura
popular brasileira?
G - Apesar de Joseph Luyten ter feito esse elogio, eu não me sinto
o melhor, eu sou um cordelista simples comparado a um iniciante.
C - Ser apontado com um dos melhores cordelistas do
Nordeste é o resultado de muita dedicação, perseverança e, sobretudo o
reconhecimento do público, e isso pode ser evidenciado pela repercussão do seu
trabalho. Até onde chegaram os cordéis de Gonzaga de Garanhuns?
G - Meu cordéis chegaram ao museu Internacional do Novo
México, Santa Fé, Estados Unidos através de J. Borges, Museu de Etnologia em
Osaka no Japão através de Joseph Luyten, a Casa Fundação Rui Barbosa no Rio de
Janeiro, Unicordel ( União dos Cordelistas de Pernambuco) movimento de promoção
e defesa da poesia popular com sede no Recife, Museu do Estado de Pernambuco,
Museu do cordel de Olegário Fernandes em Caruaru e tantos outros por este
Brasil.
C - A xilogravura é peculiar nos cordéis, mas a cada dia a
computação gráfica vem sendo usada pelos cordelistas nas ilustrações de suas
capas, a xilogravura pode aos pouco desaparecer?
G - Não que venha a desaparecer, temos ainda muitos xilógrafos,
mas infelizmente em Garanhuns apesar das oficinas no Festival de Inverno ter
vários participantes parece que eles não querem se profissionalizar, gostaria
que todas as capas dos meus cordéis fossem em xilogravura, mas não temos
profissionais na cidade, pode ser que com a Lei 12. 198 que foi sancionada pelo
presidente Lula no dia 14 de janeiro deste ano que reconhece as atividades
repentistas, escritores da literatura de cordel e outras atividades que as
entidades de classe possam reconhecer, tornando-os profissionais possa ser que
sujam novos xilógrafos.
C - No Palco da Cultura Popular do Festival de Inverno
sempre acontece apresentações de cordelistas de Pernambuco e dos participantes
das oficinas de cordéis, surgiram novos adeptos da literatura de cordel em
Garanhuns?
G - Vários, mas não se interessam em divulgar os seus trabalhos, são
cordelistas bons, agora que a lei ampara a profissão de cordelistas regido pela
CLT, acredito que novos profissionais sairão do anonimato e o cordel de
Garanhuns continuara vivo.
C - Já são três livros publicados, Meu Saudoso Garanhuns,
Colégio Diocesano, um pouco de sua História e Garanhuns em Versos, Um Pouco da
Sua História, lançado no ano passado durante as comemorações dos 130 anos de
Garanhuns. O livro é uma obra em literatura de cordel, que além de contar a
história da cidade, nos traz as datas importantes da cidade, as características
geográficas, às atividades econômicas, culturais, infra-estrutura de serviços,
personagens ilustres e um acervo de fotos antigas e atuais. O livro foi
bastante elogiado por escritores e leitores pela sua dimensão paradidática e as
riquezas de informações, o senhor fica gratificado em saber que seu trabalho
alcançou as salas de aulas?
G - Fico bastante feliz, pois sempre desejei fazer um livro que todos
tivessem acesso a História de Garanhuns, principalmente com uma linguagem
atrativa para os estudantes, principalmente num momento que há uma exigência
para o estudo da História local, e vejo esse objetivo alcançado através dos
convites que recebo para fazer palestras nas escolas e faculdades, e a recepção
e homenagens dos alunos. É um desejo que foi alcançado não apenas em Garanhuns,
mas em nossa região.
C - O senhor recebeu o Anum de Ouro e a medalha do Mérito
Cultural Monsenhor Adelmar da Mota Valença, homenagem mais que merecida, não
apenas pelos seus trabalhos artísticos, mas, sobretudo pela sua dedicação e
persistência em divulgar a cultura de Garanhuns para o Brasil e o mundo. Como
se sentiu ao receber essas homenagens?
G - Já recebi várias homenagens, placas, diplomas, receber a
medalha Cultural Monsenhor Adelmar (2000) foi emoção muito grande, o Anum de
ouro (2007) confesso que eu não esperava esse momento, eu pensava que já estava
esquecido (Risos).
C - Em agosto de 2018 nosso Mestre Gonzaga de Garanhuns
foi eleito oficialmente Patrimônio Vivo de Pernambuco no XIII Concurso do
Registo do Patrimônio Vivo do Estado promovido pela Secretaria Estadual de
Cultura, qual a emoção ao receber a notícia?
G - O Título foi o reconhecimento de dezenas de anos dedicados ao
reisado. Eu tinha ido trabalhar, depois fui encontrar uns amigos para
conversar, quando meu telefone tocou, era a Fundarpe me comunicando
oficialmente. De início eu não acreditei, cheguei a chorar de emoção. Depois
também cantei de tanta alegria. A felicidade foi imensa, foi o maior presente
que poderia ter.
C - O senhor resgatou o Reisado de Garanhuns, reisado que
era uma das tradições da nossa cidade, pelas várias apresentações que tenho
visto o projeto vem conseguindo resgatar o essa Cultura popular?
G - O reisado de Garanhuns tinha tradição, inicie no reisado
em 1955 quando assisti a uma apresentação do reisado de mestre Candido
sertanejo, o mestre Candio, resolvi então formar um grupo com garotos da minha
idade no sítio Tiririca neste município, infelizmente não tenho registro
fotográfico, mas ainda tem pessoas que se lembram. Resolvi então acordar o
reisado de Garanhuns que estava adormecido e apresentá-lo no Festival de
Inverno como meio de elevar a cultura da minha cidade, a partir dessa
iniciativa surgiram vários outros grupos de reisados em Garanhuns e projeto
para o futuro tornar Garanhuns a capital do reisado.
C - Gonzaga de Garanhuns também compositor de reisados e
baião, conte para o falaê um pouco do seu trabalho com a música?
G - Vou fazer uma retrospectiva de alguns desses momentos. Em 1982
através do LP Benditos e Reisados o qual gravei uma faixa fui convidado pela
produção do Som Brasil apresentado por Rolando Boldrin para participar do
programa. Em 1994 participei do MUSISESC com o baião Tributo a Zé Dantas, em
1995 participei do Festival Regional Alô Pernambuco com a música Reisado
Pernambucano de minha autoria a qual gravei no LP Reisado Pernambucano com
arranjo de Dalva Dinis e participação do violeiro Senival Teixeira. Tenho
participações nos LP de Leonildo de Souza, Bendito do Padre Cícero e de
Genivaldo Pereira cantando Mistura de Forró, a minha musica foi Gravada por
Geraldo Silva, intitulada Bananau do Bastião. Algumas canções já foram gravadas
por alguns artistas, a música Tique Taque do peito foi gravado por Verônica
Campos, Zezinho de Garanhuns e Tarcisio Rodrigues, o baião chuva caída foi
interpretada Florisval e agora uma das minhas composições despertou o interesse
do conterrâneo Dominguinhos, cuja música é Tributo a Zé Dantas.
C - Uma mensagem de Gonzaga para os artistas de Garanhuns.
G - Que todos os artistas de Garanhuns lutem pelo desenvolvimento de
nossa cultura, organizem seus projetos buscando o apoio da FUNCULTURA e da
FUNDARPE, mas não visem o interesse pessoal, mas que visem o teor, a essência
da nossa cultura que é a cultura do nosso povo, não somos nos que fazemos essa
cultura, mas sim o povo de Garanhuns e região.
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