Folha de São Paulo - IDIANA
TOMAZELLI, MATEUS VARGAS E MARIANNA HOLANDA
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O governo
do presidente Jair Bolsonaro (PL) enviou ao Congresso Nacional uma proposta de
Orçamento para 2023 com um corte de ao menos 50% em verbas para bancar
programas como Mais Médicos, Farmácia Popular e a saúde indígena.
A menos de 20 dias das eleições, a
tesourada acendeu um alerta na equipe de campanha de Bolsonaro, em especial
quanto ao Farmácia Popular, programa de distribuição gratuita ou com desconto
de medicamentos. O chefe do Executivo concorre à reeleição, mas está em segundo
lugar nas pesquisas de intenção de voto, atrás do ex-presidente Luiz Inácio
Lula da Silva (PT).
A medida atingirá programas centrais
no atendimento à população, o que deflagrou o temor de repercussão negativa nas
urnas. Bolsonaro decidiu acionar os ministros Marcelo Queiroga (Saúde) e Paulo
Guedes (Economia) para tentar rever o corte no Farmácia Popular.
Diante da repercussão negativa das
reduções, Guedes saiu a campo e citou o programa ao sinalizar, nesta
quarta-feira (14), uma recomposição dos recursos da Saúde por meio de mensagem
modificativa do Orçamento.
Apesar do pedido de Bolsonaro e da
sinalização de Guedes, ainda não foi enviada qualquer comunicação formal ao
Congresso. Técnicos ressaltam que isso só deve ser feito após as eleições.
A redução significativa nos recursos
do Mais Médicos rebatizado pelo atual governo de Médicos pelo Brasil também
já entrou no radar do Ministério da Saúde como um ponto de alerta, embora os
dois programas não sejam os únicos atingidos.
Como mostrou a reportagem, a verba da
Saúde para custeio e investimentos sofreu um corte de 42% na proposta para
2023. Para cumprir o gasto mínimo assegurado pela Constituição, o Executivo vai
depender das chamadas emendas de relator, instrumento usado como moeda de troca
nas negociações com o Congresso. Procurada, a pasta não se manifestou sobre os
cortes.
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Criado em 2013 pela então presidente
Dilma Rousseff (PT), o Mais Médicos estabeleceu um convênio com a Opas
(Organização Pan-Americana de Saúde) para levar médicos cubanos ao interior do
Brasil para reforçar o atendimento básico de saúde. O programa foi um dos
principais alvos da campanha de Bolsonaro em 2018.
O chefe do Executivo prometia
remodelar o programa, o que fez apenas neste ano, sob a gestão de Marcelo
Queiroga na Saúde. Em abril, o governo convocou os primeiros 529 profissionais
do Médicos pelo Brasil, quase três anos após lançar o sucessor do Mais Médicos.
A continuidade de sua implementação
no ano que vem, porém, está ameaçada. A verba para o programa caiu de R$ 2,96
bilhões neste ano para R$ 1,46 bilhão na proposta orçamentária de 2023, o que
representa uma redução de 50,7%.
O valor também é bem menor que os R$
4,06 bilhões originalmente solicitados pela pasta, conforme mostram documentos
internos da Saúde, para bancar as ações do Mais Médicos e do Médicos Pelo
Brasil.
A professora da UFRJ (Universidade
Federal do Rio de Janeiro) Ligia Bahia, especialista em saúde coletiva,
ressalta que o programa hoje sustenta 18.240 vagas em 4.058 municípios de todo
o país uma cobertura de 73% das cidades brasileiras, além de 34 distritos
sanitários especiais indígenas.
"Com o corte de metade do
orçamento, haverá redução de médicos para essas localidades mais distantes ou
haverá complementação de recursos?", questiona a especialista.
O programa Farmácia Popular, por sua
vez, distribui medicamentos básicos gratuitamente ou com desconto de até 90%
para hipertensão, diabetes, asma, entre outras doenças, por meio de farmácias
privadas conveniadas. Criado em 2004, ele também entrega produtos como fralda
geriátrica e anticoncepcionais.
A reserva para o programa caiu de R$
2,48 bilhões neste ano para R$ 1 bilhão em 2023, uma tesourada de 59% no
orçamento.
Sob um corte dessa magnitude,
técnicos do Ministério da Saúde avaliam que a verba só garante o funcionamento
do Farmácia Popular por 4 meses em 2023.
A indústria também tem alertado para
os riscos da redução no Farmácia Popular, uma vez que os medicamentos
fornecidos são aliados importantes na prevenção ou controle de doenças graves.
Sem acesso a esses remédios, a
população pode sofrer prejuízos consideráveis e ainda demandar maior número de
atendimentos no SUS (Sistema Único de Saúde), de acordo com a PróGenéricos
(Associação Brasileira das Indústrias de Medicamentos Genéricos e
Biossimilares).
A presidente da entidade, Telma
Salles, diz que a medida acabará restringindo o acesso da população a 13 tipos
diferentes de princípios ativos de remédios, usados no tratamento de diabetes,
hipertensão e asma.
"Reduzir verba do programa
Farmácia Popular trará prejuízos imensuráveis para todo o sistema de saúde
brasileiro. Estamos falando da vida das pessoas. Será oportuno saber como o
governo pretende tratar as pessoas que ficarão sem esses medicamentos",
afirmou.
Outras ações do Ministério da Saúde
ligadas à entrega de medicamentos também tiveram reduções significativas na
proposta orçamentária. O corte líquido nas programações foi de R$ 665 milhões,
puxado pelo Farmácia Popular.
O orçamento da Sesai (Secretaria
Especial de Saúde Indígena) também foi prejudicado, caindo de R$ 1,64 bilhão
para R$ 664,6 milhões entre a proposta de orçamento deste ano e a de 2023 bem
aquém do pedido original de R$ 1,8 bilhão.
A área mais atingida foi a de
"promoção, proteção e recuperação da saúde indígena", com uma redução
de R$ 1,4 bilhão neste ano para R$ 591,3 milhões na proposta de 2023. O
saneamento básico em aldeias indígenas para prevenção de doenças, por sua vez,
teve uma redução de R$ 153,9 milhões para R$ 54,64 milhões.
Há dentro do governo uma preocupação
com as ações sociais que foram bastante comprimidas no Orçamento.
Apesar disso, as regras fiscais
atuais limitam a ação do governo neste momento. Seria necessário cortar de
outra área para respeitar o teto de gastos que limita o avanço das despesas à
inflação.
Mesmo que Bolsonaro, assim como
outros candidatos ao Palácio do Planalto, manifestem o desejo de alterar o teto
de gastos, isso não basta para permitir a acomodação de novas despesas no
Orçamento. Apenas sob uma nova regra fiscal será possível recompor gastos.
Por isso, auxiliares do governo
comparam a proposta a uma peça de ficção, pois ela ainda será bastante
modificada a partir de novembro, quando deputados e senadores se debruçarem
sobre ela e possivelmente discutirem a nova regra fiscal com as eleições já
definidas.
O impasse eleitoral enfrentado por
Bolsonaro devido ao corte no orçamento do Farmácia Popular é semelhante ao
dilema vivido em torno do valor mínimo do programa Auxílio Brasil. Apesar da
promessa de Bolsonaro de manter o pagamento de R$ 600 para famílias do
programa, a proposta de Orçamento prevê um benefício médio de apenas R$ 405,21.
EM TEMPO: Convém lembrar que tem verba para o "Orçamento Secreto".
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