Folha de São Paulo - FLÁVIO FERREIRA E ARTUR RODRIGUES
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Longas fileiras com dezenas de caminhões e
tratores parados em um terreno impressionam quem passa pelo campus da Ufersa
(Universidade Federal Rural do Semi-Árido), em Mossoró (RN). Os bens foram
comprados pela Codevasf, estatal entregue por Jair Bolsonaro (PL) ao centrão, e
devem chegar a seus aliados políticos.
Graças a uma operação casada da gestão Bolsonaro para executar manobras
na lei e em doações oficiais, esses produtos poderão ser distribuídos em pleno
período eleitoral, driblando a legislação que impedia a prática do toma-lá-dá-cá
com fins políticos. O malabarismo buscou tirar, pelo menos no papel, a
gratuidade das distribuições de bens pelo governo. Ao deixarem de ser de graça,
supostamente passaram a estar em conformidade com a lei.
Para esse fim, a documentação das doações passou a estabelecer que
associações ou entidades beneficiadas devem pagar ou fazer algo em troca, como
entregar polpa de frutas a instituições sociais ou 5 kg de carne a uma
escola. A Codevasf nega que a medida configure uma tentativa de burlar a lei. Há
casos em que é exigido o pagamento de 1% do valor do veículo, máquina ou
equipamento. A estratégia busca permitir à Codevasf despejar nos redutos
políticos dezenas de milhões de reais nos anos de eleições.
Contratos de compras para doação pela estatal totalizaram quase R$ 600
milhões desde 2021. À disposição do governo e seus aliados, está até um
catálogo de produtos elaborado pela Codevasf para que os políticos possam
escolher como vão agradar seus correligionários. No campo legal, a manobra
do governo começou com um projeto de lei de iniciativa do Planalto, na Câmara
dos Deputados, que tinha como tema o orçamento federal de 2022. Em sua
tramitação, a proposta legislativa acabou ganhando um artigo que não tinha
relação com seu assunto original, artifício que é chamado de "jabuti"
no meio político.
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Aprovado, o texto emplacou a orientação de que a doação oficial de bens
em ano eleitoral é permitida desde que acompanhada de encargos impostos aos
beneficiados. O "jabuti" foi proposto pelo deputado federal
Carlos Gaguim (União-TO), ex-vice-líder do governo Bolsonaro na Câmara, e
passou a compor a lei federal 14.435 de 2022, que entrou em vigor em
agosto. Após a sanção de Bolsonaro, o partido Rede Sustentabilidade
apresentou ação ao STF (Supremo Tribunal Federal) para pedir que o artigo seja
considerado inconstitucional.
De acordo com a legenda, além configurar um "jabuti", o novo
texto viola a regra de que as leis eleitorais só podem ser alteradas no ano
anterior aos pleitos. "Trata-se, a rigor, de um benefício indevido
dado a quem está de plantão no poder, que poderá se utilizar da máquina pública
para fazer doações com caráter puramente eleitoreiro", segundo a
petição. A Folha examinou papéis de distribuição da Codevasf, tecnicamente
chamados de "termos de doação". Muitos não escondem que novas
cláusulas foram incluídas para driblar a lei eleitoral.
No Piauí, por exemplo, os termos de doação da superintendência local são
expressos e citam que, "em decorrência do ano eleitoral, estabelece-se
como encargo para a doação a realização de um curso de
associativismo/cooperativismo com o mínimo de oito horas aula". Na
Paraíba, a Codevasf entregou a uma cooperativa um veículo pesado pá
carregadeira no valor de R$ 470 mil, e, no papel, pediu como "contrapartida"
a doação de polpa de frutas a instituições sociais equivalente a 1% do valor do
equipamento.
Enquanto as manobras são formalizadas em âmbito nacional, os veículos da
Codevasf estão há meses no campus da Ufersa, aguardando para envio a cidades do
RN. No fim de agosto, havia 31 caminhões, sete tratores e dois arados no
terreno do campus cedido à Codevasf. Segundo indicam folhas de papel coladas
nos veículos, foram entregues há cerca de três meses. Na quinta-feira (8), eram
26 caminhões.
A regional do Rio Grande do Norte da Codevasf foi criada na gestão
atual, em reduto de Rogério Marinho (PL), ex-titular do Ministério do
Desenvolvimento Regional. Marinho, que assumiu em 2020, deixou a pasta em
março para concorrer ao Senado. Um de seus adversários políticos, Carlos
Eduardo Alves (PDT), também candidato a senador, já pediu à Justiça Eleitoral
uma investigação sobre um suposto abuso de poder político do ex-ministro ligado
às doações da Codevasf.
"O demandado [Marinho] fez uso de toda a estrutura do governo
federal, em especial do Ministério do Desenvolvimento Regional e da Codevasf
para em concedendo favores, os cobrar no período eleitoral", segundo a
petição. Em rede social, o prefeito de Mossoró, Alysson Bezerra
(Solidariedade), aliado de Marinho, comemora a chegada de veículos.
"Agradecemos ao ministro Rogério Marinho pela atuação junto ao Ministério
do Desenvolvimento Regional e Codevasf para o atendimento das nossas
solicitações junto à pasta", escreveu.
Conforme a Folha revelou, na esteira da explosão de gastos com as chamadas
emendas de relator, os valores com doações de veículos e maquinário pela
Codevasf saltaram de R$ 178 milhões, em 2020, para R$ 487 milhões, em 2021,
aumento de 173%. Só nos primeiros cinco meses de 2022, o montante chegou a R$
100 milhões. Procurada pela Folha , a Secretaria-Geral da Presidência
afirmou que "a alteração foi aprovada pelo Congresso e não há
inconstitucionalidade no dispositivo".
A Codevasf nega que as mudanças nos termos de doação configuraram uma
medida para burlar a lei. Segundo a estatal, "em atenção à lei
eleitoral, que veda a doação gratuita de bens em anos de eleição, termos de
doação firmados pela Companhia em 2022 estabelecem encargos aos
beneficiários". A empresa afirma ainda que os termos observam a lei,
independentemente dos períodos em que são firmados, que as entregas ocorrem no
âmbito de projetos de desenvolvimento regional e são feitas manutenções
periódicas nos bens armazenados em pátio.
"Os bens serão entregues aos beneficiários assim que os processos
formais de transferência forem concluídos. Esses processos envolvem análises de
adequação técnica, conformidade legal e conveniência socioeconômica",
completa. Rogério Marinho nega ter interferência na estrutura da Codevasf
e afirma que seu estado não foi favorecido. "Entre 2019 e 2021, foram
adquiridos 16.186 equipamentos para doação pela Codevasf aos 14 estados da área
de atuação da empresa. O RN aparece apenas na 10ª posição no ranking de estados
destinatários das doações", segundo nota do advogado do deputado, Felipe
Cortez.
Marinho afirma que informações falsas foram divulgadas com intuito
político e as acusações "não resistem à apuração minimamente
cuidadosa". Procurado pela reportagem, o deputado Carlos Gaguim não
se manifestou.
EM TEMPO: É uma resenha este governo Bozo da impunidade e da desonestidade. Além das transações comerciais a dinheiro vivo.
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