Presidente
brasileiro criticou líderes de esquerda latino-americanos no debate
presidencial de domingo; declarações são 'falsas' e 'gravíssimas', disse
chanceler chilena
Por O Globo
29/08/2022 Presidente
do Chile, Gabriel Boric, fala durante o IV CEO da Cúpula das Américas em Los
Angeles, Califórnia PATRICK T. FALLON / AFP
O
Chile convocou nesta segunda-feira o embaixador brasileiro em Santiago para
consultas em protesto às declarações do presidente Jair Bolsonaro sobre
seu par chileno, Gabriel Boric, no debate
presidencial de domingo. As falas do mandatário brasileiro, que erroneamente
acusou Boric de atear fogo em metrôs durante os protestos de outubro de 2019,
são "falsas" e "gravíssimas", afirmou a chanceler chilena, Antonia Urrejola.
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Eleito em
2021: Quem
é Gabriel Boric, o ex-líder estudantil que foi eleito presidente do Chile
A
fala de Bolsonaro sobre Boric veio no fim do debate, quando o presidente fazia
suas considerações finais. Repetindo seus ataques frequentes a líderes de
esquerda latino-americanos e tentando associá-los ao ex-presidente Luiz Inácio
Lula da Silva, o presidente citou o argentino Alberto Fernández, o
recém-empossado mandatário colombiano Gustavo Petro e
Boric:
— Lula apoio o presidente do Chile também, o mesmo que praticava atos de tacar fogo em metrôs lá no Chile. Para onde está indo nosso Chile? — afirmou o presidente.
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Bolsonaro
referia-se às maiores manifestações da História chilena, em outubro de 2019,
que começaram com reclamações sobre o aumento do preço do metrô, mas
rapidamente ganharam demandas mais amplas. Foi retrato de uma insatisfação com
as condições socioeconômicas e com o governo do então presidente direitista
Sebastián Piñera, demandando melhorias e reformas amplas.
Boric,
à época, era deputado e atuou como um dos principais mediadores entre os
manifestantes e o Legislativo chileno, inclusive para que houvesse o referendo
que culminou na convocação do referendo em que os chilenos votaram pela Constituinte.
Ao contrário do que diz o presidente brasileiro, o líder chileno não participou
da destruição de patrimônios públicos.
—
Como governo nos parece que essas declarações são gravíssimas, obviamente são
absolutamente falsas (...). Lamentamos tirem proveito do contexto eleitoral
para polarizarem as relações bilaterais através da desinformação e das notícias
falsas — disse a chanceler.
O
governo chileno, disse Urrejola, está "absolutamente convencida de que
esta não é a maneira correta de fazer política quando se trata de dois chefes
de Estado democraticamente eleitos". Ela classificou a relação de
Bolsonaro e Boric como "respeitosa, apesar da diferença ideológica",
mas disse que a desinformação "erosiona a democracia, mas neste caso também
a relação bilateral".
Em
uma nota emitida logo em seguida (leia abaixo a íntegra), a Chancelaria chilena
ressaltou os comentários de Urrejola, afirmando que os comentários de Bolsonaro
"são inaceitáveis". O comunicado diz que Boric "já manifestou
publicamente as diferenças que o separam do presidente Bolsonaro, mas ao mesmo
tempo sinaliza a importância de manter a relação bilateral".
No
ano passado, o Chile foi o quinto maior comprador das exportações brasileiras,
segundo dados do Ministério da Economia, ficando atrás apenas de China, Estados
Unidos, Argentina e Holanda. As vendas, ao todo, somaram quase US$ 7 bilhões,
em sua maior parte petróleo e carnes. O intercâmbio comercial entre os dois
países teve seu melhor resultado no ano passado, quando um acordo de livre-comércio
firmado em 2018 entrou em vigor.
A
relação entre Bolsonaro e Boric, contudo, é tensa desde que antes do chileno
tomar posse em março deste ano: por exemplo, o embaixador nomeado pelo Palácio
de la Moneda para o Brasil, Sebastián Depolo, ainda não recebeu agrément — que
na linguagem diplomática significa autorização — do Planalto. Os problemas
começaram ainda na disputa eleitoral, com o presidente brasileiro deixando
claro sua preferência pelo concorrente de Boric, o direitista José Antonio Kast.
Para
o governo brasileiro, a preferência expressa de Boric por Lula também não cai
bem. O petista havia inclusive sido convidado para comparecer à posse em
Santiago, mas não compareceu — quem viajou foi a ex-presidente Dilma Rousseff.
Bolsonaro também não fez a viagem, escalando o vice-presidente Hamilton Mourão
para a tarefa.
O
presidente brasileiro também não compareceu à posse de Fernández, em 2019, ou
de Petro, no início deste mês, que também citou no domingo. Ambos defendem
vocalmente Lula: o argentino chegou a visitar o petista na prisão em Curitiba quando
concorria à Presidência e já o recebeu na Casa Rosada, enquanto o colombiano
disse horas antes de sua posse desejar a vitória de Lula.
—
Olha para onde está indo a economia da nossa Argentina. O presidente da
Argentina, antes de ser presidente, visitou o Lula na cadeia em Curitiba. E o
Lula apoiou ele — disse Bolsonaro, antes de dizer que 40% da população
argentina vive na pobreza, fazendo uma referência à crise econômica que
assombra o governo de Fernández.
Bolsonaro,
em seguida, disse que "Lula apoia também Petro na Colômbia",
afirmando que as medidas dele são "liberação das drogas e de presos".
Referia-se às políticas do novo governo colombiano para combater o narcotráfico
diante do fracasso das décadas de abordagem
proibicionista que mataram milhões pelo mundo nas últimas
décadas.
Bolsonaro
citou também os regimes venezuelano e nicaraguense, citando que o presidente do
país da América Central "persegue cristãos". Falava sobre as tensões
entre a Igreja Católica e o governo de Daniel Ortega, cuja repressão contra os
religiosos aumento em 2018, quando vários templos católicos deram abrigo a
manifestantes feridos nos protestos que eclodiram contra Ortega.
Leia
abaixo a íntegra do comunicado de imprensa emitido pela Chancelaria Chilena:
"O
governo do Chile considera que as declarações formuladas contra o presidente
Gabriel Boric pelo presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, durante um debate
presidencial realizado no dia de ontem são inaceitáveis e não condizem com o
trato respeituoso que deve haver entre chefes de Estado e nem com a relação
fraterna entre dois países latino-americanos.
A utilização política da relação bilateral com fins eleitorais, com base em
mentiras, desinformação e deturpações erosiona não apenas o vínculo entre
nossos países, mas também a democracia, prejudicando a confiança e afetando a
irmandade entre os povos.
O presidente
Boric manifestou publicamente suas diferenças que o separam do presidente
Bolsonaro, mas ao mesmo tempo sinalizou a importância de manter as boas
relações entre os Estados do Brasil e do Chile.
Apesar
das declarações infelizes, o governo do Chile manifesta sua convicção de que o
nosso país e o Brasil tem não apenas uma História comum, mas também enormes
desafios para enfrentarem de maneira colaborativa, razão pela qual esperar
continuar a fortalecer os permanentes vínculos de amizade e cooperação entre
nossos países."
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