A contra-cúpula “OTAN Não, Bases Fora” e a cúpula “Pela Paz” chapa branca pró governo espanhol
Por Ángeles Maestro,
via Resistir.info.
Ángeles Maestro é
médica, lutadora anticapitalista ativa na Espanha e ao mesmo tempo uma militante
internacionalista que abraçou as causas de Cuba e da Venezuela, do Oriente
Médio, com a Palestina como referência fundamental, e as do povo do Saara na
sua luta contra a ocupação marroquina. Ela, como deveria ser, foi uma das
referências da contra-cúpula “OTAN Não, Bases Fora” que em 26 de junho ganhou
as ruas de Madri contra a reunião que a multinacional da guerra iria realizar
nos dias 29 e 30. Eis as suas opiniões que ajudam a esclarecer e informar o que
essa Aliança letal significa, continuando a colocar o mundo à beira do abismo.
– Conte-nos o que
aconteceu no fim de semana em Madri, em torno da contra-cúpula realizada para
denunciar a OTAN, já que entendemos que houve duas manifestações em vez de uma.
O que aconteceu é que houve uma cúpula “Pela paz” que foi a que ocupou o espaço nos meios de comunicação, realizada pelas forças políticas e sindicais que apoiam o governo. Ou seja, Unidos Podemos com Izquierda Unida dentro, Comisiones Obreras, UGT e suas entidades satélites. Digo que ocupou o espaço da mídia porque, obviamente, essas pessoas têm subsídios institucionais muito importantes e apoio dos meios dominantes.
Para o sistema era absolutamente essencial que fossem eles a voz
“contra” a OTAN. Na verdade, na propaganda que fizeram, o “Não à OTAN” era
minúsculo, enquanto em letras grandes aparecia “Pela Paz”, de modo que era uma
mensagem controlada. Ou seja, aconteceu como vimos tantas vezes, quando nas
reuniões em que os povos tentam confrontar essas organizações multinacionais
com crimes que perpetram, optam por financiar a sua própria “posição”.
– “Como é que isso
acontece?”
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Há uma série de ONGs,
forças políticas, sindicatos, que fazem oposição a boca pequena, cobrem o
suposto espaço de confronto, que não é tal, e contribuem decisivamente para
esconder aqueles que, na maior modéstia por falta de financiamento de todos os
tipos, subsídios, etc, têm um discurso que confronta diretamente essas
instituições internacionais criminosas. Então, houve com todos os holofotes uma
cúpula “Pela Paz” na sede das Comisiones Obreras em Madri e depois outra
contra-cúpula, efetivamente a única que merecia tal nome, que tivemos de fazer
numa paróquia da classe trabalhadora em Vallecas porque nos foi negado qualquer
tipo de instalação relacionada com o governo PSOE-Podemos ou municipal, que em
Madri governa o PP, ou do Estado.
– Como foi tomada
essa decisão?
Modestamente, mas
penso com uma força e coerência que auguram, acredito, bases sólidas para
desenvolver o que é indispensável e o que o Estado espanhol precisa,
organizações revolucionárias, coerentemente confrontando o capitalismo e
desenvolvendo um movimento contra o imperialismo e contra a OTAN. Aí nos
encontramos, tem sido importante porque neste movimento praticamente todas as
plataformas contra a OTAN que foram criadas nas diferentes povoações espanholas
convergiram. E quando digo povoações, quero dizer, comunidades autônomas,
pequenas cidades, exceto na Catalunha e Valência em que a hegemonia foi
realizada por aquelas instituições que apoiam o governo.
Por isso, os que
participaram da cúpula “Pela Paz” e, na manifestação de domingo, aumentaram as
fileiras daqueles que cobriam o espaço para disfarçar o apoio ao governo e à
cúpula da OTAN. Convergimos, como disse, com plataformas de todas as
Comunidades, também organizações políticas, algumas organizações sindicais,
bairros de Madri, em suma um conglomerado plural, mas com bases ideológicas
firmes e compartilhadas que foram expressas nos comunicados e neste apelo para
formar o movimento anti-imperialista e contra a OTAN, que representa um arco
que pretendemos tenha um longo caminhar.
– Essa ruptura vem de
antes ou surgiu no decorrer da mesma reunião convocada pelos setores que aponta
como relacionados ao governo?
Em primeiro lugar, deve-se dizer que nunca houve a menor tentação ou vontade nossa de ir a esta “cimeira pela paz”, que ficou muito clara desde o primeiro momento. No entanto, a ruptura ocorreu depois. Não tanto em relação ao encontro, que, como ficou claro desde o início, foi um evento do governo, mas em todos os preparativos para a manifestação. De tal forma que começamos a realizar as reuniões no mês de novembro e a ruptura com a decisão de formar um bloco que claramente dizia “OTAN Não – Bases Fora”, denunciando a cumplicidade do governo na preparação da cúpula, não ocorreu até a primeira quinzena de maio, ou seja, muito mais tarde.
O que eu acho que foi um dos nossos erros, porque quando se têm poucos
recursos, o principal recurso é o tempo. O tempo para chegar a muitos lugares,
poder debater, poder reunir, poder organizar. Eu acho que foi um dos nossos
erros, o que era inevitável porque havia organizações que apostavam desde o
primeiro momento em “unidade, unidade”, uma unidade impossível, porque nos
perguntamos como vamos nos unir com aqueles que estão com um governo que
organiza, financia, compra armas de choque para atacar os manifestantes que
ousaram enfrentar a cúpula da OTAN e, por outro lado, aqueles que se opõem a
isso.
Mas a faísca que
desencadeou a ruptura foi algo incrível: enquanto as bases americanas, ou seja,
organizações satélites do poder dos Estados Unidos em solo espanhol, não fazem
senão fortalecer-se e expandir-se – o acordo bilateral entre o governo espanhol
e o dos Estados Unidos foi renovado no final de maio – havia aqueles que apoiam
o governo que fingiam que a luta contra as bases já estava ultrapassada, que
era uma antiguidade e que estávamos fora da realidade. Foi algo muito chocante,
porque vamos dizer que na OTAN há muitos governos, mas num tratado bilateral
com os Estados Unidos este governo é diretamente envolvido, aquele que tomou as
decisões, não há um coletivo mais amplo, é diretamente o governo espanhol.
Então, aí a ruptura
precipitou-se. Para muitas organizações que estão nesta batalha de longo prazo,
o fato de se ter consumado esta ruptura é a garantia de credibilidade no
futuro. Se tivéssemos ido numa procissão atrás de ministros, atrás de
organizações que apoiam as posições imperialistas mais agressivas há décadas,
então, é claro, teríamos pouca credibilidade para fazer esse apelo para a
formação de um movimento de longo prazo. Especialmente agora, quando não só a
frente contra a Rússia no Leste Europeu está aberta, mas algo que diz respeito
diretamente à Espanha, ao Estado espanhol e é o que eles chamam de O TAN do norte
da África, que neste momento realiza manobras militares com Israel.
Pela primeira vez, o
regime israelense, abertamente, faz manobras militares com Marrocos e outros
países, não sei se o Egito finalmente aceitou, porque é muito grave que um país
árabe esteja participando com Israel em manobras da OTAN. Isso está diretamente
relacionado com a infâmia que o governo espanhol fez há pouco mais de um mês,
para reconhecer a soberania do Marrocos sobre o Saara, que permitiu não apenas
manobras militares, mas como sempre acontece, a cobertura militar é a garantia
para a ação de multinacionais israelenses, espanholas e marroquinas que estão
extraindo petróleo nas águas do Saara para obter os recursos não só do norte da
África, mas também do Sahel envolvendo diretamente as Ilhas Canárias.
– Gostaríamos que
explicasse como o Podemos agiu neste caso. Lemos declarações de que eles,
embora aleguem ser contra a OTAN, ao mesmo tempo não querem arruinar a
Assembleia que Pedro Sánchez preparou para receber a OTAN.
Efetivamente.
Acredito que, como fizeram com a transição espanhola, que venderam na América
Latina como saída democrática das ditaduras da Argentina, Chile, Brasil e
outros países, servindo efetivamente para perpetuar todas as estruturas de
poder, e acima de tudo os aparelhos estatais nas mãos dos mesmos setores que no
franquismo, algo semelhante aconteceu com o Podemos. Neste ponto acho que é
quase impossível negar o papel do Podemos em um ponto: o Podemos surge com a
crise de 2009-2011 com as grandes mobilizações em massa, com as terríveis
tensões na Grécia, onde o Syriza também emergiu tentando enfrentar as políticas
de austeridade da União Europeia.
No entanto, perigoso
para o poder é que as pessoas estavam na rua, milhões estavam nas ruas. Foi
primeiro o 15M, depois as Marchas da Dignidade exigindo o não pagamento da
dívida, e nesse contato de luta de rua e rebelião popular, de toda essa
agitação social surge uma aposta eleitoral. Ou seja, vamos votar a favor, mas
olha como é bom, nós colocamos o voto e, portanto, todos os problemas estão
resolvidos.
De fato, como o PCE
demonstrou na transição e agora o Podemos em ritmo mais rápido e com mais
decomposição, mostram para que serve a suposta esquerda nos governos ou no
apoio a processos políticos. O que essas pessoas vendem é a desmobilização
popular e a confusão da classe trabalhadora e das pessoas em relação aos seus
próprios objetivos. Essa é a bandeja de prata que essas forças políticas
fornecem ao poder, para camuflar as políticas de repressão no campo do trabalho,
no campo das liberdades e agora, da militarização da sociedade.
Por exemplo, a
Espanha e o resto da União Europeia estão num processo que o presidente do
governo pode declarar uma espécie de estado de exceção encoberto que permite
requisitar os rendimentos, é claro, dos pobres, uma vez que não requisitarão
ativos de multinacionais ou grandes bancos, benefícios pessoais obrigatórios
sem direito a indenização. Eles também propõem a perseguição de todas as
notícias, que não precisam ser falsas, mas o que, segundo eles, contribui para
a divisão nacional. Já está criado um Ministério da Verdade.
– Um Ministério da
Verdade? Do que se trata?
É uma instituição
projetada para perseguir qualquer notícia e qualquer pessoa que considere um
perigo para a estabilidade nacional, sem a necessidade de declará-la falsa. E à
frente disso eles colocaram um general, o general Ballesteros, que já está em vigor
no Estado espanhol. Desta barbárie, Podemos, Izquierda Unida, ou qualquer outra
entidade não foi ouvida. É por isso que alerto pessoas de boa fé que tendem a
procurar maneiras fáceis. Entendo que o voto é muito simples, mas é uma
miragem, é uma ilusão muito perigosa que faz atrasar e enfraquecer tarefas que
são absolutamente inadiáveis e iniludíveis da classe trabalhadora e dos povos,
que é enfrentar o capitalismo mais selvagem e o imperialismo mais criminoso que
aqueles de nós vivos já viram.
Agora, o que está em andamento e vamos ver muito em breve, não porque sejam questões morais, não que sejam mais criminosas do que as outras, mas o capitalismo está em declínio muito mais acentuado e, portanto, o risco para o capital de uma revolta popular acontecer é mais forte do que nunca. É por isso que, neste momento, quando a inflação sobe, quando os preços dos alimentos tornam a vida impossível, quando o próprio Fórum Internacional de Davos declarou que 40% do tecido produtivo do mundo deve ser destruído, o que significa milhões e milhões de trabalhadores sem trabalho e sem qualquer esperança de encontrá-lo.
A militarização da
sociedade está em andamento, que é o panorama que nos espera, e essas pessoas,
esses chamados progressistas, por um lado estão colaborando decisivamente e,
por outro, silenciosos diante das medidas, contribuindo para que as pessoas
demorem mais tempo que o necessário para analisar a realidade e tomar decisões.
– Qual é a sua visão
sobre o que aconteceu recentemente em Melilla, uma cidade fronteiriça com
Nador, no Marrocos, já que entendemos que houve um enorme massacre de
migrantes.
Primeiro, devemos
lembrar que há uma ligação com as ações da OTAN na destruição da Líbia, que era
o país mais próspero da África, o país com o maior desenvolvimento humano, que
deu trabalho a milhões, não só aos líbios, mas às pessoas que migraram de
outros países africanos. Na destruição da Líbia o governo espanhol participou,
lembre-se que naquela altura o chefe do Estado-Maior do Exército era um militar
que está no Podemos, repito, Julio Rodríguez, era o chefe do exército espanhol,
que dirigiu os bombardeios na Líbia, um militar que está nas fileiras e órgãos
de liderança do Podemos. Digo isso porque casos concretos valem mil argumentos.
Outro dos fenômenos
em que o imperialismo dos EUA e a União Europeia estão envolvidos é o da
penetração de membros da brigada da Frente Al Nusra, Al Qaeda ou ISIS, em
países africanos, na Nigéria, em Burkina Faso, no Mali, causando massacres,
desestabilizando, de modo que mais tarde os governos que não podem defender-se
chamaram a França, a Grã-Bretanha, os Estados Unidos para defendê-los dos
terroristas. Toda essa situação de desestabilização tem sido acompanhada pela
depredação de recursos naturais que faz dos países que hoje têm o seu povo na
miséria sejam os países mais ricos do mundo em recursos naturais, na pesca, no
coltan (NT: minério do qual pode ser extraído nióbio e tântalo, fundamentais
para a eletrônica), no lítio, no urânio, no alumínio, aquelas matérias-primas
que são roubadas pelas multinacionais europeias e americanas.
Digo isto porque
milhares e milhares de pessoas, as mais fortes, as mais bem preparadas,
atravessaram como puderam distâncias de milhares de quilômetros e tentaram
conseguir trabalho na Europa. Isso deu origem a que durante muito tempo, nos
arredores de Melilla, em território marroquino, dezenas de milhares de pessoas
ficaram acampadas enquanto esperavam uma oportunidade para entrar em território
espanhol.
O que expliquei é
muito importante entender: se as multinacionais europeias e americanas não
saqueassem esses países, e não tivessem destruído o governo mais importante que
serviu como esperança, identidade, unidade e desenvolvimento africano, essas
pessoas não viriam para cá, essas pessoas não vêm aqui para conhecer o mundo,
elas vêm aqui desesperadamente dos seus lugares de origem. Repito o que disse
antes, sobre o que o reconhecimento significou, a mudança substancial na
política do governo espanhol, representada pelo PSOE e pelo Podemos, com respeito
aos direitos do povo saharawi e a traição que o reconhecimento da soberania do
Marrocos sobre o Saara implicava.
Então, o que
aconteceu nestes dias foi um enorme crime executado pela polícia marroquina,
instigada pelo governo. As pessoas que estavam acampadas nas proximidades da
cerca de Melilla, foram levadas ao desespero, suas tendas foram queimadas, sua
comida e água foram levadas, a polícia marroquina adicionou combustível ao
fogo, numa situação que tinha apenas uma saída, e que era a cerca de Melilla.
Eles tentaram saltar por lá e quando as pessoas decidiram fazê-lo, mataram-nos.
Foi o que aconteceu, e por isso, o governo criminoso do PSOE e do Podemos
felicitou imediatamente o governo marroquino e a polícia pelo massacre de
dezenas de migrantes. Isso foi o que eles fizeram, eles estão manchados de
sangue, com o sangue de pessoas cujos países saqueiam, é como o que acontece na
América Latina.
Esta é a ação do
imperialismo, a ação das multinacionais, mas quando há mortos pelo meio devemos
dizer muito alto e muito claro quem são os criminosos. Neste caso é o governo
espanhol que tem usado a polícia marroquina como capangas, mas vamos nos
perguntar quem é o autor intelectual do crime e quem tem aplaudido o crime, e
isso é ninguém menos que o governo espanhol. É muito importante, não é a
primeira vez que acontece, mas nestas proporções, com esta instigação e com
este quadro político do qual a Espanha fará parte da OTAN no norte da África
com Israel, Marrocos, etc., como eu disse, para roubar à mão armada, as
riquezas do povo saharawi e do resto dos países africanos. Este é o momento no
qual tudo isto é claramente visualizado e provavelmente não houve um precedente
tão transparente quanto os eventos deste fim de semana para nos permitir
visualizar.
– É muito claro o que
está dizendo. Essa é a OTAN, que não é mais que o capitalismo encenado e agindo
através de governos como os espanhóis, que ainda têm a ousadia de se chamarem
de “esquerda” e gerar mais confusão do que já existe.
Para terminar, duas
ideias, para reforçar o que está a dizer. Por um lado, a ação do poder espanhol
é um claro comportamento de lacaio diante de seus senhores, destacado como
segurança do flanco sul da Europa, frente aos resíduos humanos que tentam pular
a cerca, e pouco antes da reunião da OTAN se põem os cadáveres daqueles jovens
trabalhadores numa bandeja perante os criminosos reunidos em Madri. Aqueles que
vão jantar no Museu do Prado e que vão se divertir como se fossem pessoas
decentes, quando na realidade são o desperdício da humanidade e a escória da
civilização.
EM TEMPO: Além de Madrid, também aconteceu manifestação em Bruxelas, contra a OTAN. Aliás, com o fim da União Soviética e consequentemente do Pacto de Varsóvia, a OTAN também deveria ser extinta para contribuir com a paz mundial.
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