(Foto: Reuters) |
(Publicado originalmente no site The Saker, traduzido e adaptado por Rubens Turkienicz)
Um dos temas-chave subjacentes à matriz Rússia/Ucrânia/OTAN é que o Império das Mentiras (copyright de Putin) foi sacudido até o fundo pela capacidade combinada dos mísseis hipersônicos da Rússia e um escudo defensivo capaz de bloquear os mísseis nucleares vindos do Ocidente – terminando, assim, com a Destruição Mutuamente Assegurada (M.A.D. - Mutually Assured Destruction).
Isso levou os estadunidenses a quase arriscarem uma
guerra quente para serem capazes de colocar nas fronteiras ocidentais da
Ucrânia os mísseis hipersônicos que estes ainda não têm, ficando assim a três
minutos de Moscou. Obviamente, para isso, eles precisam da Ucrânia, bem como da
Polônia e da Romênia na Europa Oriental.
Na Ucrânia, os estadunidenses estão determinados a
lutar até a última alma europeia – caso isso seja necessário. Esta pode ser a
última jogada do dado (nuclear). Portanto, este pode ser o penúltimo suspiro
para coagir a Rússia à submissão, ao usar a arma de destruição em massa
restante dos EUA: o SWIFT.
No entanto, esta arma pode facilmente ser
neutralizada pela rápida adoção da autossuficiência.
Contando com a colaboração essencial do inestimável
Michael Hudson, eu esbocei as possibilidades de a Rússia superar a tormenta das
sanções. Isto sequer levou em consideração a extensão completa da “caixa preta
de defesa” russa.
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E do contra-ataque – como delineado por John Helmer
na sua introdução a um ensaio que anuncia nada menos do que o Retorno de Sergei
Glaziev.
Como era previsível, Glaziev, que é detestado nos
círculos atlanticistas, foi um dos principais conselheiros econômicos do
Presidente Putin e agora é o Ministro para a Integração e Macroeconomia da
União Econômica da Eurásia (EAEU – Eurásia Economic Union). Ele sempre tem sido
um crítico feroz do Banco Central Russo e da quadrilha de oligarcas intimamente
ligada às finanças anglo-estadunidenses.
O seu mais recente ensaio, Sanções e
Soberania –originalmente publicado por expert.ru e traduzido por Helmer –
merece um sério escrutínio.
Esta é uma dos principais dicas dele:
“As perdas do PIB potencial russo desde 2014
chegam a cerca de 50 trilhões de rublos. Porém, somente 10% disso pode ser
explicado por sanções, enquanto 80% dos mesmos resultaram da política monetária
russa. Os Estados Unidos beneficiam-se das sanções anti-russas, substituindo as
exportações de hidrocarbonos russos para a UE, bem como para a China;
substituindo as importações de bens europeus pela Rússia. Poderíamos compensar
completamente as consequências das sanções financeiras se o Banco da Rússia
cumprisse o seu dever constitucional de garantir uma taxa de câmbio estável
para o rublo, e não as recomendações das organizações financeiras de
Washington.”
Essencialmente, Glaziev recomenda:
- Uma “de-offshorização real da
economia”.
- “Medidas para apertar a regulação da moeda, a fim de impedir a exportação de capital e expandir os empréstimos direcionados às empresas que necessitam de invstimentos financeiros”.
- “Taxação da especulação cambial e de transações em dólares e euros no mercado doméstico”.
- “Investimentos sérios em Pesquisa
e Desenvolvimento a fim de acelerar o desenvolvimento da nossa base
tecnológica nas três áreas afetadas pelas sanções – primeiramente na
indústria de defesa, energia, transporte e comunicações”.
E, por último e não menos importante, a
“desdolarização das nossas reservas em moedas estrangeiras, substituindo o
dólar, o euro e a libra esterlina por ouro.”
Parece que o Banco Central Russo o está escutando.
A maior parte destas medidas já estão sendo implementadas. E há sinais de que
Putin e o governo russo finalmente estão prontos para agarrar a oligarquia
russa pelos testículos e forçá-los a compartilhar os riscos e perdas num
momento extremamente difícil para a nação. Adeus à acumulação de fundos tirados
da Rússia e colocados em offshores e em Londongrad.
Glaziev é “o cara”. Em dezembro de 2014 eu estava
numa conferência em Roma e Glaziev juntou-se a nós por telefone. Ao revisar uma
coluna subsequente que escreví na época, entre Roma e Beijing, fiquei atônito:
era como se Glaziev estivesse dizendo estas coisas literalmente hoje.
Permitam-me citar dois parágrafos do artigo:
“No simpósio – realizado no refeitório dominicano
divinamente pintado com afrescos do século XV e que agora faz parte da
biblioteca do parlamento italiano -, Sergei Glaziev, ao telefone desde Moscou,
fez uma forte leitura da Guerra Fria 2.0. Não há um “governo” de verdade em
Kiev, é o embaixador dos EUA o encarregado. Uma doutrina anti-Rússia foi parida
em Washington para fomentar a guerra na Europa – e os políticos europeus são os
seus colaboradores. Washington quer uma guerra na Europa porque está perdendo a
competição com a China”.
“Glaziev comentou a demência das sanções: a Rússia
está tentando simultaneamente reorganizar a política do Fundo Monetário
Internacional (IMF – International Monetary Fund), lutar contra a fuga de
capitais e minimizar os efeitos do fechamento de linhas de créditos dos bancos
para os homens de negócios. No entanto, diz ele, o resultado final das sanções
é que, em última análise, a Europa será a perdedora econômica; a burocracia
europeia perdeu o seu foco econômico à medida que os geopolíticos
estadunidenses tomaram o poder”.
Há que pagar o
“imposto sobre a independência”
Parece estar emergindo um consenso em Moscou de que
a economia russa se estabilizará rapidamente – considerando que haverá uma
escassez de pessoal na indústria e muitas mãos extra serão necessárias.
Portanto, não haverá desemprego. Pode haver escassez, porém não inflação. A
venda de artigos de luxo – ocidentais – já foi reduzida. Os produtos importados
serão colocados sob controle de preços. Todos os rublos necessários estarão
disponíveis através de controle de preços – como ocorreu nos EUA durante a
Segunda Guerra Mundial.
Uma onda de nacionalização de ativos pode vir a
seguir. A ExxonMobil anunciou que se retirará do projeto de US$ 4 bilhões da
Sakhalin-1 (eles caíram fora da Sakhalin-2, considerada cara demais), que
produz 200 mil barris de petróleo por dia, depois que a British Petroleum (BP)
e a Equinor da Noruega anunciaram que estavam retirando-se dos projetos com a
Rosneft. Na verdade, a BP estava sonhando em tomar 100% da participação da
Rosneft.
Segundo o Primeiro-Ministro russo Mikhail
Mishustin, agora o Kremlin está bloqueando a venda de ativos por parte dos
investidores estrangeiros que pensam em desinvestir. Em paralelo, por exemplo,
a Rosneft está prestes a levantar capitais na China e na Índia – que já são
investidores minoritários em vários projetos e comprar 100% destes – uma
excelente oportunidade para os negócios russos.
Ainda não foi anunciada aquela que poderia ser
interpretada como a Mãe de Todas as Contra-Sanções. O próprio vice-presidente
do Conselho de Segurança russo, Dmitry Medvedev insinuou que todas as opções
estão sobre a mesa.
O Ministro de Relações Exteriores da Rússia, Sergey
Lavrov – canalizando a paciência de 10.000 monges taoístas e ainda aguardando
que a histeria se desfaça – descreve as sanções como “uma espécie de imposto
sobre a independência”, com países barrando as suas empresas de trabalhar na
Rússia sob “imensa pressão”.
Não estão excluídos os contragolpes letais. Afora a
completa desdolarização – como recomenda Glaviev -, a Rússia poderá banir a
exportação de titânio, terras raras, combustível nuclear e, já em vigor,
motores de foguetes.
Alguns movimentos muito tóxicos poderão incluir o
confisco de ativos de nações estrangeiras hostis, o congelamento de todos os
pagamentos a bancos ocidentais e a alocação de fundos numa conta congelada num
banco russo, o banimento completo de todas as mídias estrangeiras, a
propriedade de mídias estrangeiras, várias ONGs e empresas de fachada da CIA; e
o suprimento de armas avançadas, compartilhamento de inteligência e
treinamentos e exercícios militares conjuntos com nações amigáveis.
O que é seguro é que uma nova arquitetura de
sistemas de pagamentos poderá ser oferecida dentro em breve – unindo os SPFS
russos e os CHIPS chineses – a várias nações na Eurásia e no Sul Global –
muitos destes já sob sanções, como o Irã, a Venezuela, Cuba, Nicarágua,
Bolívia, Síria, Iraque, Líbano e a República Democrática Popular da Coréia.
Lentamente, porém seguramente, já estamos a caminho
da emergência de um bloco considerável do Sul Global, imune à guerra financeira
dos EUA.
Os RIC dos BRICS – Rússia, Índia e China – já estão
aumentando o comércio nas suas próprias moedas. Se verificarmos a lista de
nações que votaram na ONU contra a Rússia, ou se abstiveram de condenar a
operação Z na Ucrânia, além daqueles que não sancionaram a Rússia, temos pelo
menos 70% do Sul Global.
Portanto é novamente o Ocidente – além de
satrapias/colônias como Japão e Cingapura, na Ásia – contra o resto da Eurásia,
o Sudeste da Ásia, a África e a América Latina.
O futuro colapso
europeu
Michael Hudson me disse: “Os EUA e a Europa
Ocidental esperavam ter uma Froelicher Krieg(“Guerra Feliz”). A
Alemanha e outros países ainda não começaram a sentir as dores da privação de
gás, minerais e alimentos. ESTE será o verdadeiro jogo. O objetivo seria separar
a Europa do controle dos EUA via OTAN. Isto envolverá “interferências”,
incluindo a criação de um movimento político e um partido da Nova Ordem Mundial
– como o Comunismo o foi há um século. Poder-se-á chamá-lo de um novo Grande
Despertar”.
Um possível Grande Despertar certamente não
envolverá a esfera da OTANstão em futuro breve. O coletivo do Ocidente está em
modo de um sério Grande Desacoplamento, estando a sua economia inteira armada
tendo como alvo, expressado abertamente, de destruir a Rússia e até – um sonho
molhado perene – de provocar uma mudança de regime.
Sergey Naryshkin, chefe do SVR, o descreveu
sucintamente assim:
“As máscaras caíram. O Ocidente não está somente
tentando cercar a Rússia com uma nova 'Cortina de Ferro'. Estamos falando de
tentativas de destruir o nosso Estado – o seu 'cancelamento', como se costuma
dizer agora nos 'tolerantes' ambientes liberal-fascistas. Já que os EUA e seus
aliados não têm nem a oportunidade, nem o espírito para tentar fazê-lo de uma
maneira aberta e honesta de confrontação militar-política, estão sendo feitas
tentativas sorrateiras de estabelecer um “bloqueio” econômico, de informações e
humanitário.
Pode-se argumentar que o ápice da histeria do
Ocidente é a deflagração de uma Jihad Neonazista de 2022: um exército
mercenário de 20.000 homens está sendo montado na Polônia sob a supervisão da
CIA. A massa destes são oriundos de empresas militares privadas, como a
Blackwater/Academi e a DynCorp. O disfarce deles é o “retorno de Ucranianos da
Legião Estrangeira Francesa”. Esta remixagem afegã vem diretamente do único
livro de regras de jogo que a CIA conhece.
De volta à realidade, os fatos no terreno levarão
eventualmente economias inteiras no Ocidente a tornarem-se cadáveres na estrada
- com o caos na esfera das commodities levando à custos estratosféricos de
energia e alimentos. Por exemplo, até 60% das manufaturas da Alemanha e 70% das
italianas podem ser forçadas a fechar para sempre – causando consequências
sociais catastróficas.
A máquina não-eleita e uber-Kafkaesca da UE em
Bruxelas escolheu cometer um Harakiri triplo ao posar arrogantemente como
vassalos abjetos do Império, destruindo quaisquer impulsos remanescentes de
soberania francesa e alemã, e impondo a alienação da Rússia e da China.
Neste ínterim, a Rússia estará mostrando o caminho:
somente a autossuficiência permite a independência total. E o Grande Quadro
também foi intensamente entendido pelo Sul Global: algum dia alguém tinha que
levantar-se e dizer “Basta!”. Com o máximo de poder cru para sustentá-lo.
(*) Pepe Escobar é jornalista e correspondente de várias publicações
internacionais
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