FOLHA - CONSTANÇA REZENDE, RENATO MACHADO E VINICIUS SASSINE
O grupo majoritário
da CPI da Covid irá manter a sequência de trabalhos do colegiado mesmo após a
conclusão das investigações no Senado e a entrega do relatório final ao
procurador-geral da República, Augusto Aras, nesta quarta-feira (27).
Uma das primeiras medidas será investir na criação de um observatório. A ideia é acompanhar sugestões de indiciamento na PGR e projetos de lei no Congresso propostos no documento. Senadores temem arquivamentos por parte de Aras, ou letargia na análise das acusações, diante do histórico do procurador-geral e assessores de blindagem ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
Além disso, o relatório contém 17 projetos de lei sobre os mais variados temas, como a criação de pensão para órfãos cujos pais morreram de Covid-19, aposentadoria por invalidez para pacientes com sequelas, tipificação no ordenamento jurídico brasileiro do crime de extermínio, entre outros. Na entrega do relatório, houve trocas de elogios entre Aras e a CPI. Em um vídeo divulgado pela PGR, o procurador-geral afirmou que a instituição haverá de "fazer um bom trabalho".
"Graças ao trabalho da CPI, nós já temos várias investigações em curso, ações de improbidade, denúncias já ajuizadas, afastamento de autoridades estaduais e municipais", disse. Aras disse ainda que haverá a "agilidade necessária" com a chegada do material referente às autoridades com prerrogativa de foro, como Bolsonaro e seus filhos, o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ) e o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP).
Apesar da desconfiança de que Aras, aliado de Bolsonaro, possa engavetar o relatório, alguns senadores elogiaram a postura do procurador-geral da República, que sinalizou encaminhar os processos. "Me chamou a atenção que a resposta [do Aras] foi muito firme", disse a senadora Simone Tebet (MDB-MS), líder da bancada feminina.
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"Diferentemente de outros posicionamentos, eu vi uma firmeza de propósito. [Ele disse]: 'Eu tenho consciência que represento um órgão de fiscalização e controle", afirmou a Tebet. Além da senadora, participam da reunião Omar Aziz (PSD-AM), Renan Calheiros (MDB-AL), Randolfe Rodrigues (Rede-AP), Humberto Costa (PT-PE), Rogério Carvalho (PT-SE), Otto Alencar (PSD-BA), Fabiano Contarato (Rede-ES) e Alessandro Vieira (Cidadania-SE).
Apesar dos afagos, os senadores, para responsabilizar Bolsonaro, também manterão contato com juristas que colaboraram para a elaboração do relatório, em particular prestando auxílio em outras frentes, como na proposição de denúncia contra o presidente no Tribunal Penal Internacional. Um projeto de resolução que cria formalmente a chamada Frente Parlamentar Observatório da Pandemia de Covid-19, mecanismo previsto no regimento do Senado, foi proposto pelo vice-presidente da CPI.
A proposta já está no sistema da Casa e deverá ser assinada pelo presidente da CPI, senador Omar Aziz (PSD-AM), e pelo vice-presidente, Randolfe Rodrigues (Rede-AP). Segundo o texto, o grupo teria a finalidade de "fiscalizar e acompanhar os desdobramentos jurídicos, legislativos e sociais da CPI, assim como promover debates e iniciativas para fortalecer o Sistema Único de Saúde no Brasil e combater o novo coronavírus".
A frente será
integrada, inicialmente, por senadores que assinarem a ata da constituição e
poderá ter a colaboração de organizações da sociedade civil. Também terá
regulamento próprio, aprovado pela maioria absoluta dos integrantes,
respeitadas as disposições legais e regimentais em vigor.
"Com o fim dos
trabalhos da CPI da Covid-19, tornou-se imperativa a constituição de um grupo
parlamentar para acompanhar e fiscalizar os desdobramentos das investigações e
a responsabilização efetiva de todos aqueles que contribuíram para o
agravamento da maior crise sanitária e social da nossa história", diz o
projeto de resolução.
Também caberá ao observatório o recebimento de novas informações e denúncias sobre irregularidades e erros no combate à pandemia, "tendo como missão a proposição de alterações legislativas que ajudem o Brasil a fortalecer o SUS e a se preparar para novas epidemias". A mobilização dos senadores já foi iniciada nesta quarta. A cúpula da CPI da Covid e integrantes da comissão fizeram um périplo para a entrega e discussão do relatório.
Senadores tiveram, além da reunião com Aras, um encontro com o ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), responsável pelo inquérito das fake news na corte. Os congressistas entregaram cópia do relatório da CPI. Além disso, trataram de dois requerimentos que foram aprovados na comissão que preveem a quebra de sigilo de Bolsonaro nas redes sociais e também do banimento do presidente das redes.
Apesar de a PGR já ter iniciado estudos e fatiamento do material, a própria comissão assumiu junto a Aras a responsabilidade de realizar a divisão e encaminhar as proposições para os foros adequados. A PGR é responsável pelos citados com foro privilegiado Bolsonaro e filhos, além de quatro ministros: Marcelo Queiroga (Saúde), Onyx Lorenzoni (Trabalho e Previdência), Walter Braga Netto (Defesa) e Wagner Rosário (CGU).
"[Decidimos
nós mesmos fatiar] primeiro e sobretudo por dever de cautela. Esse é um dever
de cautela que não é do Ministério Público Federal, não é do procurador-geral.
É nosso", afirmou Randolfe, após a reunião no STF.
Apesar do ambiente
cordial, com elogios, também houve cobranças a Aras.
"Foi muito firme a fala do senador Omar Aziz em relação a isso. Ele citou que o deputado Ricardo Barros que tinha anunciado que em 30 dias a PGR arquivaria tudo. Aziz foi muito firme ao informar que gostaria que essa declaração não fosse uma premonição", disse Randolfe. Os membros da CPI e do futuro observatório querem ainda encaminhar pessoalmente o material fruto do fatiamento, em viagens pelo país.
Nos bastidores, alguns senadores reconhecem que é uma forma de manter a comissão no foco das atenções, embora ressaltem que o objetivo é mobilizar a sociedade e não deixar as revelações caírem no esquecimento. "Essa agenda que estamos fazendo aqui nós vamos repetir pelo país inteiro. Vocês estão presenciando o início de uma agenda de continuação dos trabalhos", disse Randolfe.
O vice-presidente da CPI disse que a iniciativa de fatiar o material, não deixando a cargo da PGR, seria "primeiro e sobretudo por dever de cautela". Os membros da comissão também apostam que a CPMI das Fake News, interrompida desde o início da pandemia, possa ganhar força e herdar a notoriedade da CPI da Covid. Os senadores consideram que as investigações e o destaque midiático angariado podem facilmente ser transferidos para a CPMI, que deve ser retomada no início do próximo ano.
Um requerimento
aprovado prevê o compartilhamento de informações com a CPMI da Covid, já que um
dos focos de investigação da comissão recém-concluída foi a disseminação de fake
news durante a pandemia. Fazem parte da CPMI das Fake News Randolfe e Humberto
Costa (PT).
Também nesta
quarta, os membros da comissão entregaram o relatório final para o presidente
do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), durante sessão plenária. A cerimônia durou
poucos minutos. Antes, em discurso, Omar Aziz agradeceu ao presidente da Casa
pela independência para que a comissão executasse os trabalhos e também cobrou
publicamente Aras para dar prosseguimento às investigações.
"Como disse ao doutor Aras, hoje, na entrega do relatório: que o doutor Aras tenha um compromisso com a nação brasileira. 600 mil vidas perdidas não podem ser engavetadas. 600 mil vidas perdidas não vão ser esquecidas", afirmou o presidente da CPI da Covid. Aziz ainda afirmou que a comissão detém documentos "comprometedores" que serão repassados para os órgãos de fiscalização.
"Qualquer que
seja o argumento para se contrapor, nós estaremos discutindo publicamente, até
porque o relatório não é secreto, é público. Os documentos que temos que são
sigilosos são comprometedores que serão repassados a eles, aos órgãos
competentes, para que possam continuar a investigação", afirmou.
"Não queremos vingança. Queremos justiça. E a justiça tem que ser feita aos mais de 600 mil brasileiros que perderam as vidas por omissão, prevaricação, por desvios e por muitas outras coisas que não condizem com a realidade científica do Brasil", completou. Na noite desta quarta, durante sessão deliberativa na Câmara, o presidente Arthur Lira (PP-AL) atacou o relatório da CPI e disse ser inaceitável a proposta de indiciamento de deputados no relatório.
Lira ressaltou a
gravidade da pandemia de Covid-19 e reconheceu que "erros graves possam
ter sido cometidos no combate à pandemia e que algumas atitudes, inclusive de autoridades
constituídas, possam ter contribuído, em algum momento, para o agravamento da
situação."
No entanto, disse que uma CPI pode muito, mas não pode tudo. "Uma CPI não possui, por exemplo, todos os poderes instrutórios dos juízes e não pode realizar atos exclusivamente jurisdicionais gravados pela Constituição com a cláusula de reserva jurisdicional, cuja prática é atribuída com exclusividade ao Poder Judiciário", afirmou. Segundo ele, a iniciativa de Renan de indiciar deputados por suas manifestações públicas ou privadas "fere de morte princípios, direitos e garantias fundamentais."
Lira ressaltou que
a Constituição assegura a inviolabilidade de deputados e senadores por suas
opiniões, palavras e votos. Na avaliação do presidente da Câmara, "é
absolutamente descabido constranger parlamentar a depor em uma CPI, em virtude
de haver manifestado determinada opinião, pois isso significaria cercear suas
imunidades."
"Quanto a
crimes comissivos, deve-se considerar que os congressistas não têm ingerência
nas ações da Administração Pública nem detêm poder sobre o mérito
administrativo que os habilite a interferir diretamente na condução de
políticas públicas", disse.
Lira indicou ainda
que a Câmara "analisará o teor e a aptidão processual do relatório da CPI
de forma minuciosa, à luz da Constituição Federal, em particular do direito à
liberdade de expressão e da imunidade parlamentar por opiniões, palavras e
votos", segundo o código de ética, para "garantir a liberdade e a
dignidade do exercício do mandato parlamentar."
No fim da sessão
plenária do Senado, Pacheco também abordou o assunto, repetindo que considerou
um "excesso" a inclusão do senador Luis Carlos Heinze (PP-RS), que
depois acabou retirado do relatório. O presidente do Senado disse entender que
há uma garantia de "inviolabilidade" para parlamentares que garante
liberdade para expressar opiniões e votos.
"Não pude
deixar de me manifestar ontem sobre o que considero um excesso que era a
sugestão de indiciamento de um colega senador, o senador Luis Carlos Heinze,
por aquilo que ele representava e o voto que ele proferia", afirmou.
"E
naturalmente que isso se estende aos parlamentares. Porque, de fato, se tiverem
indiciados em razão de palavras, opiniões e voto, obviamente que há uma
prerrogativa de inviolabilidade garantida a todos os parlamentares. Mas
obviamente isso ficará ao crivo das autoridades, das instâncias, as quais terão
de se pronunciar sobre os fatos ali contidos", completou.
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