Movimento por uma Universidade Popular – Pós-Graduação (MUP-PÓS)
O conhecimento não
transforma o mundo por si só e, portanto, não pode ser um fim em si mesmo. De
uma forma ou de outra, é preciso aliar o progresso científico à luta por uma
sociedade mais justa. Muitos cientistas das mais diversas áreas, alguns de
grande renome, fizeram essa leitura e dedicaram-se simultaneamente à pesquisa e
à militância política revolucionária, com maior ou menor grau de interconexão
entre essas atividades.
Nas ciências humanas e sociais, certamente, os exemplos são mais numerosos. É obrigatório mencionar Florestan Fernandes, reconhecido como pai da sociologia brasileira. Professor da USP desde 1945, Florestan deu importantes contribuições desde cedo, estudando criticamente a formação social brasileira a partir, sobretudo, de referenciais mais ortodoxos, como Weber e Durkheim.
Mais tarde, passou a se
engajar politicamente cada vez mais, participando, em particular, da Campanha
em Defesa da Escola Pública (1960-1962). Preso e depois solto pela ditadura
empresarial -militar em 64, continuou sua produção teórica até ser “aposentado
compulsoriamente” em 1969, após o AI-5. Exilado, aproximou-se do marxismo em
seus estudos e escritos, cada vez mais políticos e radicalizados. Na
reabertura, foi constituinte e deputado federal pelo então jovem Partido dos
Trabalhadores. Morreu em 1995, poucos anos depois de declarar que, quando o PT
deixasse de ser “um partido de revolução contra a ordem”, deixaria também “de
ter importância para a instauração da democracia com igualdade social no
Brasil” – democracia que, para ele, teria de ser socialista.
O estadunidense Richard Lewontin, biólogo evolucionista e geneticista, foi pioneiro no campo da genética molecular de populações. Professor de Harvard, respeitado mundialmente por suas contribuições na área, Lewontin era declaradamente marxista e não só fazia uma leitura crítica da ciência – uma atividade social, atravessada pelas contradições estruturais da sociedade – como fez de sua pesquisa um instrumento de combate ao uso da ciência como justificativa para narrativas ideológicas reacionárias.
Devemos a ele a compreensão – hoje consenso científico, mas na
época disputada – de que o conceito de “raça” na espécie humana não se sustenta
do ponto de vista genético e, portanto, é única e exclusivamente uma construção
histórica e social. Lewontin foi membro da organização socialista Science for
the People (“Ciência para o Povo”), por meio da qual engajou-se na luta
antirracista e contra a guerra do Vietnã, além de ter contribuído no debate
sobre a pesquisa financiada pelo agronegócio. Morreu em julho deste ano, aos 92
anos.
Mário Schenberg foi, para alguns, o maior físico teórico brasileiro. Colaborou com físicos como Fermi, Pauli, Gamow e Chandrasekhar. Com os dois últimos, no início dos anos 1940, deu contribuições importantíssimas para a astrofísica, estabelecendo o processo Urca e o limite de Schönberg-Chandrasekhar. Membro do PCB desde 1944, elegeu-se deputado estadual em 1946. Com os demais deputados comunistas, fez aprovar na Constituição paulista a destinação de fundos para a pesquisa científica, o que mais tarde daria origem à Fapesp.
Participou da criação da
Campanha do Petróleo no Estado. Cassado junto com a bancada do PCB em 1948,
chegou a ficar preso por dois meses. Em 1962, foi novamente eleito para a Alesp
e, dessa vez, impedido de assumir, pouco antes de ser preso, em 64, durante o
golpe. Ingressou no Comitê Central do partido em 67 e, com o AI-5, foi também
desligado da USP. Morreu em 1990.
Albert Einstein foi um caso à parte. Sempre preocupado com questões políticas e econômicas, tomou parte em vários movimentos políticos de menor ou maior escala. Na maior parte da vida, sustentava posições social-reformistas, criticando os exageros do livre mercado e começando, lentamente, a notar algumas contradições estruturais do capitalismo. Em 1949, já a poucos anos de sua morte, escreve um famoso ensaio em que defende abertamente o socialismo como única alternativa possível para a humanidade, em linguagem simples e sob clara influência marxista.
O que ficou
para o senso comum foi o estereótipo do gênio inatingível, sempre imerso no seu
próprio mundo de pensamentos transcendentais. Uma farsa ideológica muito
conveniente para a ordem burguesa, que jamais poderia conviver com o verdadeiro
Einstein: brilhante físico, defensor do socialismo.
Mesmo entre os
grandes nomes da ciência brasileira e mundial, esses são apenas alguns
exemplos.
A socióloga Heleieth
Saffioti foi pioneira no estudo da dominação patriarcal como elemento essencial
da formação social brasileira, estudando as relações de gênero, raça e classe a
partir de uma leitura feminista-marxista, mesmo no auge da repressão militar.
Richard Levins foi outro grande biólogo marxista; foi membro do partido
socialista de Porto Rico, lutou pela independência do país, e colaborou
vastamente com Lewontin. O físico David Bohm era próximo de movimentos de
esquerda e, perseguido pela “democracia” estadunidense nos anos 50, exilou-se
no Brasil, onde trabalhou na USP. O matemático Carlos Gustavo Moreira (“Gugu”),
renomado pesquisador do IMPA, é militante do PCB e aparece em seus seminários
sempre com um icônico broche do partido.
Nós, pós-graduandos e
pós-graduandos, sabemos bem que a ciência é uma atividade coletiva, cujos
avanços são construídos lentamente, por pessoas que permanecem individualmente
anônimas, exceto em seus pequenos círculos. O MUP entende que, no Brasil de
hoje, não faz sentido defender “a ciência” como se ela fosse uma coisa à parte,
desconectada do mundo: é preciso aliar-se às lutas populares e dos
trabalhadores e, no caminho de uma nova sociedade, ir construindo uma nova
ciência, a serviço do povo, contra o academicismo e a apropriação privada do
conhecimento. Sem dúvidas, isso implica em uma transformação profunda da
própria Universidade: a construção da Universidade Popular.
Que os exemplos acima
ajudem a nos inspirar nessa luta! Terminamos com o questionamento do físico
brasileiro José Leite Lopes: “Que ciência e que cultura, para qual projeto de
sociedade e em qual mundo? O objetivo da ciência e da tecnologia é libertar o
homem ou criar um mundo governado pela repressão dos poucos ricos sobre os
muitos pobres?”
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