sábado, 21 de agosto de 2021

Banco Central dispara a Selic e aprofunda a crise fabricada

 

Por Maria Lucia Fattorelli.

Monitor Mercantil, Redação

 A taxa de juros corresponde a um dos principais preços de uma economia, pois ela reflete o custo do dinheiro. Quando esse custo é baixo, as empresas se encorajam a tomar empréstimos para investir, abrindo novos ou ampliando seus negócios. Assim, geram mais produtos e serviços, emprego e renda para a população e promovem a circulação da renda na economia, beneficiando todos os setores: indústria, comércio, serviços e o governo, que arrecada tributos em todas as operações. Este é o chamado ciclo virtuoso da economia, no qual todos os setores ganham.

Quando as taxas de juros ficam elevadas demais, ocorre o contrário: a economia fica amarrada e todos perdem, exceto os bancos, que são remunerados diariamente pelo dinheiro que eles não emprestam! Lucram com a Bolsa Banqueiro, que já vinha sendo paga pelo Banco Central através do abuso das Operações Compromissadas, que chegaram a esterilizar R$ 1,6 trilhão em agosto/2020 – o denominado overnight.

Agora a Bolsa Banqueiro será paga também, sem limite, por meio dos Depósitos Voluntários Remunerados, uma jabuticaba trazida pelo PL 3.877/2020, transformado em Lei 14.185/2021, que passou por cima da Constituição e da chamada Lei de Responsabilidade Fiscal para remunerar os bancos, enquanto amarra toda a economia do País.

É evidente que os bancos preferem receber a remuneração diária paga pelo Banco Central, ainda mais diante da disparada da Selic, do que emprestar às empresas e às pessoas a juros baixos. Só emprestam a juros extorsivos. Essa política monetária do Banco Central tem provocado rombo aos cofres públicos e danos a todos os demais setores econômicos. Nossa economia está caminhando para a reprimarização, como evidenciam os dados do IBGE.

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O processo de desindustrialização atinge patamares preocupantes e reflete no aumento do desemprego e no atraso tecnológico do país, enquanto o extrativismo exercido pelas grandes corporações que exploram o agronegócio de exportação e a mineração predatória avança e nos remete à reprimarização econômica.

Apesar dos lucros estratosféricos, o extrativismo não tem contribuído para o financiamento do Estado, pois usufrui de incentivos fiscais e outras benesses tributárias e creditícias, e ainda provoca dano ambiental brutal, evidenciado em constantes crimes ambientais, como os ocorridos em Mariana, Brumadinho entre tantos outros no Pará, nas queimadas nas regiões do Cerrado, Amazônia, no envenenamento de lençóis freáticos, uso abusivo da água etc.

Inúmeros estudiosos já afirmaram que sem indústria de transformação não há desenvolvimento e, para que a indústria exista, é necessário acesso a crédito e investimento em educação e tecnologia. O Brasil tem impedido as duas coisas: a Educação foi um dos setores que mais perdeu recursos no ano de 2020, conforme dados analisados. Universidades, Institutos Federais e até o CNPq estão com seu funcionamento ameaçado diante dos cortes de gastos pelo governo federal, que todavia segue gastando cada vez mais para remunerar diariamente a injustificada Bolsa Banqueiro, que custou quase R$ 3 trilhões em 10 anos!

Por sua vez, o acesso das indústrias ao crédito é vital, pois para se produzir algo é preciso ter dinheiro para financiar instalações, maquinário, matéria-prima, tecnologia, pessoal etc. e aguardar todo o processo de distribuição e venda. Sem crédito, esse processo de industrialização fica inviabilizado. A falta de acesso a crédito barato tem sido um dos principais fatores do retrocesso da indústria nacional e decorre da opção dos bancos em destinar os recursos da sociedade para depósito no Banco Central, recebendo remuneração diária sobre um dinheiro que sequer pertence a eles.

Não é por acaso que bancos seguem batendo recordes de lucros, alcançando o maior patamar histórico de lucros em plena pandemia, enquanto empresas vão à falência, o desemprego explode e milhões de pessoas se transformaram em moradores de rua e passam fome. Isso em um dos países mais ricos do planeta.

Todas as vezes em que o Banco Central dispara os juros, paralisa a economia e aprofunda a crise, o governo acena com algum tipo de compensação para tentar acomodar setores da economia produtiva que são penalizados com os juros altos. Por exemplo, quando o Banco Central elevou a Selic a partir de 2013 até alcançar o patamar absurdo de 14,25% a.a., no qual permaneceu por mais de 1 ano e fabricou a crise que enfrentamos desde então, o governo concedeu vultosas desonerações fiscais às empresas.

Agora, quando o Banco Central dispara novamente a Selic, o governo está apoiando a aprovação de anistias fiscais (PL 4.728/2020 e PLP 46/2021, aprovados no Senado e enviados para a Câmara dos Deputados). Se fizessem as contas, empresários não se contentariam com tais compensações e se organizariam para combater o principal problema que amarra a nossa economia, localizado na política monetária do Banco Central, que fabrica e aprofunda a crise econômica.

Até mesmo o Tesouro Nacional reconhece, em publicação oficial, que inclui comparativo internacional do gasto com juros em relação ao PIB, que “o país é um outlier [comportamento altamente discrepante, fora da curva normal] em toda a série histórica, mesmo quando comparados àqueles países com nível de desenvolvimento semelhante”.

 A justificativa usada pelo Banco Central, de subir juros para combater inflação, é falsa. O aumento dos juros não combate a inflação que existe no Brasil, provocada pelo aumento dos preços administrados (em decorrência de adoção de equivocadas políticas de preços de combustíveis, energia elétrica, transportes, saneamento, entre outros) e elevação no preço de alimentos (decorrente de erros de política agrícola e agrária que priorizam o agronegócio de exportação). Tais preços não se reduzem quando o Banco Central aumenta os juros.

A elevação da taxa básica de juros Selic pelo Banco Central tem repercussão em toda a economia do país, uma vez que essa taxa influencia todas as demais taxas praticadas, tanto nas operações com títulos públicos (elevando o gasto público), como nos empréstimos bancários (consumindo renda das empresas e pessoas).

Adicionalmente, impulsiona ainda mais a Bolsa Banqueiro e o gasto bilionário com a injustificada remuneração aos bancos, que esteriliza mais de R$ 1 trilhão no Banco Central, gera escassez de moeda na economia, empurra as taxas de juros de mercado para patamares estratosféricos e amarra a economia, aprofundando ainda mais a crise fabricada por essa política monetária suicida.

O Brasil está na contramão do mundo, onde as taxas de juros são próximas de zero e até negativas há vários anos, a fim de impulsionar o funcionamento da economia. Precisamos unir a sociedade e interromper a injustificada explosão dos juros, que só beneficia bancos enquanto todos os demais setores perdem.

 Maria Lucia Fattorelli é coordenadora nacional da Auditoria Cidadã da Dívida e membro titular da Comissão Brasileira Justiça e Paz da CNBB.

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