Por Maria Lucia Fattorelli.
Monitor Mercantil, Redação
Quando as taxas de juros ficam
elevadas demais, ocorre o contrário: a economia fica amarrada e todos perdem,
exceto os bancos, que são remunerados diariamente pelo dinheiro que eles não
emprestam! Lucram com a Bolsa Banqueiro, que já vinha sendo paga pelo Banco
Central através do abuso das Operações Compromissadas, que chegaram a
esterilizar R$ 1,6 trilhão em agosto/2020 – o denominado overnight.
Agora a Bolsa Banqueiro será paga
também, sem limite, por meio dos Depósitos
Voluntários Remunerados, uma jabuticaba trazida pelo PL 3.877/2020,
transformado em Lei 14.185/2021, que passou por cima da Constituição e da
chamada Lei de Responsabilidade Fiscal para remunerar os bancos, enquanto amarra
toda a economia do País.
É evidente que os bancos preferem
receber a remuneração diária paga pelo Banco Central, ainda mais diante da
disparada da Selic, do que emprestar às empresas e às pessoas a juros baixos.
Só emprestam a juros extorsivos. Essa política monetária do Banco Central tem
provocado rombo aos cofres públicos e danos a todos os demais setores
econômicos. Nossa economia está caminhando para a reprimarização, como
evidenciam os dados do IBGE.
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O processo de desindustrialização
atinge patamares preocupantes e reflete no aumento do desemprego e no atraso
tecnológico do país, enquanto o extrativismo exercido pelas grandes corporações
que exploram o agronegócio de exportação e a mineração predatória avança e nos
remete à reprimarização econômica.
Apesar dos lucros estratosféricos, o
extrativismo não tem contribuído para o financiamento do Estado, pois usufrui
de incentivos fiscais e outras benesses tributárias e creditícias, e ainda
provoca dano ambiental brutal, evidenciado em constantes crimes ambientais,
como os ocorridos em Mariana, Brumadinho entre tantos outros no Pará, nas
queimadas nas regiões do Cerrado, Amazônia, no envenenamento de lençóis
freáticos, uso abusivo da água etc.
Inúmeros estudiosos já afirmaram que
sem indústria de transformação não há desenvolvimento e, para que a indústria
exista, é necessário acesso a crédito e investimento em educação e tecnologia.
O Brasil tem impedido as duas coisas: a Educação foi um dos setores que mais
perdeu recursos no ano de 2020, conforme
dados analisados. Universidades, Institutos Federais e até o CNPq
estão com seu funcionamento ameaçado diante dos cortes de gastos pelo governo
federal, que todavia segue gastando cada vez mais para remunerar diariamente a
injustificada Bolsa Banqueiro, que custou quase R$ 3
trilhões em 10 anos!
Por sua vez, o acesso das indústrias
ao crédito é vital, pois para se produzir algo é preciso ter dinheiro para
financiar instalações, maquinário, matéria-prima, tecnologia, pessoal etc. e
aguardar todo o processo de distribuição e venda. Sem crédito, esse processo de
industrialização fica inviabilizado. A falta de acesso a crédito barato tem
sido um dos principais fatores do retrocesso da indústria nacional e decorre da
opção dos bancos em destinar os recursos da sociedade para depósito no Banco
Central, recebendo remuneração diária sobre um dinheiro que sequer pertence a
eles.
Não é por acaso que bancos seguem
batendo recordes de lucros, alcançando o maior patamar histórico de lucros em
plena pandemia, enquanto empresas vão à falência, o desemprego explode e
milhões de pessoas se transformaram em moradores de rua e passam fome. Isso em
um dos países mais ricos do planeta.
Todas as vezes em que o Banco Central
dispara os juros, paralisa a economia e aprofunda a crise, o governo acena com
algum tipo de compensação para tentar acomodar setores da economia produtiva
que são penalizados com os juros altos. Por exemplo, quando o Banco Central
elevou a Selic a partir de 2013 até alcançar o patamar absurdo de 14,25% a.a.,
no qual permaneceu por mais de 1 ano e fabricou a crise
que enfrentamos desde então, o governo concedeu vultosas
desonerações fiscais às empresas.
Agora, quando o Banco Central dispara
novamente a Selic, o governo está apoiando a aprovação de anistias fiscais (PL
4.728/2020 e PLP 46/2021, aprovados no Senado e enviados para a Câmara dos
Deputados). Se fizessem as contas, empresários não se contentariam com tais
compensações e se organizariam para combater o principal problema que amarra a
nossa economia, localizado na política monetária do Banco Central, que fabrica
e aprofunda a crise econômica.
Até mesmo o Tesouro Nacional reconhece, em publicação
oficial, que inclui comparativo internacional do gasto com juros em relação ao
PIB, que “o país é um outlier [comportamento altamente
discrepante, fora da curva normal] em toda a série histórica, mesmo quando
comparados àqueles países com nível de desenvolvimento semelhante”.
A elevação da taxa básica de
juros Selic pelo Banco Central tem repercussão em toda a
economia do país, uma vez que essa taxa influencia todas as demais taxas
praticadas, tanto nas operações com títulos públicos (elevando o gasto
público), como nos empréstimos bancários (consumindo renda das empresas e
pessoas).
Adicionalmente, impulsiona ainda mais
a Bolsa Banqueiro e o gasto bilionário com a injustificada remuneração aos
bancos, que esteriliza mais de R$ 1 trilhão no Banco Central, gera escassez de
moeda na economia, empurra as taxas de juros de mercado para patamares
estratosféricos e amarra a economia, aprofundando ainda mais a crise fabricada
por essa política
monetária suicida.
O Brasil está na contramão do mundo,
onde as taxas de juros são próximas de zero e até negativas há vários anos, a
fim de impulsionar o funcionamento da economia. Precisamos unir a sociedade e
interromper a injustificada explosão dos juros, que só beneficia bancos
enquanto todos os demais setores perdem.
Maria Lucia Fattorelli é coordenadora nacional da Auditoria Cidadã da Dívida e membro titular da Comissão Brasileira Justiça e Paz da CNBB.
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