segunda-feira, 3 de maio de 2021

A Petrobras desfigurada e o Brasil desguarnecido

Unidade Classista dos Petroleiros

Um breve balanço do estrago causado pelas gestões privatistas na Petrobrás

A Petrobras tem sido vítima, ao longo de sua história, dos mais sórdidos ataques, por dentro e por fora, buscando inviabilizá-la como principal estatal brasileira. Desde a luta pela sua fundação, os agentes monopolistas internacionais se colocaram de corpo e alma como inimigos da campanha “o Petróleo é Nosso” e do projeto de criação de uma estatal de Petróleo (que viria a ser a Petrobras). Em seguida, fizeram lobby para desencorajar a continuidade do projeto, quando quiseram convencer a dita opinião pública de que no Brasil não havia petróleo.

Mais recentemente, os comunicadores a serviço das petrolíferas e demais corporações estrangeiras papagaiavam que o Pré-sal seria uma farsa. E quando ele se provou altamente viável comercialmente, mudaram o discurso para uma suposta incapacidade da Petrobras de produzir sozinha a partir daquelas reservas. Em suma, estes agentes no Brasil a serviço de interesses antinacionais e antipopulares sempre foram simples sabotadores da nossa soberania.

Pois bem, o golpeachment de 2016 veio para buscar fazer o projeto privatista assumir sua velocidade de cruzeiro, e o desmonte da Petrobras ganhar contornos altamente alarmistas. Mas atenção: não é correto apontar essa data como ponto de inflexão entre uma política de alguma preservação do caráter estatal da Petrobras para uma política pró mercado, privatista. Cabe registro que, no afã de fazer concessões políticas ante uma extrema pressão oposicionista desde as manifestações de 2013, passando pelas polarizadas eleições presidenciais de 2014, o lava-jatismo e a chantagem golpista daí por diante, o governo Dilma e as gestões petistas da Petrobras já tomavam medidas de preparação de terreno e davam até mesmo os primeiros passos da jornada recente de privatização.

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O momento anterior era de uma “disputa equilibrada” entre as esferas pública e privada, gerando um hibridismo sui generis na Petrobras, fruto da própria concepção conciliatória de Lula. Por um lado, a Petrobras de Lula e Dilma jamais teve a ousadia de retirar as ações da bolsa de Nova Iorque ou de revisar a quebra do monopólio. Endividou-se perigosamente em moeda estrangeira, tornando as decisões estratégicas mais e mais reféns de agentes externos e do setor rentista (credores). Seguiu a lógica de rateio de cargos de indicação com fins de acomodação de aliados para preservar algum nível de apoio ao governo. 

E atingiu o pico de terceirização, delegando a empresas privadas boa parte das suas atividades. Essa relação concursado x terceirizado chegou a ser de 1 para 3, quando cerca de 300 mil pessoas estiveram a serviço da Petrobras com uma relação mais instável e precarizada, cedendo suas mais-valias e muito conhecimento da Petrobras a empresas contratadas.

Em se tratando de delegação de atividades e poder ao setor privado, cabe registro de que todo o grande investimento em novas plantas, especialmente de refino, foram feitos através das chamadas EPCistas. Ou seja, também a capacidade de desenvolvimento dos projetos estratégicos de engenharia foram deixados sob poder das empreiteiras, o que permitiu uma verdadeira farra com investimento estatal, na medida em que prazo e custo de projetos eram estourados sucessivamente, em benefício das contratadas privadas. Por outro lado, este foi um período em que houve uma considerável recomposição da força de trabalho da Petrobras por meio de concursos, que estavam praticamente congelados fazia mais de uma década. 

Também foi um período de restauração salarial e relativo avanço de benefícios. Foi também quando se implantou o regime de Cessão Onerosa e de partilha do Pré-sal, que, longe de serem ideais e de alijar os interesses alheios ao Brasil sobre nossas reservas, ao menos melhoraram as condições em relação ao regime de concessão, totalmente entreguista. Também foi nesse período em que se desenvolveu a política de conteúdo local, que priorizava a contratação em território brasileiro para desenvolver nossa indústria, e o investimento da companhia encontrou seu ápice, chegando a U$ 48 bi anuais.

No entanto, no período Dilma Rousseff, sobretudo após 2013, o vetor privatista desse arranjo híbrido começa a se sobressair. Foi na gestão da presidenta petista que se deu o leilão do campo de Libra, do Pré-sal (2013), a privatização parcial da Gaspetro (2015) e o planejamento e primeira tentativa de privatização da BR Distribuidora (2015). Já no desespero de impedir o golpe, na sua estratégia de concessão submissa em vez de enfrentamento, Dilma fez um grande acordo com José Serra para desmontar o regime de partilha do Pré-Sal, permitindo que empresas estrangeiras passassem a operar em campos dessa região e abrindo mão da participação mínima de 30% da Petrobras (2016). Já neste período, o plano de negócios e gestão da Petrobras previa a privatização do equivalente a US$ 15 bilhões em ativos da companhia.

A atrofia como projeto

Foi no período pós-golpe que a privatização alcançou sua velocidade e amplitude máximas. Esse processo se enquadra em uma visão de subordinação a um projeto imperialista que reserva ao Brasil um mero papel de exportação de bens primários na divisão internacional do trabalho. Não é exagero constatar que o projeto da burguesia dos países capitalistas avançados é de monopólio industrial e pós industrial para suas economias, enquanto nos cabe um retrocesso quase colonial, limitando-nos apenas à exportação de artigos agropecuários ou commodities não processadas, como minério e petróleo cru. Para a economia e o povo brasileiros, eles têm a atrofia como projeto.

A privatização está desfigurando a Petrobras

Esses anos de pleno vapor da privatização da Petrobras estão desfigurando esse colosso do povo brasileiro, não só no aspecto de sua participação nas atividades de petróleo, energia e na economia, mas também na sua dinâmica interna de funcionamento. Quanto ao papel da Petrobras nas atividades petrolíferas, estamos sujeitos a uma gestão que considera o valor para o acionista mais importante do que o preço adequado e o abastecimento da população brasileira. Com um projeto de uma empresa totalmente configurada para exportar petróleo cru (obedecendo ao interesse dos países compradores) e distribuir os lucros para acionistas privados, boa parte também estrangeiros. 

Está sendo imposto à Petrobras a quebra da sua verticalização, da sua histórica integração do poço ao posto (exploração, produção, refino, distribuição, petroquímica, etc), algo vital para uma empresa do ramo, não por acaso a meta de que todas as concorrentes perseguem. Estão apostando na concentração das atividades, e concentrações sempre elevam riscos. A lição básica das finanças é que não se coloca todos os ovos na mesma cesta. Na contramão do bom senso, essa concentração se dá em diversos aspectos:

– Concentração na atividade de produção de petróleo cru, conforme descrito anteriormente.
– Concentração regional – restringindo a atuação de uma empresa nacional por vocação praticamente ao Sudeste e desmontando várias economias regionais.
– Concentração temporal – buscando uma produção super acelerada, imprimindo a queima de nossas reservas acima da produção necessária para atendimento da demanda doméstica, enquanto outros países produtores administram sua produção pensando no futuro.

Esses gestores irresponsáveis estão deixando o Brasil totalmente refém de oscilações de mercado, haja vista o exemplo do absurdo preço de paridade de importação praticado para combustíveis e gás de cozinha, que penaliza imensamente o povo brasileiro. Internamente, um conjunto de medidas e iniciativas busca destruir características genuínas da Petrobras e a sua cultura.

Tão logo o golpe foi consumado, trataram de desconstruir o Estatuto da Petrobrás e estabelecer a “Lei das Estatais”, medidas que restringiram a representação dos trabalhadores no Conselho de Administração com uma série de dificuldades, retirando sua autonomia. Também foram essas contrarreformas que permitiram a indicação, sem concurso, não somente de diretores, mas também de gerentes. A mudança mais grosseira se deu sob encomenda, quando se permitiu aceitar estrangeiros no comando, casuisticamente para acomodar um diretor específico que se queria nomear, abrindo uma porteira aos prepostos das transnacionais privadas. 

Ainda no conjunto de violentas mudanças implantadas, foi retirado a fórceps da Missão da companhia o desenvolvimento do país (o que, implicitamente, significa consentir com seu subdesenvolvimento), e foram introduzidas falácias como a dita meritocracia no nosso código de ética!

O desmonte da Universidade Petrobras também se insere nesse contexto, pois a produção de conhecimento próprio é algo emancipatório e necessário na busca da soberania. Quem não se lembra das chocantes desativações de bibliotecas ou mesmo a destruição de ambientes de disseminação de conhecimento como o Espaço Terra e Petróleo, pequeno museu de Geologia?

Os efeitos da privatização foram verdadeiras tragédias para a Petrobras e consequentemente para o país, a partir do lava-jatismo que criou o clima necessário para o golpe de 2016. Perdemos centenas de milhares de empregos direta ou indiretamente ligados à Petrobras, com a quebra de megaobras como a do Comperj e trem 2 da RNEST, o fim das encomendas nacionais especialmente aos estaleiros (com a derrocada desse setor) e a demissão de boa parte dos terceirizados. Enquanto a Petrobras teve um pico de investimento de cerca de US$ 48 bi em 2013, no ano de 2020 estes valores caíram a cerca de US$ 8 bi, menos de 17% do valor anterior!

Os trabalhadores da Petrobrás, que sempre se acostumaram e se orgulharam da diversidade de sotaques, origens (geográficas e sociais) e culturas convivendo harmonicamente, observaram um só time estreito tomar de assalto a cúpula decisória da companhia, com sua cultura financista e seu linguajar e sotaque característico. O fato é que o Partido da Boquinha do Mercado, o clube da Faria Lima, monopolizou os cargos de alta gestão entrando pela janela, e passou a ditar os rumos e as prioridades da companhia. 

Ao mesmo tempo em que se disseminavam estranhos conceitos estrangeiros, com uma bajulação de figuras históricas do liberalismo, como Thatcher e Churchill, se silenciava sobre os nossos grandes nomes. Metodologias financistas importadas e propagação de cursos do Império do Norte têm dado o tom do período. A anglofonia dominou o ambiente corporativo, o que não deixa de ser uma rendição à dominação cultural. Os cursos de gestão e MBA empacotados dos EUA são tidos como a nova Meca.

Não há ambiente de trabalho com trato tão respeitoso, gentil e cooperativo entre os trabalhadores como na Petrobras. Os concursos concorridíssimos geram uma alta capacidade técnica inquestionável, de modo que, entre os petroleiros, sabe-se que a cada interação profissional ou pessoal leva-se um aprendizado. A cultura do sofisma meritocrático acirra a competitividade em substituição a essa colaboração. A hipertrofia da renda variável para poucos amigos da gestão (membros da diretoria passaram a receber até R$ 400 mil mensais em média), em detrimento da renda salarial geral que decai, também cumpre papel nessa desconstrução da ambiência interna. 

São verdadeiros escândalos: a bolada de R$ 1,5 milhão de prêmio levada pelo presidente que fabricou lucro com o desmonte da companhia, bem como a suposta premiação nababesca não negada ao gestor de RH, mesmo após sua demissão por investigação de uso de informação privilegiada para tirar vantagens em jogadas na bolsa de valores. Sem mencionar a curva forçada, que obriga cada gestor a qualificar o desempenho de uma fração de sua equipe com mau desempenho, mesmo que todos tenham sido excepcionais. 

Há uma tentativa de minar o sentimento de bem maior do petroleiro, em prol do Brasil e de seu povo, e de criar um clima de competição, obediência acrítica e medo, pois junto com o “mau desempenho” (entre aspas porque os critérios são subjetivos e os decisores não podem ser questionados) vem o fantasma da demissão, intenção já declarada pelos planos da hierarquia privatista.

No extremo dessa cultura capitalista e mercadológica, a gestão orientou todos os gerentes a praticarem a ladainha do coach com todos os funcionários, com um estranho mantra de “mindset de crescimento” que faz lembrar a teologia da prosperidade. Tudo passa a ser monetizado, numa excêntrica veneração ao acionista, entregando todo o valor gerado pelos trabalhadores como oferendas a estes que muitas vezes são meros especuladores, a maioria estrangeiros. As pessoas não importam, o que importa é o capital, esse abstrator geral que pasteuriza as atividades humanas.

Enquanto todos esses elementos e traços são ressaltados, outros tantos de nossa cultura são completamente ofuscados, quase proibidos. Uma boa análise se debruça sobre o que é dito, mas também sobre o que é intencionalmente omitido. Essa gestão sainte, que entende tudo de finanças mas nada de petróleo, simplesmente aboliu conceitos e termos como “Desenvolvimento”, “Segurança Nacional”, “Soberania”, “Geopolítica”, “Abastecimento” e até mesmo “Pré-sal”. Não se fala em nada disso, pois isso faz lembrar tempos pregressos com concepções e compromissos distintos. 

A solução para legitimar um projeto tão estranho à nossa cultura é exatamente essa: apagar a História. Resgatar nossos feitos pode ser perigoso, pois evidencia que a Petrobras só foi criada enquanto estatal por meio de uma grande luta popular. E que ela é a mola propulsora de nossa economia, que pode permitir nossa emancipação, se a extraordinária renda petroleira que ela gera se der em benefício de quem trabalha, e não dos rentistas.

A atrofia como projeto se manifesta nas atividades mais corriqueiras. Quantos petroleiros que passaram em concursos para desenvolver atividades produtivas se frustram com o papel a que são relegados, de meros contratadores de serviços ou produtos de mercado, ou fiscais dessas contratações?

É preciso, mais do que nunca, reafirmar o caráter estatal da Petrobras, ainda que alguns embusteiros tentem negar essa condição. Não é raro até mesmo alguns petroleiros incautos repetirem a mentira de que “Petrobras não é uma estatal”. Ainda que de economia mista, ela é sim uma estatal, pois tem controle do Estado na sua composição societária. Portanto, deve sim prestar um papel a serviço do desenvolvimento e bem estar de nosso povo!

Cabe agora um prognóstico sobre a gestão entrante, mas isso merece um outro texto. De qualquer forma, adiantamos que não podemos nos iludir. Somente a resistência militante, a organização dos petroleiros em cada base e o engajamento da sociedade na causa da defesa da Petrobras 100% estatal será capaz de reverter esse cenário!

Unidade Classista, futuro Socialista!

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