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Yahoo Notícias, Alma Preta
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No dia seguinte à
abolição, que teve como principais articuladores lideranças negras,
ex-escravizados acordaram sem trabalho, sem terra e sem educação; assim
permanecem seus descendentes
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Confira a quarta
matéria da série “O mito da
abolição”, que toma como ponto de partida o 13 de maio para refletir
sobre as práticas racistas que perduram na nossa sociedade e demonstram a
importância de olhar para o hoje desmistificando mentiras contadas no passado
Texto: Lenne Ferreira
Como falar de abolição no país que
manda matar uma vereadora negra em pleno exercício de um mandato em prol de
políticas públicas para o povo preto? Como falar de abolição no país onde um
adolescente é assassinado em casa por policiais militares durante uma operação?
Como falar em abolição em um Brasil cuja população negra ocupa o primeiro lugar
dos piores índices? Como falar em abolição 133 anos após a assinatura de uma
lei que, além de assinada tardiamente, não representou dignidade para negros
(as) e ainda tenta colocar nas mãos de uma personagem branca o que só foi
possível graças ao suor e sangue de homens e mulheres sequestrados de África.
Os minguados capítulos dos livros de
História não dão conta de toda a articulação protagonizada por lideranças
negras até o momento em que a Princesa Isabel assinou a Lei Áurea, em 1888.
Aqualtune, Zumbi dos Palmares, Acotirene, Ganga Zumba, Maria Firmina e tantos
outros (as) personagens que precisam ser difundidos como centrais na luta pela
abolição. Lida por muitos como redentora, a segunda filha de Dom Pedro 2º,
Isabel, na verdade, atendeu à pressão de países como a Inglaterra, que, no auge
da Revolução Industrial, já não viam sentido em manter o regime escravocrata.
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É preciso pontuar, inclusive que, o
“fim” da escravidão e do tráfico de africanos escravizados através do oceano
atlântico colocou o Brasil em situação de confronto com a Inglaterra em vários
momentos durante o século XIX. Uma dessas tensões foi intensificada com a promulgação,
em 1845, no Parlamento inglês, do Bill Aberdeen, ou em português, a Lei
Aberdeen, que estipulava que qualquer navio negreiro, de qualquer
nacionalidade, poderia ser apressado por navios da marinha britânica no
Atlântico e mesmo em águas brasileiras. Seus tripulantes seriam presos e
julgados por um tribunal inglês. No Brasil, a lei foi repudiada por prejudicava
um dos pilares da economia nacional, o tráfico de escravos.
Mas, voltando à princesa Isabel, que
foi declarada herdeira do trono brasileiro aos 11 meses de idade, é preciso
negritar que a condição de monárquica a colocava num lugar de beneficiada pelo
regime escravocrata ao longo de praticamente toda sua vida. Será que ela abriu
mão de serviçais para ajudar a fechar o espartilho? Segundo o historiador
Henrique Silva de Oliveira, a tentativa de destacar a atuação da Princesa no
processo abolicionista já ensaiava a intenção de preparar terreno para que ela
assumisse o trono imperial.
O especialista explica que o que
sustentou o governo imperial no Brasil foi justamente a exploração dos negros e
negras. Uma prova disso é que, no ano seguinte à abolição, o império foi
desmontado dando luz à República, regime que também não proporcionou dignidade
para a população negra.
“O fim da condição jurídica da escravidão
não garantiu liberdade para a população negra. Pelo contrário, o regime
republicano passou a promover a perseguição por meio de leis como a Lei da
Vadiagem, criada para criminalizar os negros. Ao invés de garantir igualdade de
direitos individuais e irrestritos, ele vai fazer de tudo para preservar
desigualdades”, destaca o historiador.
Com a ausência do senhor
“proprietário” do escravo, era preciso encontrar formas de fazer o controle
social dos ex-escravizados. “O primeiro decreto do governo provisório
republicano foi determinar que os estados poderiam ampliar suas polícias sem
precisar passar pelas assembleias legislativas. É nesse momento que a polícia é
reformulada”, pontua Henrique.
No dia seguinte ao 13 de maio, negros
e negras, a maioria analfabetos e sem posse de terra, precisaram encontrar
formas de sobreviver. O eterno dia 14 é vivenciado até hoje pela população
negra brasileira. São os corpos negros que ocupam o topo das estatísticas dos
piores índices: maioria na população carcerária; maioria nos números de
homicídios; maioria quando o assunto é desemprego. Esta população é a que,
ainda hoje, sofre com a falta de políticas de reparação que não foram colocadas
em prática no momento em que a Lei Áurea foi sancionada.
“Precisamos pensar que a igualdade
não se dá no campo formal. A legislação que diz que somos iguais não é capaz de
tocar na vida real das pessoas. A gente pode até não desprezar o 13 de maio,
mas ele não pode ter o sentido que os brancos querem dar, de que a Lei Áurea
foi um presente ou uma concessão”, reforça o historiador.
Avanços precisam ser reconhecidos em
diversos campos, mas mesmo após 133 anos da abolição, eles não serviram para
garantir o direito básico à vida para quem luta por ela. A morte de Marielle
Franco, uma pós abolicionista do nosso tempo, é um exemplo do quanto estamos
distantes de um ideal de liberdade. O assassinato do menino João Pedro, de 14
anos, baleado numa operação policial no Rio de Janeiro, ou a morte do menino
Miguel, no Recife, que caiu de um prédio por negligência da patroa branca da mãe,
que não dispensou a empregada negra nem quando ela contraiu Covid-19, são
triste exemplos do quanto a abolição segue inconclusa e comprova: “13 de maio
não é dia de negro”.
(O título do texto é uma citação da música
“Quilombo Axé” (Dia de Negro), do grupo pernambucano Afoxé Oya Alaxé e de
autoria de Zumbi Bahia.
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