Já há alguns meses, talvez mais de um ano, tenho observado em redes sociais, grupos de WhatsApp e em alguns perfis identificados com as forças de oposição ao governo de Jair Bolsonaro e Paulo Guedes, com certa insistência e de forma repetitiva, a publicação de argumentos que reduzem nossos graves problemas nas contas públicas e da economia do país hoje aos estragos praticados pela Operação Lava Jato.
De forma dirigida, a pergunta que tem
sido colocada se resume a: se o Brasil está em crise a culpa é do PT ou da Lava
Jato?
Vamos aos fatos. A Operação Lava Jato
deixou de ser uma ação de combate à corrupção, da forma como foi iniciada,
passando a ser um instrumento político, assim que se percebeu a disputa em que
poderia incidir e o lado que poderia favorecer. A operação então passou a ser
cuidadosamente conduzida para gerar fatos políticos e de grande alcance
midiático e lá se cometeram diversos crimes, pelo juiz Sérgio Moro e sua tropa
de procuradores.
Toda a sua “obra” está desabando
agora. De uma coisa, porém, não há como fugirmos: que havia corrupção na
Petrobras, havia, antiga, e que não havia sido denunciada até o início da Lava
Jato, pois não se barraram os vícios herdados dos anos de FHC e até antes dele.
Por quê?
Óbvio, também nesse aspecto
interesses outros pegaram carona na Operação Lava Jato, puseram o pé no
acelerador, não só contra a Petrobras, mas, sobretudo, contra grandes empresas
de construção civil no país. Interesses nacionais e internacionais, diga-se de
passagem. Assim, é evidente que o caos que tomou conta das atividades
econômicas pertinentes ao setor de petróleo e à construção civil trouxe graves
problemas à economia do país.
Entretanto, para além de problemas
conjunturais derivados da Lava Jato, questões estruturais, herdadas nos anos de
FHC e sua subserviência à globalização financeira, permaneceram intocáveis nos
anos que lhe seguiram. Falo especialmente da adoção perene do tripé câmbio
flutuante, regime de metas de inflação e metas fiscais para o superávit
primário, culminando com a intocabilidade da dívida pública, estratégia
especial de acumulação do capital rentista, tão conhecido por suas ações de
tutela sobre a política monetária e fiscal do estado brasileiro, postas a seu
serviço.
A título de exemplo, apenas uma das
operações realizadas pelo Banco Central – realizada com a desculpa de controlar
inflação, mas que na verdade corresponde à remuneração da sobra de caixa dos
bancos (o velho “overnight”) – tem utilizado cerca de R$ 1,5 trilhão de títulos
da dívida pública federal interna e consumido centenas de bilhões de reais do
orçamento público todos os anos, além de gerar escassez de moeda, provocar
elevação dos juros de mercado e amarrar o funcionamento da economia.
Por isso não há como criticarmos o
caos ora dominante só a partir da Operação Lava Jato. Não há futuro em ficarmos
nesse maniqueísmo. Essa é uma linha de raciocínio equivocada e pobre. Digo
mais: atende a interesses que não fazem avançar a avaliação nem dos anos de
FHC, nem dos governos do PT, de Temer e Bolsonaro/Paulo Guedes.
A oposição ao projeto
Bolsonaro–Guedes, em seu largo espectro, age corretamente, sim, em defender seu
impeachment (pelo menos parte dela), em defender os direitos sociais, o Auxílio
Emergencial de R$ 600 e o fortalecimento do orçamento do SUS, mas deve também
debater, denunciar e enfrentar a macroeconomia da riqueza financeira, as
políticas tributária, monetária, cambial, o papel do Banco Central e sua
infantaria ortodoxa, o sequestro da política fiscal para atender à
sustentabilidade da dívida pública (desde a Lei Complementar 101/2000 e as
Emendas Constitucionais ECs 95/2016, 106/2020 e 109/2021), as opções de
financiamento e endividamento do estado brasileiro.
E nisso aí, inúmeros passivos foram
gerados para servir aos rentistas, nos anos de FHC, patrono do neoliberalismo,
passando pelos governos do PT, chegando aos dias atuais.
Parte da esquerda discute e cobra
muito, com razão, a atenção às demandas sociais, mas não discute a produção e a
apropriação da riqueza, sobretudo em tempos de acumulação rentista via dívida
pública, que se acanha em debater. Por quê? Insegurança?
Por que não se enfrenta a proposta de
auditoria para escancarar os mecanismos da chamada dívida pública? Por que
defendem mais privilégio aos rentistas à custa do suor da classe trabalhadora,
ao alegar que bastaria emitir moeda e pagar a dívida interna, ignorando a
política monetária do Banco Central que irá remunerar continuamente essa moeda em
poder dos bancos, aumentando mais a concentração de renda e injustiças sociais
no país?
Temos que derrubar os muros do
castelo inexpugnável que tenta nos impor a compreensão dos temas econômicos
como temas áridos, difíceis de chegarem aos trabalhadores. Muros que vamos
contorná-los com decisões e alianças políticas. Por isso, temos que aprofundar
a crítica ao capital, às estratégias políticas, jurídicas e econômicas de
aprofundamento da exploração. Para traçarmos caminhos de enfrentamento e
rupturas.
Derrotar Bolsonaro, Guedes e seu
projeto ultraneoliberal é tarefa de hoje, amanhã e 2022, mas não será
consistente se cairmos no maniqueísmo reducionista que confere à Lava Jato a
autoria exclusiva do caos. A análise deve ser mais profunda e mais abrangente. O
roteiro da barbárie que estamos vivendo não começa nessa página criminosa, mas
vem de antes e tem muito mais páginas a serem denunciadas e derrotadas.
Uma delas, sem dúvida, é o sistema de
sequestro do Estado e das finanças públicas pelo capital rentista, alimentado
pelas políticas monetária, cambial e pelo Sistema da Dívida pública. Não nos
esqueçamos do que Florestan Fernandes nos ensinou em 1981 em O que é revolução.
Um diagnóstico errado leva a sacrifícios inúteis.
Paulo Rubem Santiago é ex-deputado federal (2003/2014) e professor da UFPE. Foi Titular da CPI da Dívida Pública – 2010.
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