11 de fevereiro de 2021
Articular o passado historicamente não significa conhecê-lo “tal como ele propriamente foi”. Significa apoderar-se de uma lembrança tal como ela lampeja num instante de perigo. lmporta ao materialismo histórico capturar uma imagem do passado como ela inesperadamente se coloca para o sujeito histórico no instante do perigo. O perigo ameaça tanto o conteúdo dado da tradição quanto os seus destinatários.
Para ambos o perigo é único e o mesmo: deixar-se
transformar em instrumento da classe dominante. Em cada época é preciso tentar
arrancar a transmissão da tradição ao conformismo que está na iminência de
subjugá-la. Pois o Messias não vem somente como redentor; ele vem como vencedor
do Anticristo. O dom de atear ao passado a centelha da esperança pertence
somente àquele historiador que está perpassado pela convicção de que também os
mortos não estarão seguros diante do inimigo, se ele for vitorioso. E esse
inimigo não tem cessado de vencer.
Walter Benjamin
Milton Pinheiro
A vida humana está em
perigo. A crise capitalista mundial avança com marcas bastante desiguais. Uma
parte significativa de países encontra-se marcada pela lógica da espoliação,
sem maior capacidade de responder ao ataque imperialista que tem pautado uma
nova reconfiguração da extração de mais-valia. No centro do sistema, a
prioridade é operar pequenas mudanças no processo fiscal sem, contudo, deixar
brechas para o bem-estar social, mesmo aquelas de caráter mínimo e rebaixado.
Nos EUA, a crise
política e societária aprofundada pela lógica do governo do agitador fascista,
Donald Trump, nos seus quatro anos de mandato, alimentou o ovo da serpente do
neofascismo; possibilitou o crescimento de forma mais organizada das hordas
(milícias) armadas pelo país; projetou uma pauta de costumes extremamente
retrógrada; impediu de forma organizada a presença de integrantes de povos
periféricos em território estadunidense; comportando-se de forma leniente e
negacionista diante do Covid 19; fomentando uma crise política que colocou em risco
o caráter da democracia formal estadunidense, quando da invasão do congresso
nacional (Capitólio) por hordas neofascistas, racistas e xenófobas após a sua
derrota eleitoral.
Continue lendo
A eleição do Joe
Biden foi uma reação importante do povo estadunidense à barbárie em curso, no
entanto, não significa uma mudança radical na ordem de prioridades da forma
gerencial na estrutura política dos EUA. Significa sim, que o modelo gerencial
do Trump colocava em crise o sistema e desarticulava os fundamentos básicos da
dominação interna e externa desse país. Portanto, são mudanças para reorientar
essa dominação…
Biden vai operar no
campo da “normalidade institucional”, reconfigurando o papel da mediação
política na forma da dominação, constituindo espaços de questionamento ao
racismo, à imigração da periferia e ao desastre ambiental em curso pelo mundo,
em particular, no Brasil. Além da mudança de posição sobre a questão do Covid
19, o governo Biden retira da cena política institucional o negacionismo e a
paralisia diante da gigantesca mortandade causada pela pandemia no país.
Todavia, é importante
refletir que o governo Biden representa uma melhor posição no bloco de poder
das frações da burguesia estadunidense que advém da indústria do armamento e do
petróleo. Não visualizamos, no atual governo, uma política externa que seja
antiagressiva em relação aos povos em luta e/ou que deixe de exercitar seu
caráter imperialista.
Os povos seguem em
luta, e na América Latina tivemos levantes populares importantes; são pautas de
caráter progressistas que têm levado à mudança na relação de força, com
vitórias na Argentina (tributação das grandes fortunas, direito ao aborto,
recuperação de direitos…), Bolívia (retorno ao governo, com ampla mobilização
popular, de forças de esquerda…), Chile (amplo movimento pela modificação
constitucional, mudança no sistema de direitos trabalhistas e previdenciários,
reordenamento dos pilares da democracia formal…), Peru (com grandes
manifestações populares…), etc.
Entre nós, a crise
brasileira se aprofunda com vasta fermentação política e econômica. Saímos do
processo eleitoral com a vitória do bloco da direita tradicional, sem ampliação
significativa do bloco bolsonarista mais original, com uma importante derrota
da esquerda social-democrata de caráter tardio e da esquerda
nacional-desenvolvimentista, representada pelo PT e PC do B. Porém, tivemos um
crescimento nas câmaras municipais de muitas capitais e grandes cidades da
representação de vereadores/as do campo identitário que se movimentam pela
conquista de políticas públicas para combater as opressões da sociabilidade
capitalista (PSOL e PT).
O campo da esquerda
que majoritariamente centraliza suas ações nos confrontos clássicos da luta de
classes, sem, contudo, deixar de entender a importância das lutas específicas,
também saiu derrotado desse processo. O cenário pós-eleitoral marcha, se não
houver intervenção dos segmentos populares, para um avanço do bloco de direita
na política brasileira.
Os descaminhos da
crise sanitária tomaram conta do Brasil, concretamente pela incapacidade de
gestão do governo federal, pautado no comportamento negacionista e na lógica
criminosa das hordas bolsonaristas. A pandemia avançou de forma avassaladora,
matando milhares de vida nesse começo de 2021 (o país avança para além das 230
mil mortes). Tudo isso agravado pela falta criminosa de oxigênio na região
norte do país, em especial, no estado do Amazonas.
Em um primeiro
momento, desse começo de ano, a crise pautada na “segunda onda” do Covid 19, na
incapacidade gerencial do governo federal diante do episódio da falta de
oxigênio, no debate sobre compras de alimentos supérfluos para o palácio,
mobilizou uma massa crítica que se movimentou de forma mais ativa pelo
impedimento do presidente. No entanto, alguns fatores adentraram na cena
política e mudaram o clima político de frente ampla que começava a pedir o
impedimento do agitador fascista, Jair Bolsonaro.
Bolsonaro agiu em
duas frentes, usou a mídia corporativa para dizer que vai colocar na ordem do
dia do parlamento as contrarreformas administrativa e tributária e, ao mesmo
tempo, operou um forte movimento para eleger seus aliados para presidente das
mesas do senado e da câmara dos deputados, respectivamente.
O governo federal
agiu de forma muito “eficiente” em todas as frentes para mudar a correlação de
forças: agindo sobre a mídia corporativa no sentido da pauta das “reformas”;
operando no balcão de negócios da relação governo/parlamento (liberando 3
bilhões em emendas parlamentares para eleger seus candidatos); agindo de forma
falaciosa na questão das vacinas e rearticulando, provisoriamente, o bloco
burguês. Bolsonaro saiu vitorioso nessas contendas da ordem institucional.
O caos controlado da
lógica de governo se rearticulou. A esquerda institucional continua, com o episódio
da eleição nas casas do congresso nacional, mostrando-se incapaz de visualizar
saídas que não se deixem capturar pela centro-direita no parlamento. O PT, PC
do B, setores do Psol capitularam diante dos argumentos de Rodrigo Maia e foram
derrotados no enfrentamento com a base bolsonarista no parlamento. Mesmo o Psol
lançando a candidatura de Erundina, no primeiro turno, o debate interno sobre
esse processo desvelou a postura oportunista de boa parte da bancada. Ao fim e
ao cabo, Baleia Rossi, líder de uma parte do “Centrão”, teve mais fidelidade de
segmentos da esquerda institucional (que nem sequer debateu uma pauta para
mediar o apoio) do que dos seus comparsas de direita. Venceu a direita do
centrão, venceu a ultradireita Bolsonarista; perdeu a esquerda institucional.
Este último espectro não consegue ter nem uma pauta mínima em um momento de
crise do Estado capitalista, a exemplo da tributação das grandes fortunas e do
congelamento da dívida. A relação de forças entrou em um novo patamar.
O parlamento
brasileiro é um disforme estatuto político. Os deputados em tese não seguem as
definições ideológicas das suas agremiações. O parlamento sempre foi capturado
pela lógica do balcão de negócios e da pequena política do governo de plantão.
Nosso problema não é a quantidade de partidos, mas a forma política da relação
parlamento/executivo. Temos 23 partidos com assento na Câmara dos Deputados:
PSL 53, PT 52, PL 43, PP 40, PSD 35, MDB 34, PSDB 33, PR 31, PSB 30, DEM 28,
PDT 27, Solidariedade 13, PTB 11, Podemos 10, PROS 10, PSOL 10, PSC 09, PC do B
09, NOVO 08, Avante 08, Patriota 06, PV 04 e Rede 01. Cada parlamentar tem
187.922,00 para gerir mensalmente o mandato. A Câmara tem 01 presidente e mais
06 membros (2 vices e 04 secretários) que, pelo seu regimento hierarquizado,
não têm maior importância política.
Essa nova relação de
força no parlamento pode ter reflexo na sociedade; movimentando o lixo da
política contra os interesses da classe trabalhadora, unindo a mídia
corporativa na informação/apoio sobre as contrarreformas e, provisoriamente,
aliando um forte bloco burguês por mais ataques ao fundo público.
A grande questão da
conjuntura, neste momento, se apresenta em dois sentidos, no campo
institucional e da luta de classes: trata-se do enfrentamento à reforma
administrativa e da batalha pelo impedimento do presidente, afirmando a
consigna do Fora Bolsonaro e Mourão. O sentido da contrarreforma é para
privatizar os serviços públicos, retirar o Estado do atendimento às questões
sociais que afetam os trabalhadores/as, à população em geral e o povo pobre das
mais diversas periferias. Querem acabar com o SUS, querem criar o fisiologismo
das indicações para entrar no serviço público, destruindo o ordenamento no que
diz respeito aos servidores públicos, querem abrir a possibilidade de
constituir carteiras de negócios para a burguesia, naquilo que é de obrigação
do Estado em todos os níveis: federal, estadual e municipal.
Apesar da lógica
burguesa das contrarreformas com toda força, cabe ao conjunto da classe trabalhadora
abrir um conjunto de lutas que tenha como centralidade a disputa pelo
acirramento da luta de classes. Precisamos ter fôlego para denunciar de forma
inovadora e ampla o sentido dessas contrarreformas ultra neoliberais;
precisamos de formas organizativas ágeis que sejam marca registrada da unidade
de ação do conjunto dos trabalhadores/as, segmentos populares, periféricos e de
juventude. O momento é de rearticulação da organização da classe trabalhadora,
do avanço do trabalho de base, da movimentação de formas presenciais de lutas
(com a devida preocupação sanitária) e da construção de uma frente política,
social e de esquerda que conforme um bloco proletário e popular na perspectiva
da frente única de esquerda.
Lutamos em defesa da
vida, das liberdades democráticas, dos serviços públicos, da vacinação para
todos/as já. Lutamos em defesa do futuro, para isso, só as ruas podem derrotar
Bolsonaro!
Nenhum comentário:
Postar um comentário