- Patricia
Sulbarán Lovera
- BBC
News Mundo
A cidade de
Washington impôs um toque de recolher nesta quarta-feira a partir das seis da
tarde
Um acontecimento que não se via nos Estados Unidos desde o século 19.
Um grupo de apoiadores do presidente americano, Donald Trump, invadiu e depredou a sede do Congresso dos EUA, em Washington, após ultrapassarem as barreiras montadas por agentes de segurança, em meio a confrontos isolados. O ato violento no Capitólio na quarta-feira (6/1) ocorreu logo depois que Trump discursou para uma multidão em frente à Casa Branca, a quase 3 km dali, repetindo acusações sem prova e rejeitadas por diversos juízes do país de que houve fraude na eleição em que perdeu para Joe Biden.
O que se viu no Capitólio foram cenas de caos, com congressistas deitados no chão, sendo evacuados e colocando máscaras antigás. Para o professor de governabilidade da Universidade Harvard, Steven Levitsky, a invasão do Congresso foi uma resposta a "quatro anos de descrédito e deslegitimação da democracia" por parte do Partido Republicano e de Trump.
Levitsky é coautor do livro Como as Democracias Morrem, de 2018, no qual expõe "os sinais alarmantes que põem em risco a democracia liberal dos EUA".
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Estudioso também dos processos democráticos e presidenciais da América Latina, Levitsky descreveu a invasão do Capitólio por apoiadores de Trump como uma "tentativa de autogolpe", em entrevista à BBC News Mundo, serviço da BBC em espanhol. Para ele, "a grande diferença entre esse autogolpe e os autogolpes na América Latina é que Trump foi completamente incapaz de obter o apoio dos militares" e "um presidente que tenta permanecer no poder ilegalmente sem o apoio dos militares tem poucas chances de sucesso". Segundo sua análise, "a democracia sobreviverá a este dia", mas o que se coloca para o futuro do país é um período de crise bastante incerto.
BBC - Que interpretação o senhor dá para a insurgência de
apoiadores de Trump no Capitólio dos Estados Unidos?
Steven Levistky - Pode-se presumir que isso iria acontecer. Donald Trump e muitos, muitos líderes republicanos têm incitado, têm mentido para sua base que os democratas estão arruinando o país e subvertendo a democracia. Eles vêm dizendo isso há cinco anos. E então, depois de perder a eleição, não só Trump mas também líderes do Partido Republicano estavam lá no Congresso, repetindo a mentira e desacreditando a legitimidade da democracia e das instituições. Depois de anos mobilizando sua base com uma linguagem que incluía termos como socialismo ou traição, pode realmente surpreender que isso esteja acontecendo depois que você perdeu a eleição?
Na história da América Latina, quando os líderes incitam seus seguidores em um ambiente altamente polarizado, as pessoas agem. Palavras têm significado, elas têm poder. O que me surpreende nisso é como a polícia estava mal preparada. MAGES
BBC - Como o senhor interpreta as reações de alguns membros do
Partido Republicano e do próprio presidente Trump, que em um tuíte nesta
quarta-feira (6/1) pediu a seus apoiadores que não fossem violentos?
Levistky - O presidente
já foi radicalmente violento antes e, se não queria que isso acontecesse,
precisava agir mais rápido e se mobilizar para evitar. Ele provavelmente não
deveria ter sugerido que marchassem até o Congresso. Trump os enviou para lá,
ele os incitou a se mobilizarem para o Congresso. O fato de que os líderes
republicanos agora estão rompendo com Trump é hipócrita, depois de o apoiarem
por anos, mas é importante e positivo. Parece-me positivo ter visto discursos
como o de Mitch McConnell (líder da maioria do Partido Republicano no Senado).
BBC - Estamos diante de uma revolução, de um golpe de Estado, de uma
insurreição?
Levitsky - É uma
variante do que na América Latina chamaríamos de autogolpe. É um presidente
mobilizando seus apoiadores para permanecer no poder ilegalmente. Será um
autogolpe fracassado, mas é uma insurreição do poder para tentar subverter os
resultados da eleição e permanecer no poder ilegalmente. Eu diria que foi uma
tentativa de autogolpe.
BBC - Na América Latina, esse tipo de situações que
o senhor descreve são prejudiciais à democracia. O senhor diria
que este é um momento perigoso na história americana? Diria que a democracia
permanecerá forte, e o presidente eleito Joe Biden será empossado em 20 de
janeiro?
Levistky -Tenho esperado com
terror por este dia na democracia americana nos últimos quatro anos. Todos os
dias durante quatro anos. Nossa democracia está em grave crise e este é o ponto
culminante dela. Mas não é que tenha saído do nada. Nossa democracia está em
crise há vários anos e acho que vai continuar assim. Este autogolpe vai
fracassar. Aqueles que protestarem em algum momento serão retirados do
Capitólio e em algum momento a eleição de Biden também será certificada, e
Trump será removido da Presidência. Agora, não está claro como isso vai
acontecer. Mas Trump vai fracassar, e a democracia americana sobreviverá aos
eventos de hoje.
Mas isso não
significa que está tudo bem. São acontecimentos aterrorizantes e prejudiciais
como na América Latina. A grande diferença entre esse autogolpe e os autogolpes
na América Latina é que Trump foi completamente incapaz de obter o apoio dos
militares. Um presidente que tenta permanecer no poder ilegalmente sem o apoio
dos militares tem muito poucas chances de sucesso.
BBC - O senhor fala com segurança que a democracia sobreviverá
e que esta será uma tentativa fracassada.
Levistky - Hoje.
Acredito que, no médio prazo, estamos nos aproximando de um período de crise.
Eu digo que esta tentativa de hoje irá falhar, porque a correlação de forças
não existe para apoiar Trump. Não tem apoio militar. A democracia sobreviverá
quando acordarmos amanhã, mas não posso garantir o que acontecerá daqui a cinco
anos. A democracia americana é um desastre.
BBC - O presidente eleito Joe Biden mencionou que a democracia estava
"sob um ataque sem precedentes" com os acontecimentos desta
quarta-feira. Esta situação é extraordinária no contexto da história americana
moderna?
Levistky - É extraordinário e sem precedentes no contexto da história americana moderna. No século 19, o país passou por uma era de violência, especificamente nos anos anteriores à Guerra Civil, e também vivenciou violência, especificamente em nível estadual, durante anos após a Guerra Civil. Portanto, em meados do século 19, os EUA experimentaram crises ainda mais graves do que as que vemos hoje. Mas não sofremos algo assim no século 20. Isso não tem precedentes na história democrática moderna.
BBC - E quais são os mecanismos dos poderes constituídos para lidar com
essa crise? Na Constituição ou nas legislaturas?
Levistky - Formalmente, existem dois mecanismos, mas nenhum deles foi usado até agora. Um é o impeachment ou o impeachment que leva à remoção. Nos EUA, ocorreram julgamentos políticos de presidentes, mas não resultaram em sua destituição do poder. É um processo bastante longo, a menos que o façamos à maneira peruana, de retirar o presidente durante a noite. É improvável que isso aconteça. E há outro mecanismo, a emenda nº 25 à Constituição, que é mais recente porque foi aprovada em meados do século 20, e também não foi usado até agora. Nenhum desses mecanismos foi adotado.
A América Latina tem muito mais experiência em provocar a destituição de presidentes que abusam do poder do que os EUA. A grande maioria das democracias presidencialistas está na América, mas nunca usamos o mecanismo americano para remover um presidente nos termos constitucionais. Acho que a melhor saída seria Trump renunciar, seria que aqueles de seu próprio partido pressionassem Trump a renunciar. Ele não vai, mas deveria.
BBC - Mas ele está dizendo que não vai. Então, se ele nunca o fizer, se
ele nunca ceder, o que acontece?
Levitsky - Durante o mês de
novembro, esperei que sua filha e seu genro o fizessem entender, e há
reportagens que indicam que ele sabe que perdeu e que deve ir embora. Uma
característica de Trump é que ele não antecipa as consequências do que diz e
faz. Então, eu não acho que ele previu o que acabou acontecendo hoje no
Capitólio, embora ele o tenha instigado.
Acho que Trump sabe que tem que sair e acho que o cenário mais provável, apesar deste terrível golpe fracassado, é que os americanos virem a página e deixem Trump passar suas últimas duas semanas no cargo. Tudo é possível neste momento, mas parece improvável que ele tente se recusar a sair em 20 de janeiro. Não teremos mais uma transição pacífica de poder, mas será, mais ou menos, uma transferência de poder habitual.
BBC - O senhor disse que a invasão do Capitólio é o ponto
culminante de cinco anos de um intenso jogo político entre o presidente Trump e
o Partido Republicano. O que o senhor acha que acontecerá no contexto
de uma nova Presidência democrata de Joe Biden?
Levitsky - Eu acho que é
muito incerto. Decerto não há tantas pessoas nas ruas; obviamente estão fazendo
muito barulho, mas em comparação com a marcha das mulheres depois que Trump foi
eleito, esta é uma festa no jardim. Não é que as massas estejam tomando as
ruas, isso não é uma revolução. Esta não é a Argentina em outubro de 1945.
Então, o que eu
acho, dependendo do que Trump faz, é que em algum momento ele terá que
desistir. E se ele desistir e voltar para a Flórida, acho que isso vai ficar
mais fraco. Ainda haverá uma direita radicalizada e mobilizada, mas não acho
que Biden esteja enfrentando uma crise de governança.
Na verdade, acho
que talvez isso o fortaleça. Porque agora os republicanos estão à beira de uma
divisão severa. Portanto, acho que há várias coisas que podem acontecer: Uma,
que o Partido Republicano finalmente se reúna e derrube Trump, de modo que ele
acabe isolado, junto com seus aliados como (Rudy) Giuliani e as pessoas a quem
perdoou. E que Mitch McConnell, Marco Rubio e até Ted Cruz acabem abandonando
Trump.
A outra coisa que
pode acontecer é que o Partido Republicano se divida, quebre, como parecia que
ia acontecer nesta quarta-feira. Não estou falando de uma divisão formal, mas
de uma composição na qual haja uma ala do partido que ainda esteja fortemente
alinhada com Trump e outra ala que esteja tentando ir além de Trump. E se os
republicanos estiverem divididos, Biden será fortalecido.
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