Mariana Sanches - @mariana_sanches - Da BBC News Brasil em Washington
qui., 17 de dezembro de 2020
Enviado climático e
cotada para secretária do novo presidente se aproximaram de lideranças políticas
indígenas do Brasil
Se o presidente
brasileiro Jair Bolsonaro demorou 38 dias para reconhecer a vitória de Joe
Biden à Presidência dos Estados Unidos e patina para estabelecer conexões com
os democratas, a oposição ao seu governo no Brasil tem se mostrado mais efetiva
em construir pontes com a nova administração, que começará oficialmente no dia
20 de janeiro.
E uma parte
importante dessa conexão tem sido operada por meio de lideranças indígenas, com
quem Bolsonaro tem acumulado embates.
A última prova
disso é o lançamento de uma parceria entre a parlamentar americana democrata
Deb Haaland e a deputada federal brasileira Joênia Wapichana (Rede-RR).
Na semana
passada, as duas conversaram pelo telefone para coordenar esforços
interamericanos para avançar em pautas de respeito aos direitos dos povos
nativos e proteção ao meio ambiente nos dois países.
"Continuaremos
colocando Bolsonaro na fogueira enquanto ele cometer violações dos direitos
humanos, seguir no esforço para destruir a Floresta Amazônica e colocar nosso
planeta em risco de um desastre climático ainda maior", afirmou Haaland em
nota enviada à BBC News Brasil.
Entusiasta da
gestão do republicano Donald Trump, que tentou sem sucesso a reeleição,
Bolsonaro já havia se posicionado publicamente em favor de um segundo mandato
para Trump, de quem se disse fã.
Seu filho e
deputado federal, Eduardo Bolsonaro, que em 2019 acalentou o desejo de ser
embaixador em Washington, fez campanha por Trump em suas redes sociais.
Após a
divulgação do resultado do pleito, o Itamaraty mergulhou em silêncio enquanto
até duas semanas atrás Bolsonaro dizia ter informações sobre "fraude
eleitoral". Na terça-feira (15), o presidente enviou "saudações"
a Biden", "com meus melhores votos e a esperança de que os EUA sigam
sendo "a terra dos livres e o lar dos corajosos".
E acrescentou:
"Estarei pronto a trabalhar com o novo governo e dar continuidade à
construção de uma aliança Brasil-EUA".
Haaland é a
primeira mulher indígena a ser eleita para o Congresso americano
Haaland: crítica a Bolsonaro e cotada para o
gabinete de Biden
O caminho dessa
cooperação, no entanto, pode ser acidentado. Isso porque existe uma sincronia
de movimentos de atores políticos nos legislativos tanto no Brasil quanto nos
Estados Unidos que dificultam a aproximação.
"A gente
tem visto um Itamaraty disfuncional, declinante, com o filho do presidente
(Eduardo) como uma eminência parda da política externa. Então outros atores
políticos passaram a atuar, como o legislativo brasileiro, que geralmente não
têm protagonismo no tema. Do lado do Brasil, vemos uma politização histórica da
política externa", afirma Guilherme Casarões, professor de relações
internacionais da Fundação Getulio Vargas.
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"Ao mesmo
tempo, pela primeira vez, o Congresso americano mostrou interesse em se
aproximar do legislativo brasileiro e a vitória de Biden empoderou esse grupo
de deputados democratas que está na Câmara."
Primeira mulher
indígena a ser eleita para o Congresso americano, Haaland é cotada para ser a
secretária do Departamento de Interior do presidente-eleito Joe Biden, o que a
colocaria no primeiro time da nova administração.
Haaland se
tornou uma das principais críticas de Bolsonaro no partido — e na Câmara —, e
tem trazido nomes proeminentes da agremiação consigo para as manifestações
públicas contra o mandatário brasileiro, como o senador Bernie Sanders e a
deputada Alexandria Ocasio-Cortez. Ela passou a atuar tanto na pressão pública
a Bolsonaro, por meio de cartas, quanto na proposição de medidas contra os
interesses do governo brasileiro no Congresso americano.
A deputada
americana tentou, por exemplo, barrar a aprovação do status do Brasil como
aliado militar extra-OTAN, uma das conquistas mais comemoradas pelo Itamaraty
sob Bolsonaro.
Nas últimas
semanas, ela se empenhava em cortar do Orçamento de Defesa dos EUA a previsão
de verba pública para o acordo de salvaguardas tecnológicas entre os países,
que deve viabilizar lançamentos de satélites americanos da base de Alcântara,
no Maranhão.
Em maio de 2019,
pouco depois do anúncio do acordo para uso da base de Alcântara, Haaland
conseguiu angariar assinaturas de 54 congressistas americanos para uma carta
enviada ao secretário de Estado americano, Mike Pompeo, na qual alertava para
"violações dos direitos humanos de comunidades indígenas e quilombolas no
Brasil".
Meses antes,
além de Wapichana, a política americana recebeu no Congresso dos EUA as
parlamentares oposicionistas Erika Kokay (PT-DF) e Fernanda Melchionna
(PSOL-RS).
Wapichana
encontrou-se com Haaland no Congresso americano em fevereiro de 2020
Em junho desse
ano, voltou à carga com uma carta enviada ao presidente da Câmara brasileira,
Rodrigo Maia (DEM-RJ), em que pedia a derrubada de um projeto de lei que previa
ampla regularização fundiária na Amazônia e que acabou batizado pelos críticos
de "PL da Grilagem".
"Entendemos
que esse projeto é muito prejudicial para a floresta amazônica, uma vez que
legalizará grandes áreas de terras públicas que já foram ocupadas e desmatadas
ilegalmente", escrevia Haaland, na carta assinada por 18 de seus colegas.
No mesmo
período, seus colegas da Comissão de Orçamento e Tributos da Câmara enviaram
comunicação às autoridades comerciais americanas dizendo que se opunham a
qualquer avanço em tratados comerciais com o Brasil de Bolsonaro.
E em dezembro,
Haaland assinou com outros 21 colegas um pedido de proteção à deputada federal
Talíria Petrone (PSOL-RJ), em que qualificava as políticas de Bolsonaro como
"antidemocráticas e xenófobas".
"O que
estamos fazendo é expor para o mundo as ações do governo Bolsonaro que precisam
parar e teremos intercâmbio de relações legislativas intensas", afirmou à
BBC News Brasil a deputada Joênia Wapichana.
Segundo ela, o
governo Bolsonaro deveria "ter atuado de forma mais diplomática e menos de
acordo com preferência individual" com os democratas. Questionado
repetidas vezes sobre o assunto, o embaixador brasileiro em Washington, Nestor
Forster, afirma manter bom trânsito nos dois partidos.
John Kerry e os
Munduruku
Mas não para por
aí. Em outubro de 2020, enquanto a disputa para a Presidência da Casa Branca
chegava à reta final, em Washington D.C., a líder indígena Alessandra Korap
Munduruku recebia o prêmio Robert F. Kennedy de Direitos Humanos.
Korap ganhou
proeminência ao pedir a expulsão de garimpeiros das terras de seu povo, motivo
pelo qual passou a ser ameaçada de morte.
A líder tem
denunciado que desde a chegada ao poder de Bolsonaro, a situação das populações
nativas se deteriorou.
Bolsonaro já se
posicionou publicamente a favor do garimpo em terras indígenas, contra a
destruição de maquinário usado por madeireiros para derrubar ilegalmente a floresta
na Amazônia e, durante a campanha, prometeu que não demarcaria mais nem
"um centímetro quadrado" de área para essas populações.
Kerry foi
Secretário de Estado dos Estados Unidos entre 2013 e 2017
No evento de
homenagem a Korap, coube a John Kerry, recém-nomeado por Biden como enviado
especial de mudanças climáticas para o Conselho Nacional de Segurança, fazer o
principal discurso da noite. Ali, ele disse à Korap que se comprometia a lutar
a seu lado.
"O povo
Munduruku no Brasil é guerreiro de muitas formas diferentes. Tem resistido
ativamente à pressão constante, violenta, ilegal e, às vezes, patrocinada pelo
Estado, de madeireiros e mineradores para explorar suas terras. Alessandra,
você falou e continua a falar a verdade ao poder. E é extraordinária a maneira
como você luta pelos pulmões do planeta, a maneira como você luta para proteger
nossa terra e por todos os bens comuns que precisamos nos esforçar para
salvar", disse Kerry, responsável pela formulação das propostas para meio
ambiente da campanha de Biden.
Naquele mesmo
mês, o democrata surpreendeu o governo brasileiro ao citar o desmatamento na
Amazônia como um exemplo de como mudaria sua liderança global em relação à
gestão Trump durante um debate televisivo entre os candidatos.
Ao anunciar que
pretendia criar um fundo para a preservação do Bioma, Biden afirmou: "Aqui
estão US$ 20 bilhões, pare de destruir a floresta. E se não parar, vai
enfrentar consequências econômicas significativas". A fala foi vista pelo
governo Bolsonaro como uma ameaça à soberania do país.
O poder da oposição
americana a Bolsonaro
Para Casarões, é
difícil dimensionar o poder desse grupo de deputados democratas, no qual
Haaland é uma liderança. Isso porque, diferente do Brasil, o presidente
americano depende essencialmente do legislativo para aprovar medidas centrais e
por enquanto a Câmara é a única das duas casas que os democratas controlam por
enquanto - a maioria no Senado para o próximo ano ainda está indefinida.
Considerado um
moderado e centrista entre os Democratas, Biden terá que fazer concessões à ala
mais à esquerda do partido para poder governar.
E um tema no
qual seria mais fácil chegar a um consenso é justamente a agenda ambiental, na
qual Bolsonaro é visto como um antagonista claro para o partido. Biden já
anunciou, por exemplo, que recolocará os EUA no Acordo de Paris, de onde Trump
retirou o país, em um movimento que Bolsonaro admitiu ter vontade de copiar.
Bolsonaro tem
relação conflituosa com povos indígenas
No final de
novembro, dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostraram
que a Amazônia brasileira perdeu mais de 11 mil quilômetros quadrados de área
de floresta no período entre agosto de 2019 e julho de 2020.
É o maior
desmatamento registrado nos últimos 12 anos. Nesta quarta, dia 16, a OCDE
(Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), grupo de países do
qual o Brasil quer se tornar membro, divulgou relatório em que aponta que o
Brasil tem falhado em coibir a devastação ambiental.
"As
discussões políticas enviaram sinais contraditórios sobre o compromisso (do
governo) com a estrutura de proteção ambiental existente", afirma o
relatório da OCDE, que exorta o governo a aumentar o orçamento para a
fiscalização.
Reservadamente,
democratas afirmam não ver condições de interlocução nesses temas com o
chanceler Ernesto Araújo, que, em setembro de 2019, deu uma palestra em um think
tank conservador na capital americana no qual questionava premissas
científicas do aquecimento global.
"O
negacionismo climático que uniu Bolsonaro a Trump simplesmente não funcionará
com Biden, que priorizará ações climáticas globais ambiciosas, incluindo a
proteção da Floresta Amazônica. O problema não é apenas dos ministros atuais e
seus discursos públicos, mas as políticas destrutivas do governo Bolsonaro no
assunto continuarão a isolar o Brasil de governos e investidores
internacionais", afirma Andrew Miller, um dos diretores da organização
ambiental Amazon Watch.
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