Edmilson Costa*
Os últimos números
anunciados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para o
Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, no segundo trimestre deste ano,
representam a maior tragédia da economia brasileira desde que esses dados
começaram a ser apurados pela instituição. O PIB apresentou uma queda de -9,7%,
a maior da história econômica moderna do País. Do ponto de vista setorial, essa
queda se torna mais grave se observarmos que a indústria em geral despencou
para -12,9%, sendo que a indústria de transformação, o coração da cadeia de
criação de valor, registrou uma queda de -17,5%. Os serviços caíram também
-9,7% e somente o setor agropecuário teve um desempenho positivo de 0,4%.
Se observarmos outros
dados relevantes para a conjuntura econômica, poderemos constatar a gravidade
da situação econômica: o consumo das famílias, importante indicador para o
desempenho do PIB, caiu para –12,5%, mesmo com o auxílio emergencial aprovado
pelo Congresso, e as despesas do governo com consumo foram reduzidas para
-8,8%. Um indicador ainda mais alarmante é a performance do investimento
(Formação Bruta de Capital Fixo), que retroagiu para -15,4%. Com esses
resultados a economia brasileira regrediu aos patamares de 2009. Isso significa
que, mesmo que em algum momento se retome o crescimento econômico, levaremos
muitos anos para recuperarmos o tombo registrado nos últimos tempos e,
particularmente, neste ano de 2020.
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Não se pode esquecer
que o desempenho da economia ocorre num ambiente de dura realidade
sócio-econômica do País: redução da massa de salários, crise sanitária que já
vitimou mais de 123 mil brasileiros e contaminou cerca de quatro milhões,
desemprego generalizado (se somarmos os desempregados e desalentados, se
aproxima de 20 milhões de trabalhadores), além de termos ainda 34 milhões na
informalidade e outros tantos milhões na miséria absoluta. Numa situação dessa
ordem somente o fanatismo ideológico do ministro Paulo Guedes pode acreditar no
conto de fadas de uma retomada do crescimento econômico a partir do setor
privado.
Como se sabe em
qualquer manual de economia, o investimento é o principal fator de crescimento
da economia, porque investir significa comprar máquinas e equipamentos,
matérias-primas, contratar pessoas, entre outros itens. Quando o investimento
apresenta uma queda dessa magnitude é porque a economia está em uma situação
muito difícil. Mais grave ainda: mesmo com as taxas de juros baixas, os
empresários deixaram de investir porque sabem que, numa conjuntura de recessão,
desemprego e crise econômica, tanto nacional, quanto internacional, se
investirem na produção, não terão para quem vender seus produtos. Por isso se
tornam inteiramente bizarras as afirmações do ministro da economia no sentido
de que a retomada do crescimento econômico deve ser realizada pelo setor
privado.
Ao contrário do
discurso otimista que os adoradores do mercado e os porta-vozes governamentais
vinham afirmando, o Brasil enfrenta a pior recessão de sua história econômica
moderna, com o agravante de que o País já tinha registrado uma grande recessão
entre 2014 e 2016, no período de Dilma Rousseff e, posteriormente, uma
continuada estagnação econômica, com crescimento pífio pouco acima de 1% nos
anos posteriores. Portanto, os resultados desse último trimestre vêm apenas
demonstrar que, se Paulo Guedes continuar com essa política de terra arrasada,
a economia brasileira permanecerá por um largo tempo nesse processo de
estagnação.
As mentiras de Paulo
Guedes
O ministro Paulo Guedes
é uma mistura de criminoso social, mentiroso contumaz e manipulador de dados,
destacando-se ainda que está em guerra permanente contra os trabalhadores. Ao
assumir o ministério prometeu uma espécie de paraíso para a sociedade
brasileira: se as reformas fossem implantadas, o Brasil retomaria o crescimento
econômico, criaria milhões de empregos, reduziria os privilégios e melhoraria a
vida do povo brasileiro. O que se pode constatar nesse período de governo é um
fracasso retumbante na área da economia e um desastre social, com aumento da
concentração de renda, do desemprego e da miséria absoluta em todo o território
nacional.
Guedes tem sido, tal
qual Bolsonaro, um mensageiro do caos. Ele está colocando uma granada não
apenas no bolso do funcionalismo público, mas dos trabalhadores e da população
brasileira em geral. A política desenvolvida pelo Ministério da Economia tem um
risco calculado: da mesma forma que o presidente, ele quer impor o caos porque
acredita que só num ambiente desestabilizado, com todos desesperados diante de
falsificações e fanfarronices, será capaz de emplacar sua agenda neoliberal.
Ele sabe que medidas de tamanha brutalidade só podem ser implementadas numa
ditadura. Como não tem força para realizar esse desejo, como na ditadura de Pinochet,
a quem serviu, a tática é o caos, a intimidação, a mentira e a manipulação. Só
numa conjuntura dessa ordem pode atingir seus objetivos.
Ao impor a reforma
trabalhista, Guedes disse que esta reforma iria criar milhões de empregos
porque desburocratizaria as relações de trabalho. Mentira: a reforma
trabalhista devastou os salários e direitos dos trabalhadores e não criou
nenhum emprego. Pelo contrário, aumentou o desemprego, precarizou a vida dos
trabalhadores e permitiu que os empresários pudessem demitir em plena pandemia.
Na verdade, com a desregulamentação do trabalho, o objetivo de Guedes é avançar
com a barbárie: cerca de 50% dos assalariados brasileiros se transformariam em
horistas, ganhando por hora trabalhada e não mais por salário mensal, sem
direitos a descanso semanal remunerado, férias, 13º salário e outros direitos.
Esse é o mundo ideal de Guedes.
Outra de suas grandes
mentiras é recitar, como se fosse um mantra, que o governo está quebrado, que
não pode gastar, que se gastar a inflação explode. Por isso, seria necessária a
reforma da previdência, a partir da qual o País economizaria em 10 anos cerca
de R$ 1 trilhão. Com esse discursinho raso emplacou a reforma e deixou as
gerações futuras desamparadas, sem perspectiva de aposentadoria, a não ser que
realizem um plano de previdência privada junto aos amigos de Guedes no sistema
financeiro.
É também com esse
discurso mentiroso que está tentando aprovar a reforma administrativa. Diz que
a máquina pública precisa ser enxuta, que os servidores são parasitas que sugam
o Estado como se este fosse um hospedeiro generoso, que o governo gasta 90% da
receita com funcionários, que esses trabalhadores tiveram aumento de 50% acima
da inflação, que é necessário acabar com a estabilidade no emprego e reduzir os
salários. Mentira: na verdade, os gastos com funcionários públicos é de cerca
de 20% da receita e, como percentual do PIB, inferior ao que se gastava em
2002. Mas Guedes aposta na desinformação e na prática de repetir a mentira até
que esta se torne uma verdade.
É importante destacar
essa questão da estabilidade no emprego: o que Guedes quer mesmo é retroagir à
condição do funcionalismo público na década de 20 do século passado, onde
sequer existia concurso público para as funções do Estado. Ele quer desmontar o
pouco que resta de direitos dos trabalhadores e abrir as portas para o
clientelismo, o coronelismo, retirando dos trabalhadores qualquer tipo de
garantia e autonomia para investigar os dirigentes políticos de plantão. Como é
que um funcionário público, sem estabilidade, vai redigir um parecer contra um
prefeito, um governador, um parlamentar ou membro do Executivo federal?
A quebra da
estabilidade abre as porteiras para o assédio moral, para chantagens e para
demissões. Ao acabar com os concursos públicos, quer ampliar o domínio das
oligarquias no interior do Estado, como na República Velha, onde os “coronéis”
e governadores eram os que indicavam os funcionários de acordo com seus
interesses. No caso particular do Brasil atual, se não existisse concurso
público, Fabrício Queiroz e vários milicianos com certeza estariam em um cargo
de confiança no governo.
Como manipulador de
dados estatísticos, Guedes sempre costuma apresentar dados falsificados para
justificar suas políticas neoliberais. Recentemente, para justificar o fim da
destinação obrigatória de verbas para os gastos sociais, como saúde e educação,
garantidos pela Constituição, ele inventou a lorota do descontrole das finanças
públicas. Mas habilmente escondeu que, se existe problemas com as finanças
públicas, é exatamente porque o governo paga anualmente mais de R$ 350 bilhões
por conta da dívida interna. Aí está o principal elemento de desorganização das
finanças públicas no Brasil.
Um agente dos
banqueiros
Na verdade, o Brasil
não tem um ministro da economia, tem um agente dos banqueiros que quer
implantar a ferro e fogo a agenda neoliberal para servir aos interesses da
oligarquia financeira nacional e internacional. Há dois episódios muito
representativos de quais interesses comandam a economia brasileira atualmente.
Logo no começo da pandemia, começou-se a discutir a necessidade de um auxílio
emergencial paras as pessoas que ficaram desempregadas ou sem atividade
econômica em função da doença. Guedes queria no início aprovar apenas R$ 200
para cada pessoa. Depois de muito debate e pressão da sociedade, visto que R$
200 era uma quantia ridícula, o Congresso aprovou a quantia de R$ 600.
No entanto, no mesmo
período as autoridades econômicas aprovaram repassar para os bancos R$ 1,2
trilhão, de forma a que o sistema financeiro facilitasse o sistema de crédito
para as empresas em dificuldades em consequência da pandemia. Os banqueiros não
utilizaram esse dinheiro para irrigar o crédito, mas para especular na Bolsa de
Valores, que passou a bater recordes de alta, ou para depositar o próprio
dinheiro, como sobras de caixa, no Banco Central e receber juros sobre esses
depósitos. Agora mesmo, o Conselho Monetário Nacional autorizou o repasse de R$
325 bilhões para o Tesouro Nacional, resultado dos ganhos contábeis com as
reservas cambiais em função da desvalorização do real. Mas esses recursos serão
destinados exclusivamente ao pagamento da dívida interna.
Enquanto isso, o
governo reduziu o auxílio emergencial para os 67 milhões de pessoas (de R$ 600
para R$ 300), o que significa cortar pela metade a comida na mesa dessas 67
milhões de famílias. Ou seja, em plena pandemia, a prioridade desse governo, e
de Paulo Guedes em especial, que afinal queria uma quantia ainda menor, é
favorecer os interesses dos banqueiros (e que se dane a população brasileira!),
uma vez que os recursos repassados ao Tesouro dariam para bancar com folga o
auxílio emergencial de no mínimo R$ 600 pelos próximos sete meses.
Aliás, o conjunto de
meias verdades e mentiras completas do ministro Paulo Guedes ficou
completamente desmoralizado nessa crise: o discurso da austeridade, da
responsabilidade fiscal, do corte dos gastos, das privatizações não era nada
mais nada menos do que pretextos para destruir direitos, garantias e salários dos
trabalhadores, transferir o patrimônio público para o setor privado e avançar
despudoradamente sobre o fundo público. Num passe de mágica, surgiu dinheiro
para repassar aos bancos, para cobrir o auxílio emergencial e para transferir
recursos ao Tesouro para pagar a dívida interna.
A ofensiva da
burguesia e a alternativa classista
Agora as classes
dominantes e seu principal porta-voz, a Rede Globo, ensaiam novamente o
discurso do teto dos gastos, da responsabilidade fiscal e da austeridade. A
próxima ofensiva ideológica para os pós-pandemia já se pode prever: o governo
vai argumentar no sentido de que o Estado gastou muito com a pandemia e que é
necessário apertar o cinto para pôr as contas em ordem. Mas esse discurso vai
encontrar enorme resistência: primeiro, porque em várias partes do mundo essa é
uma narrativa que está sendo posta de lado. Muitos governos conservadores,
diante da necessidade objetiva de responder à questão do emprego e da retomada
da economia, estão colocando em marcha planos heterodoxos na área econômica.
Aqui mesmo no Brasil, inclusive no interior do governo, já há um debate sobre
os caminhos a serem seguidos para retomar a economia.
Mas,
independentemente das contradições entre as frações das classes dominantes,
tanto nacionais quanto internacionais, todos são ferrenhos defensores do
capital, da ofensiva contra os trabalhadores, das privatizações e do assalto ao
fundo público. Não se pode ter nenhuma ilusão: quem tiver vai pagar um alto
preço político. A propósito, todos estão de olho nas privatizações que o
governo está anunciando: entre as empresas estão os Correios, a Eletrobrás, o
Pré-Sal, além do desmembramento por dentro da Caixa Econômica Federal, do Banco
do Brasil e da Petrobrás. Assaltar o patrimônio nacional e o fundo público está
na ordem do dia das classes dominantes.
Por isso, as forças
classistas não podem cair na ilusão de alianças com o inimigo. É necessário
pensar estrategicamente. Não dá para pensar apenas no varejo. As medidas
antipopulares, o desemprego e a miséria vão acirrar a luta de classes, e os
comunistas, em particular, devem estar preparados para qualquer cenário. É
fundamental disputar o momento pós-pandemia tanto com a burguesia quanto com
aqueles que se iludem com a conciliação de classes. Ao mesmo tempo em que
devemos defender a unidade de ação com todos que estejam contra esse governo e
sua política de terra arrasada, é fundamental construir uma sólida unidade das
forças classistas, de forma a que se apresentem para a sociedade como uma
alternativa à barbárie que a burguesia quer impor aos trabalhadores, à
juventude e ao povo pobre das periferias.
Devemos nesse
processo construir um programa estratégico que possa combinar dialeticamente
medidas objetivas para resolver os problemas concretos, imediatos e cotidianos
da população, com uma plataforma alternativa anticapitalista para o nosso País.
Só armados com esse programa para atuar na conjuntura que se abrirá no
pós-pandemia é que teremos condições de influir com protagonismo no próximo
período. A conjuntura está favorável para um discurso que desmoralize a
política neoliberal, a falência dos serviços privados, o ataque contra os
trabalhadores e a juventude e o povo pobre e que vincule esses problemas com as
classes dominantes e o sistema capitalista. A hora é de ousadia e luta!
*Edmilson Costa é
secretário-geral do PCB, doutor em economia pela Unicamp, com pós-doutorado no
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da mesma instituição. É autor, entre
outros, de Reflexões sobre a crise Brasileira (edições Revolucionárias, 20220),
A crise econômica mundial, a globalização e o Brasil (Edições ICP, 20013) e A
globalização e o capitalismo contemporâneo (Expressão Popular, 2008), além de
vários ensaios em revistes e sites nacionais e internacionais.
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