Unidade Classista do Ceará
A pandemia de
Covid-19 afetou drasticamente as relações sociais, culturais e econômicas da
atualidade, acentuando cada vez mais a crise social já instalada, fruto da
desordem promovida pelo avanço do capitalismo de tipo imperialista e
financista. No Brasil, desde o início do registro de contaminação, manteve-se
uma política precária de distanciamento social, por meio da ação de governos
estaduais e municipais, na contramão do próprio Governo Federal, que minou
qualquer possibilidade de uma política nacional de quarentena.
Neste sentido, as
primeiras instituições a terem suas atividades suspensas foram as de ensino, da
educação infantil à superior. Entretanto, a alguns meses, os governos estaduais
e municipais vêm gradualmente cedendo às pressões das grandes empresas para a
flexibilização das políticas de distanciamento social, tendo liberado
atividades de vários setores da produção e do comércio. Neste contexto de
flexibilização da quarentena, os órgãos dirigentes das Instituições de Ensino
Superior (IES), tanto na esfera pública quanto privada, vêm crescentemente
pautando (e em alguns casos executando) a possibilidade de retorno às aulas por
via remota. Adiantando-se neste aspecto, várias IES privadas mantiveram-se em
atividade mesmo no auge do período de quarentena pela via do ensino virtual.
Em ambos os casos
(seja nas IES públicas, seja nas privadas), a continuidade das aulas por ensino
remoto vem sendo propagandeada como a única saída viável no contexto da
pandemia e do precário distanciamento social, sem que se tenha em vista o
alcance das consequências desta forma de ensino para o conjunto da comunidade
acadêmica.
De acordo com dados recentes , cerca de 25% de brasileiros(as) não têm acesso à internet. Essa situação de desigualdade social traz um enorme prejuízo para estudantes tanto das universidades públicas quanto privadas que são diretamente afetados pela exclusão digital, sendo imediatamente excluídos/as da Universidade, através da institucionalização do ensino remoto.
Continue lendo
Para estudantes que moram no interior,
nas regiões metropolitanas das capitais e nas periferias, os quais contam com
pouco ou nenhum acesso à internet, além daqueles que possuem computadores em
péssimo estado, o cenário que se evidenciará com a “desventura emergencial” do
ensino remoto será a saída forçada de parte considerável do corpo discente do
ensino superior e a negação explícita de um direito essencial aos(às)
cidadãos(ãs) pelo Estado.
Não obstante, a
exclusão estudantil será apenas a ponta do Iceberg. Tal medida também tem
impacto imediato na precarização do trabalho docente, como mostra a experiência
dos docentes da rede privada. No Ceará, uma semana após o decreto de
quarentena, algumas faculdades privadas de Fortaleza continuaram funcionando,
com o temor de perder clientes (estudantes) e ter seus lucros reduzidos. Num
curto período de alguns dias, professores/as, tiveram de aprender a usar
plataformas de reunião remota; adaptar suas aulas, comprar equipamentos tais
como mesa digitalizadora, webcam, etc., sob o risco de perderem o emprego e o
salário.
Por trás da política de ensino remoto em caráter emergencial, está a perspectiva de EaD e da privatização das Universidades Públicas e os Institutos Federais. Através de algumas experiências pontuais, a política de Ensino à Distância já caiu nas graças do mercado e demonstra ser extremamente lucrativa, despertando a sana avassaladora das grandes corporações que têm pomposos investimentos na bolsa de valores, sistema nervoso do capital especulativo.
Por outro lado, esta forma de
ensino permite às IES privadas adotarem uma política de barateamento das
mensalidades e de redução do quadro de professores/as. Nesta estrutura do
ensino remoto, os custos que antes eram da instituição, como luz, internet e
ergonomia, agora serão redirecionados para a docência, obrigando-a a
disponibilizar sua internet particular, o espaço privado de sua residência, o
uso da energia para o desenvolvimento do trabalho nas condições remotas.
Tal cenário já e uma realidade
para os professores das IES privadas. Estes profissionais da educação
praticamente deixaram de ter vida privada neste período de pandemia, estando
sob constantes tensões e aos riscos cada vez mais prementes de adoecimentos
psíquicos. Se esta estrutura vier a se incorporar na estrutura do ensino
superior público, tais fatores tornarão mais intensa a precarização da
atividade docente. Junto a isto, vivenciaremos crescentes ataques cibernéticos
em aulas, eventos, reuniões e assembleias, o que já ocorreu em diversas
universidades, pondo em risco não só os dados, mas a segurança, privacidade e
liberdade de todas/os usuárias/os.
É preciso atentar
para o fato de que, desde o aparecimento das manifestações do famigerado Escola
sem Partido, aulas gravadas sem conhecimento das/os professoras/es tornaram-se
um grave problema. Com as aulas remotas, esta prática se tornará mais
sistemática com o uso de técnicas sofisticadas de edição e manipulação de sons
e imagens, no sentido de potencializar a perseguição ideológica a patamares
extremamente perigosos.
Para viabilizar as
aulas remotas, as IES serão impelidas a se submeter ao pagamento de plataformas
digitais já disponíveis no mercado, a comprar equipamentos e pacotes de dados
de grandes conglomerados de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC). Esses
dados poderão ser disponibilizados indevidamente, proporcionando uma nova
oportunidade de mercado, quando poderão ser vendidos e usados por instituições
privadas de educação à distância sem qualquer controle. Esta forma de
comercialização da educação muda radicalmente a estrutura educacional no
pós-pandemia, com a possibilidade real da substituição da docência por robôs
virtuais e telas de computadores ou outros aparelhos com funções similares a
médio e longo prazo.
No caso das
Universidades Estaduais do Ceará, a forma apressada com que se quer impor o
ensino remoto para o segundo semestre do ano de 2020 é uma desventura impensada
que, a curto prazo, trará prejuízos enormes para a formação acadêmica. Podemos
citar por exemplo a Universidade do Vale do Acaraú (UVA), que tem em sua
maioria estudantes de interiores e que tem pouco acesso a internet. Com isso, a
volta as aulas remotas irão prejudicar esses estudantes, pois mesmo que queiram
e tenham condições financeiras, não terão estrutura, ressaltando que há
interiores que são impossibilitados de ter sinal de internet.
A atuação fascista do
Governo Federal e a política do governador Camilo Santana (PT) para a Educação
Superior no Estado do Ceará se manifesta na administração superior da UECE,
quando procura adotar o ensino remoto a toque de caixa, sem qualquer esforço de
levar a discussão para o conjunto da comunidade acadêmica, aproveitando-se do
contexto da pandemia para justificar seu autoritarismo.
Junto com toda essa
engrenagem, existem muitos interesses implícitos e, entre eles, a
desmobilização da organização sindical docente e da combatividade do movimento
estudantil; a fragmentação do conhecimento e o desgaste da criticidade; a
reprodução massiva de conteúdos superficiais e a padronização de saberes e
práticas pedagógicas; por fim, o desmonte do tripé universitário: ensino,
pesquisa e extensão.
A partir de toda essa
compreensão sobre o processo de mercantilização da educação e ataque às
condições de trabalho e estudo, a Unidade Classista (UC) e o Movimento por uma
Universidade Popular (MUP), manifestam repúdio ao ensino remoto imposto a
revelia da comunidade acadêmica, o que vem se manifestando em todas as IES do
território nacional, em específico, nas Universidades Públicas do Ceará. Nós
que construímos o Movimento por uma Universidade Popular (MUP) fazemos a
denúncia de que isso afronta nossos princípios de defesa por uma Universidade
Popular, pautado nos interesses dos filhos e filhas da classe trabalhadora e não
das grandes empresas privadas de educação e seus respectivos nichos de mercado,
que é o que o ensino remoto representa, à custa da qualidade de ensino e
aprendizagem que defendemos.
Diante do perigo que
representa essa desventura apressada, nomeada de ensino remoto e para evitar
uma tragédia sem precedentes para estudantes e professores, é importante que
tanto o movimento estudantil quanto o movimento docente lutem para que não haja
ensino presencial enquanto esteja presente o risco de contaminação. E, por
outro lado, que o ensino remoto não seja aprovado a toque de caixa, nem
reuniões de bastidores, com garantias concretas que o debate seja feito da
forma mais ampla e democrática possível.
Indicamos também como
necessidade premente e substancial a continuidade do debate e as construções
coletivas, forma vital para encontrar alternativas viáveis e maduras para
manter viva as IES durante o período de pandemia.
Só a mobilização da
comunidade acadêmica pode conter essa tragédia educacional que se justifica no
plano do “emergencial”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário