RENATO ONOFRE, FÁBIO FABRINI e MATHEUS TEIXEIRA
Folhapress, 23 de maio de 2020
BRASILIA, DF, BRASIL,
22-05-2020 - O presidente Jair Bolsonaro durante entrevista ao chegar no
Palácio da Alvorada. Ele falou sobre o vídeo da reunião ministerial citada por
Sérgio Moro como prova de interferência na PF e divulgado hoje por autorização
do ministro do STF Celso de Mello. (Foto: Pedro Ladeira/Folhapress)
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - A
divulgação do vídeo da reunião ministerial de 22 de abril deve
gerar novas frentes de investigação contra o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e ministros
do governo.
A avaliação é de investigadores da
Polícia Federal e da Procuradoria-Geral da República (PGR), ouvidos
reservadamente pela reportagem, que apontam os ataques do ministro da Educação,
Abraham Weintraub, ao STF (Supremo Tribunal Federal) como uma causa inevitável
de apuração.
Outro alvo deve ser o ministro do
Meio Ambiente, Ricardo Salles. Ele defendeu na reunião no Planalto que o
governo federal aproveitasse a crise do novo coronavírus para aprovar reformas
infralegais, incluindo alterações ambientais, sem o devido controle social.
Segundo pessoas ligadas às
investigações, a existência de um sistema paralelo de informações, citado por
Bolsonaro na reunião para cobrar ministros da área, deve gerar um filhote do
inquérito que apura a intervenção do presidente da República na Polícia Federal
apontada por Sergio Moro ao deixar o governo.
O propósito seria o de apurar se o
mandatário recebia dados sigilosos de uma rede de informantes extraoficial,
alheio a órgãos como a Abin (Agência Brasileira de Inteligência), ou se contava
com um aparato clandestino para espionar pessoas.
"O meu [sistema] particular
funciona. Os ofi... que tem oficialmente, desinforma [sic]", disse o
presidente na reunião.
A possível existência de um núcleo
privado de inteligência a serviço do presidente veio pela primeira vez à tona
no ano passado na CPMI (Comissão Parlamentar Mista de Inquérito) das Fake News.
A deputada Joice Hasselmann (PSL-SP)
afirmou que ouviu a história do ex-ministro Gustavo Bebianno, secretário-geral
da Presidência no começo do governo.
Bebbiano confirmou o relato no dia 2
de março em entrevista ao programa Roda Viva. Duas semanas depois, o
ex-ministro morreu de infarto aos 56 anos.
Na reunião, Bolsonaro admite seus
canais privados de informação ao reclamar que não iria esperar
"foder" a sua família ou amigos "de sacanagem".
"Prefiro não ter informação do
que ser desinformado por sistema de informações que eu tenho", reclamou o
presidente.
O ministro do STF Celso de Mello
reservou um capítulo específico da decisão para criticar a "descoberta
fortuita de prova da aparente prática, pelo ministro da Educação, de possível
crime contra a honra dos ministros do STF".
E determinou a entrega de cópia
integral do vídeo aos colegas de Supremo para que possam "adotar as
medidas que julgarem pertinentes" em relação à declaração de Weintraub de
que, por ele, botaria "todos esses vagabundos na cadeia, começando pelo
STF".
O decano do STF fez questão de
transcrever as palavras de Weintraub e classificou o discurso como
"gravíssimo" e "aparentemente ofensivo ao patrimônio moral"
dos integrantes do Supremo.
Ele também ressaltou que, apesar de
este não ser o objeto do inquérito em que proferiu a decisão, "a prova
penal daí resultante reveste-se de plena eficácia jurídica".
Neste sábado (23), o líder da Rede no
Senado, Randolfe Rodrigues (AP), anunciou que entrou com uma ação no Ministério
Público Federal contra Weintraub. A representação pede que sejam investigados
os crimes de responsabilidade e contra a Lei de Segurança Nacional em relação
às declarações contra o STF.
Os investigadores avaliam que ainda
há a possibilidade de uma série de ações na esfera civil contra ministros.
Um dos questionamentos seria contra
as declarações do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles.
No vídeo, ele ressalta que é hora da
edição de medidas de desregulamentação e simplificação, uma vez que os veículos
de imprensa estão, neste momento, concentrados no combate à pandemia de
Covid-19.
"Precisa ter um esforço nosso
aqui enquanto estamos nesse momento de tranquilidade no aspecto de cobertura de
imprensa, porque só fala de Covid, e ir passando a boiada e mudando todo o
regramento e simplificando normas", disse.
Um dos caminhos apontados por
investigadores é rever as ações ambientais durante a pandemia.
Durante a crise sanitária, os alertas
de corte raso de floresta feitos pelo sistema Deter, do Inpe (Instituto
Nacional de Pesquisas Espaciais), apresentaram um aumento 64% no desmatamento
em comparação ao mesmo período do ano anterior.
Foram derrubados 405,61 km² de
floresta entre 1º e 30 de abril, ante 247,39 km² de 2019.
Bolsonaro e os ministros também
poderão sofrer questionamentos de governadores e prefeitos em relação aos
ataques feitos durante a reunião.
O presidente da República xingou os
governadores do Rio, Wilson Witzel (PSC), e de São Paulo, João Doria (PSDB), e
atacou o prefeito de Manaus, Arthur Virgílio (PSDB).
Nos bastidores, o risco de uma
excessiva judicialização, tanto na área penal como civil, com eventuais
objetivos políticos, era um dos argumentos usados pelo procurador-geral da
República, Augusto Aras, a assessores ao justificar o pedido para que o vídeo
da reunião não fosse divulgado.
Em parecer, Aras defendeu apenas que
apenas alguns trechos da agenda presidencial fossem tornados públicos.
Na sexta (22), o procurador-geral
informou em nota que só vai se manifestar nos próximos dias, após assistir à
íntegra do vídeo.
A divulgação do vídeo confirmou os
indícios de que Bolsonaro tentou interferir na Polícia Federal, embora não
tenha revelado novos elementos para o caso.
Inquérito em curso no Supremo apura
se, ao tentar nomear pessoas de sua confiança em postos-chave da corporação,
entre eles o comando da superintendência no Rio de Janeiro, Bolsonaro buscava
ter acesso a investigações com potencial de atingir seus parentes e aliados.
As falas do presidente no encontro
foram citadas pelo ex-ministro da Justiça Sergio Moro como evidências da
suposta ingerência, após seu rompimento com o governo.
Num dos trechos do vídeo, Bolsonaro,
de fato, cita "PF" (sigla de Polícia Federal) num contexto de
insatisfação com a falta de informações de inteligência. E relaciona o órgão
entre os que seriam objeto de sua interferência, incluindo ministérios.
"Tenho o poder e vou interferir
em todos os ministérios, sem exceção", declarou. "Não posso ser
surpreendido com notícias. Tenho a PF que não me dá informações. Tenho as
inteligências das Forças Armadas, que não tenho informações. Abin tem os seus
problemas", prosseguiu.
Bolsonaro em seguida criticou o
serviço de informações do governo, dizendo que todos "são uma
vergonha". "Não sou informado! E não dá pra trabalhar assim. Fica
difícil. Por isso, vou interferir! E ponto final, pô! Não é ameaça, não é
uma... uma extrapolação da minha parte. É uma verdade."
Em outro momento da agenda, ocorrida
no Palácio do Planalto, o presidente fala de seu interesse em trocar equipes de
segurança no Rio para não prejudicar seus parentes e aliados.
"Já tentei trocar gente da
segurança nossa no Rio de Janeiro, oficialmente, e não consegui. E isso acabou.
Eu não vou esperar foder a minha família toda, de sacanagem, ou amigos meus,
porque eu não posso trocar alguém da segurança na ponta da linha que pertence a
estrutura nossa. Vai trocar! Se não puder trocar, troca o chefe dele! Não pode
trocar o chefe dele? Troca o ministro! E ponto final! Não estamos aqui pra
brincadeira", bradou.
Em entrevista no Palácio da Alvorada
após a divulgação do vídeo, Bolsonaro confirmou que tinha preocupação que algum
filho seu fosse alvo de busca e apreensão e disse que pediu a ajuda de Moro
para impedir isso.
O ex-ministro alega que essa
declaração foi outra pressão por mudanças na PF.
Bolsonaro, contudo, sustenta que se
referia naquele momento à troca de equipes do Gabinete de Segurança
Institucional, responsáveis por proteger seus familiares.
Dois dias depois do encontro com os
ministros no Palácio do Planalto, no entanto, foi o então diretor-geral da PF,
Maurício Valeixo, quem o presidente demitiu. Isso levou Moro a deixar o
governo.
O primeiro ato da nova gestão do
órgão foi trocar o superintendente da corporação no Rio.
No âmbito do inquérito, já foram
ouvidos Moro e investigadores que relataram as pressões do presidente pela
dança de cadeiras na PF.
A pedido da PGR (Procuradoria-Geral
da República), também vai prestar depoimento o empresário Paulo Marinho,
pré-candidato do PSDB à Prefeitura do Rio.
Em entrevista ao jornal Folha de
S.Paulo publicada no último dia 16, Marinho disse que a Operação Furna da Onça
-que revelou suspeitas sobre um ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro
(Republicanos-RJ) e acabou envolvendo o filho do presidente num esquema de
"rachadinha" de salários- foi adiada em 2018 para não prejudicar a
eleição do mandatário.
Afirmou também que a investigação foi
vazada a Flávio por um delegado antes de ser deflagrada.
A partir do depoimento, a PGR vai avaliar se o caso
tem conexão com as denúncias feitas por Moro e se, por esse motivo, deve ser
investigado no mesmo inquérito. Em outra hipótese, pode solicitar que a
apuração corra separadamente, inclusive em outra instância, que não o Supremo.
EM TEMPO: Hum dos problemas do Brasil é que a maioria da população é despolitizada e conservadora. Portanto, melhor a qualidade do voto é preciso. Agora durmam com essa esculhambação dos "homens bons e educados" do alto escalão do governo.
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