Por Inaê Diana Ashokasundari Shravya
LAVRA PALAVRA
Quando mosquitos matam mais que drones
O coronavírus [1] tem causado um certo medo em muita gente, assim como
foi com o vírus Ebola, e até mesmo a gripe aviária (variedade do vírus
influenza /H5N1) e a famosa doença da vaca louca (encefalopatia espongiforme
bovina). As notícias nos jornais auxiliam o desespero com seus informes
alarmantes.Se levarmos em conta que o Brasil e os Estados Unidos da América
(EUA) têm se tornado aliados, e que EUA e China estão numa disputa ferrenha
pelo poderio econômico, o coronavírus acaba servindo como uma ferramenta de
bloqueio econômico, ainda que temporário: com medo do vírus, muita gente tá
deixando de comprar produtos vindos da China.
Enquanto nos desesperamos com a possibilidade da vinda do coronavírus ao
Brasil, temos uma ameaça evidente de bioterrorismo no Estado do Rio de Janeiro,
que é a possibilidade de aumento do número de casos de dengue, chikungunya,
zika e/ou febre amarela, todas essas doenças transmitidas pelo mosquito Aedes
aegypti. Tá, mas como que se daria esse possível aumento de casos? Explico.
Tão ligados na tal da geosmina? Apesar do alarme todo, ela não é tóxica.
Segundo a nota emitida pela UFRJ [2],
“A geosmina, um composto orgânico volátil, é produzida por algumas
bactérias heterotróficas ou cianobactérias, que crescem em abundância em
ambientes aquáticos com altas concentrações de nutrientes, especialmente em
mananciais que recebem esgotos não tratados. Apesar de conferir odor e sabor em
intensidade, que causa objeção ao consumo humano,a geosmina não é tóxica. A
percepção humana sobre o sabor e odor constitui parâmetro de controle da
qualidade da água distribuída, visando, exclusivamente, a não rejeição do
consumidor. Não há necessariamente risco sanitário associado, exclusivamente,ao
sabor e ao odor da água.”
Como também apresentado na nota, há limites máximos aceitáveis de dois
parâmetros (cor e turbidez) para que a água seja considerada potável.
A geosmina (“perfume da terra”, em grego) já é conhecida nossa, através
de um fenômeno chamado petricor, popularmente conhecido como “cheirinho de
terra molhada”, sabe, aquele aroma que a chuva provoca ao cair em solo seco. Tô
falando isso pra termos um entendimento da parada. Apesar de não ser tóxica, a
geosmina serve como berçário para mosquitos Aedes aegypti [3], e é aí que o
bioterrorismo começa. Quem mora no Rio de Janeiro tá ciente dos casos de
dengue, chikungunya, zika (essa eu peguei) e até febre amarela, que são dores
de cabeça que todo ano nos assolam. Se os potinhos com água parada já eram um
inferno, imagina agora com o berçário desse mosquito em todo canto. Enquanto a
prefeitura não investe em creche pra crianças, ela investe em creche pra
mosquitos. Nós procuraremos os hospitais, as UPAs 24h, que com certeza estarão
fodidas com esse descaso com a saúde pública que tem sido o Crivella. Enquanto
nos ocupamos encontrando doenças na Ásia e em África, ignoramos que, por
exemplo, Miami, nos E.U.A. (“país sem doenças”), encarou um agravamento de zika
[4] em 2016. Segundo uma matéria da ONU Brasil publicada no dia 18 de novembro
de 2019 [5],
“A dengue nas Américas atingiu o maior número de casos já registrados,
com mais de 2,7 milhões, incluindo 22.127 graves e 1.206 mortes notificadas até
o fim de outubro de 2019, conforme nova atualização epidemiológica da
Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS).
A maior epidemia anterior de dengue havia ocorrido em 2015, mas o número
de 2.733.635 casos em 2019 é 13% superior à quantidade daquele ano. Apesar do
aumento no número de casos, a taxa de letalidade (proporção de mortes em casos
de dengue) foi 26% menor este ano em comparação com 2015.
Os quatro sorotipos do vírus da dengue estão presentes nas Américas e a
co-circulação dos quatro foi notificada em Brasil, Guatemala e México em 2019.
A circulação simultânea de dois ou mais tipos aumenta a ocorrência de casos
graves de dengue.
O Brasil, dada sua grande população, teve o maior número nesta
atualização, com 2.070.170 casos notificados. O México teve 213.822 casos, a
Nicarágua registrou 157.573 casos, a Colômbia teve 106.066 e Honduras, 96.379
casos.”
Atentem para esta parte: “Os quatro sorotipos do vírus da dengue estão
presentes nas Américas e a co-circulação dos quatro foi notificada em Brasil,
Guatemala e México em 2019. A circulação simultânea de dois ou mais tipos
aumenta a ocorrência de casos graves de dengue.” Era para o Estado – supondo
que ele se preocupa com os cidadãos – estar investindo no combate à doença, e
não para a Companhia Estadual de Águas e Esgotos (CEDAE) fazer da água que
usamos um berçário de mosquitos da dengue. O que corrobora a hipótese de
bioterrorismo, é que o novo presidente da CEDAE , Hélio Cabral Moreira, é réu
em caso da Samarco, como aponta matéria publicada no site Notícias de Mineração
Brasil [6]. Ele era conselheiro de administração da Samarco, indicado pela
Vale, quando houve o rompimento da barragem de Fundão, em novembro de 2015 em
Mariana (MG). O rompimento da barragem de Fundão é considerado o desastre
ambiental que causou o maior impacto ambiental da história brasileira e o maior
do mundo envolvendo barragem de rejeitos, com um volume total de 62 milhões de
metros cúbicos [7]. É esse cara que tá responsável pela água que bebemos, o
mesmo cara responsável pelo maior impacto ambiental do mundo envolvendo
barragem de rejeitos. Além disso, a CEDAE engaveta há 10 anos obra que evitaria
crise da água no Rio, como consta numa matéria publicada em 19 de janeiro deste
ano no site UOL Notícias [8]:
“A Cedae (Companhia Estadual de Águas e Esgotos), empresa pública
responsável pelo saneamento básico do Rio de Janeiro, protela desde 2009 a
execução de uma obra emergencial que evitaria a crise no abastecimento do
Grande Rio. O projeto, orçado à época em cerca de R$ 33 milhões, reduziria a
chegada de esgoto no lago onde ocorre a captação de água na ETA (Estação de
Tratamento de Água) Guandu, localizada no rio de mesmo nome, no limite entre os
municípios de Nova Iguaçu e Seropédica, na Baixada Fluminense.
Segundo especialistas ouvidos pelo UOL, a presença de esgoto nos
mananciais que abastecem a estação é a principal causa para a proliferação de
cianobactérias responsáveis pela liberação da geosmina —substância que deixa
gosto e odor terrosos na água. Atualmente, cerca de 9 milhões de pessoas no Rio
e em outras sete cidades da região metropolitana consomem a água produzida pela
ETA Guandu.
O projeto, chamado oficialmente de “Obras de proteção da tomada d’água
da Cedae no Rio Guandu”, foi incluído no Plano Estratégico de Recurso Hídricos
das Bacias Hidrográficas dos Rios Guandu, da Guarda e Guandu Mirim, de 2006. Em
2009,foram concluídos os estudos de impacto ambiental para a realização da obra
—considerada emergencial àquela altura”.
Ainda consta na matéria que uma empreiteira foi contratada para a obra
em 2013, mas a CEDAE cancelou o contrato. Bom, temos um problema que já era
considerado emergencial em 2009, assim como temos posteriormente, um alarme da
ONU Brasil referente ao aumento dos casos de dengue no país, assim como na
América latina. A providência mais sensata -e não é preciso ser nenhum
especialista para isso – seria de realizar o tratamento da água como havia sido
solicitado com emergência em 2009. Mas o que tem ocorrido é exatamente o
oposto: nossa água tá contaminada. Nossa água tá servindo de berçário pra
mosquito da dengue. Nossa água tá nos envenenando. Isso é bioterrorismo. Quem
precisa de coronavírus quando se tem Hélio Cabral Moreira como presidente da
CEDAE?
Não suficiente o favorecimento de condições de possibilidade para o
agravamento dos casos de dengue, zika, chikungunya, e febre amarela, nesta
segunda-feira, dia 27 de janeiro, um trabalhador da CEDAE passou mal e desmaiou
após inalar pó de carvão lançado no Guandu [9]. Conforme notícia apresentada no
jornal O Globo,
“RIO – O presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Saneamento e Meio
Ambiente do Rio (Sintsama/RJ), Humberto Lemos, acusa a Cedae de oferecer
condições precárias de trabaho no lançamento de carvão ativado no sistema
Guandu. Um vídeo divulgado pela entidade mostra um presidiário, que trabalha na
empresa por meio de convênio com a Fundação Santa Cabrini, caído ao solo
desmaiado. Segundo o sindicato, o trabalhador sofreu uma parada respiratório e
desmaiou após sucessivos lançamentos de carvão ativado no sistema Guandu. O
trabalho está sendo feito por funcionários da Cedae e apenados.
“Trabalhadores da Cedae e conveniados da Santa Cabrini estão trabalhando
em condições desumanas na ETA (Estação de Tratamento de Água) Guandu, no
despejo manual do tal carvão ativado na máquina que faz a mistura do carvão na
água. Um trabalhador conveniado acaba de desmaiar aqui no setor, por problemas
respiratórios, devido ao pó de carvão que sobe no momento do despejo manual e
os trabalhadores involuntariamente inalam. Carregam sacos de 25kg e despejam o
produto sem proteção adequada. O Guandu virou uma Fortaleza, é difícil.
Infelizmente, acho que a ETA se perdeu com a demissão em massa de 54 técnicos
sob a alegação de terem altos salários – denunciou o presidente do Sintsama,
Humberto Lemos.”
Não é preciso ser nenhum especialista para saber que qualquer substância
química inalada, do ponto de vista respiratório, pode causar problemas à saúde.
Como nos diz a pneumatologista Margareth Dalcolmo, “Qualquer substância química
inalada com exposição ambiental pode causar danos ao sistema respiratório. Isso
também depende do conteúdo do produto e das condições de saúde da pessoa. Se
ela tiver enfisema pulmonar, asma, entre outras enfermidades relativas ao
pulmão, essa exposição pode ativar uma hiperreatividade ou hiper sensibilidade
brônquia. O terceiro fator importante é o tempo de exposição”. Expor essas
pessoas dessa maneira, sem condições apropriadas de trabalho, sem equipamento
de proteção, é assassinato.
Um outro ponto interessante é que a CEDAE possui um convênio com a
Fundação Santa Cabrini, o que lhe atribuiria um papel na ressocialização de
apenados, pelo projeto Replantando Vidas. Segundo documento de demonstrações
financeiras da CEDAE referente ao ano de 2018[10],
“Cerca de 3 mil apenados já passaram pelo programa socioambiental
Replantando Vida. Atualmente, 404 apenados estão empregados na CEDAE, exercendo
atividades diversas nas unidades da Companhia (serviços gerais, produção de
uniformes da empresa e nos viveiros para cultivo e plantio de mudas). O
programa conta com sete viveiros florestais, com capacidade de produzir,
juntos, um milhão de mudas florestais por ano. Em 2018 um novo espaço de
criação de mudas foi incorporado, o Viveiro Florestal Bióloga Maria de Fátima
Rodrigues Ferreira, que fica na Caixa Velha da Tijuca, no Rio de Janeiro. Este
viveiro destina-se, principalmente, a espécies ameaçadas de extinção”.
No ano de 2010 foi realizado o quarto curso de “Agente de
Reflorestamento Ambiental”, que é oferecido a detentos em regime aberto e
semiaberto por meio desse convênio entre a CEDAE, a Fundação Santa Cabrini e a
Universidade Rural do Rio de Janeiro. Até aí não seria um problema, se a Aula
magna não tivesse sido ministrada pelo apresentador Luciano Huck, o mesmo que
em 2007 foi alvo de ação civil pública movida pelo município de Angra dos Reis
por supostos danos ambientais e construções irregulares em sua casa de
veraneio. Um decreto do governo na época, Sérgio Cabral Filho, que alterava a legislação
da Área de Proteção Ambiental (APA) na região na qual ficavam as residências
consideradas irregulares, beneficiou o apresentador [11]. Em julho de 2011, a
Justiça o condenou a pagar R$ 40 mil por cercar a faixa costeira ao longo dessa
sua casa em Angra com boias [12]. No ano de 2018 o apresentador cogitou
concorrer à presidência.
Diante disso é realmente possível dizer que a política de morte não faz
parte da dinâmica do Estado? É preciso que nos organizemos em prol duma
revolução social, ou estaremos – se sobrevivermos – à mercê desses cretinos.
Este texto foi escrito com mosquitos me atacando.
REFERÊNCIAS
[1]Ministério da Saúde atualiza situação do novo coronavírus para os
estados: http://www.saude.gov.br/…/46230-ministerio-da-saude-atualiz…
[2] Nota técnica da UFRJ sobre os problemas da qualidade da água que a
população do Rio de Janeiro está vivenciando [PDF]:
https://ufrj.br/…/img…/2020/01/nota_tecnica_-_caso_cedae.pdf
[3] Geosmin
Attracts Aedes aegyypti Mosquitoes to Oviposition Sits – ScienceDirect:
https://www.sciencedirect.com/…/artic…/pii/S0960982219314411
[4] Additional
area of active Zika transmission identified in Miami Beach
:https://www.cdc.gov/…/rele…/2016/p0819-zika-miami-beach.html
[5] Dengue nas Américas atinge o maior número de casos já registrados:
https://nacoesunidas.org/dengue-nas-americas-atinge-o-maio…/
[6] Notícias de Mineração Brasil – Novo Presidente da CEDAE é Réu Em
Caso da Samarco: https://www.noticiasdemineracao.com/…/novo-presidente-da-ce…
[7] Rompimento da barragem em Mariana:
https://pt.wikipedia.org/…/Rompimento_de_barragem_em_Mariana
[8] CEDAE engaveta há 10 anos obra que evitaria crise da água no Rio:
https://noticias.uol.com.br/…/cedae-engaveta-por-10-anos-ob…
https://oglobo.globo.com/…/geosmina-estimula-proliferacao-d…
[9] Trabalhador da CEDAE passa mal e desmaia após inalar pó de carvão
lançado no Guandu:
https://oglobo.globo.com/rio/trabalhador-da-cedae-passa-mal-desmaia-apos-inalar-po-de-carvao-lancado-no-guandu-24213568?versao=amp&fbclid=IwAR32GZ7XxMSqT0qX83GPKikZKt3MI_KVqXqrKO1wgz2kPAD-09-WwEpiA60
[10] Demonstrações financeiras – Companhia Estadual de Águas e Esgotos –
CEDAE [PDF]:
https://www.cedae.com.br/portals/0/ri_cedae/financeiras/demonstracoes_financeiras/demonstracoes_financeiras_padronizadas/DFP_2018.pdf
[11] Decreto de Cabral favoreceu cliente de sua mulher em Angra:
https://www.estadao.com.br/noticias/geral,decreto-de-cabral-favoreceu-cliente-de-sua-mulher-em-angra,502671
[12] Luciano Huck é condenado a pagar R$ 40 mil por cercar de boias sua
casa em Angra dos Reis:
http://celebridades.uol.com.br/noticias/redacao/2011/07/05/luciano-huck-e-condenado-a-pagar-r40-mil-por-cercar-de-boias-sua-casa-em-angra-dos-reis.htm
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