Renato Prata Biar – Historiador e Cineasta
O Golpe na Bolívia
não é fundamentalista neopentecostal, embora os evangélicos tenham atuado e
apoiado o Golpe. Assim como a Igreja Católica apoiou e atuou nos golpes das
décadas de 60 e 70 na América Latina, e, nem por isso, chamamos esses golpes de
fundamentalistas católicos.
Também não é um golpe racista, embora tenha, sim,
um conteúdo racista pelo fato de o Presidente Evo Morales ser índio e
representar a enorme população indígena da Bolívia. Mas se o Evo fosse um
entreguista e capacho dos interesses estadunidenses, o golpe não se daria. É
importante mapear os operadores dos golpes, mas não podemos nos enganar sobre
quem realmente planeja tais ações, põe em prática e realmente ganha com tudo
isso. E, nesse ponto, as pautas identitárias são muitas vezes utilizadas pela
própria classe dominante para confundir e obscurecer os verdadeiros motivos. É
urgente que resgatemos a centralidade da luta de classes.
O Golpe é
Imperialista. Com interesses capitalistas claros e inequívocos. Isso é o que
move essas ações. A Bolívia possui, segundo estudos, a maior reserva de lítio
do planeta. Especula-se que metade do lítio mundial encontra-se na Bolívia.
Alguns especialistas já chamam a Bolívia de a Arábia Saudita do lítio.
Diante de tamanho
potencial, Evo Morales não queria que o país fosse apenas um mero exportador
dessa matéria-prima. Para ele a Bolívia deveria centralizar toda uma cadeia de
atividades de valor agregado envolvendo o metal. Isso incluiria, por exemplo, a
construção de fábricas de baterias e de carros no país, com a esperança de
gerar empregos, desenvolvimento tecnológico e riqueza para a população
boliviana.
Atualmente, empresas
como a alemã K-UTEC Ag Salt Technologies e a chinesa China’s Linyi Dake Trade
extraem lítio na Bolívia. Em setembro de 2016, o país também enviou 15
toneladas de carbonato de lítio para a China. Foi a primeira exportação do
metal boliviano. E, é importantíssimo frisar isso, a China já estava acenando
com a intenção de ajudar a Bolívia a possuir tais instalações, que a
possibilitariam deixar de ser meros exportadores de commodities.
São muitos os avanços
do governo de Evo Morales do ponto de vista social desde que que ele assumiu a
presidência. O índice de miseráveis na Bolívia caiu de 63% da população para
35%. Ele também conseguiu manter uma taxa de crescimento econômico no país em
torno dos 5% ao ano. Mas, mesmo com esses índices, Evo Morales mantinha um
governo de conciliação de classes, com várias políticas públicas que
beneficiavam a elite financeira do país e não tencionavam para o enfrentamento
ao grande capital. Por que estou frisando isso? Porque o Golpe na Bolívia
parece encerrar esse longo ciclo na América Latina de políticas de conciliação
de classes. Acabou a ilusão de um governo em que todos podem ganhar:
trabalhadores e empresários.
E o fim dessa política de conciliação está sendo
determinada não pela esquerda, mas pela própria direita, que vem orquestrando
golpes, intervenções, assassinatos, prisões ilegais, etc. contra governos de
esquerda ou progressistas por toda a América Latina. O crescente desemprego, a
baixa no preço da mão de obra (redução de salários), a retirada de direitos
individuais e coletivos e a precarização das condições de trabalho são a regra
nesse projeto neoliberal. Fecharam as portas para a conciliação e abriram as
portas para o fechamento dos regimes sob a batuta do Judiciário e das Forças
Armadas. Golpes jurídicos/parlamentares, no estilo Lavajatista, que tiveram seu
laboratório em 2009, em Honduras, contra o governo de Manuel Zelaya. Depois
vieram o Paraguai de Fernando Lugo, a Argentina de C. Kirchner, Lula e Dilma no
Brasil e agora a Bolívia de Evo.
Que isso sirva de
lição para quem ainda alimenta esperanças, aqui no Brasil, de uma volta do Lula
como solução para a classe trabalhadora. Lula foi ainda menos radical do que
Evo Morales e, mesmo assim, acabou preso e sofre ameaças e perseguições até
hoje. A política institucional está falida e perdeu a capacidade de sequer
melhorar nossas vidas. Estamos num momento de radicalizar nossos programas, projetos
e ações. Estamos sob uma conjuntura em que apenas uma estratégia socialista
pela via revolucionária será capaz de salvar nossas cabeças. É isso ou a
violência extrema contra a classe trabalhadora, seguida da falta total de
liberdade e a exploração absoluta.
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