Eduardo Gonçalves
© //Reprodução CLIMA DE GUERRA - Caminhão do Ibama
incendiado em Rondônia: em represália à apreensão de madeira ilegal.
O discurso
antiambientalista do governo Jair Bolsonaro tem sido utilizado por exploradores
da Amazônia para intimidar agentes de fiscalização do Ibama. “As ameaças sempre
ocorreram, mas eles nunca se sentiram tão empoderados como agora”, disse um
fiscal que trabalha há mais de 15 anos no órgão.
As hostilidades por
parte de madeireiros, garimpeiros e grileiros ilegais não são nenhuma novidade,
mas passaram a ser mais contundentes neste ano. A cidade de Espigão d’Oeste, em
Rondônia, por exemplo, vive um clima de tensão desde o início de julho, quando
homens encapuzados com pedaços de pau pararam um caminhão-tanque do Ibama,
espancaram o motorista e em seguida incendiaram o veículo, que transportava
8.000 litros de combustível. A carga serviria para abastecer um helicóptero que
sobrevoaria reservas indígenas da região, onde havia suspeitas de roubo de
madeiras. O ataque não impediu a fiscalização e, dias depois, os agentes
descobriram nos pátios das serrarias locais 10.000 metros quadrados de toras
sem origem – ou seja, ilegais. Boa parte do lote encontra-se até hoje sob o
embargo do órgão.
No último dia 8, o
vice-prefeito da cidade Waltinho Lara (PSDB-RO), que é ligado a madeireiros
locais, tentou liberar o material. “Foi concordado com o ministro. Está
parecendo uma afronta muito grande”, disse ele a uma fiscal, referindo-se ao
ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, em uma gravação obtida por VEJA. E
prosseguiu: “Foi reunida toda a bancada federal. Eu acho incrível isso. Joga a
classe política, e fica a gente brigando entre a gente. (…) Parece uma teimosia
entre o Ibama e o governo. Não sei o que acontece”, disse ele. Como a agente
não cedeu ao apelo, Lara elevou o tom: “Pode acontecer algo pior, estou
avisando”. A agente, então, rebateu “O sr. está ameaçando”, e ele respondeu:
“Não. Estou alertando”.
Situações desse
tipo começaram a se repetir no país desde que o presidente Jair Bolsonaro
venceu as eleições em outubro do ano passado. No fim daquele mês, uma equipe do
Ibama encontrou caminhões e tratores em uma área desmatada dentro de uma
reserva indígena, em Cajubim, Rondônia. Ao sair do local, os fiscais foram
parados no meio de uma ponte por um grupo de madeireiros, que portavam facões e
pedaços de pau. Eles, então, começaram a exigir que só liberariam a passagem se
fossem devolvidos os veículos. “Foi aí que ouvi deles: ‘Agora que o Bolsonaro
ganhou. Essa história de terra indígena vai acabar. Vai ser tudo nosso'”,
relatou um fiscal que participou da ação. O impasse só foi resolvido algumas
horas depois quando chegou um helicóptero do Ibama com reforços – e o grupo
fugiu antes que a aeronave pousasse.
Em julho deste ano,
outra equipe de fiscais foi cercada por parte da população de Placas, no Pará,
onde também há desmatamentos ilegais. Os agentes estavam acompanhados de homens
do Exército, mas não foi suficiente. Uma ponte da Transamazônica chegou a ser
incendiada com pneus e os agentes tiveram que procurar abrigo em uma delegacia.
O clima de
hostilidade persiste na região amazônica. Nesta semana, a Polícia Civil de
Rondônia prendeu sete homens acusados de terem participado do ataque ao
caminhão-tanque do Ibama. Segundo as investigações, alguns deles já haviam sido
flagrados antes derrubando árvores em áreas protegidas. Com eles, foram
encontrados três armas de fogo e cinco motosserras.
A reunião citada
pelo vice-prefeito de Espigão d’Oeste ocorreu na terça-feira, dia 6, entre o
ministro e parlamentares de Rondônia. O líder da bancada estadual, deputado
Lúcio Mosquini (MDB-RO), saiu de lá satisfeito. Em áudio que enviou a
correligionários, relatou que o encontro foi “muito bom” e que o ministro foi
“sensível aos nossos apelos”. “Quem [do Ibama] estava trabalhando na operação
será substituído por outros fiscais (…) E as madeiras apreendidas permanecerão
nos pátios das serrarias. O empresário será o fiel depositário, onde será
garantido a ele o amplo direito da defesa”, disse ele.
A VEJA, o deputado
federal afirmou que é a favor dos madeireiros legais, contra ações
“espetaculosas” do Ibama e que vê com bons olhos a gestão do ministro Salles.
“Eu sou contra a ilegalidade, mas o Ibama não pode chegar lá fazendo
terrorismo, com helicóptero, metralhadora. Sou contra essas ações.” Mosquini é
autor de um projeto de lei, apresentando em março, que isenta da
responsabilidade o caminhoneiro que estiver transportando madeira ilegal.
Segundo o texto, as toras devem ser apreendidas, mas o caminhão e o
caminhoneiro devem ser liberados.
Em abril, o
presidente Jair Bolsonaro desautorizou uma ação do Ibama que, conforme prevê a
legislação, incendiou dois caminhões e um trator de desmatadores ilegais na
floresta do Jamari, em Rondônia. “Não é para queimar nada”, disse o presidente,
acrescentando que mandaria abrir procedimento administrativo contra os
funcionários envolvidos. Os servidores alegaram que a área era remota e os
veículos estavam sem condição de serem transportados até a base – a estrada
estava coberta de lama e os freios estavam quebrados. Uma lei de 2008 autoriza
os fiscais a “destruírem ou inutilizarem” os equipamentos de infratores quando
não houver possibilidade de retirá-los do local.
Apesar de ainda não
ter nenhuma orientação formal por parte da pasta do Meio Ambiente, alguns
agentes do Ibama relataram a VEJA que passaram a evitar ir a áreas mais
distantes de desmatamento onde sabem que podem se deparar com situações do
tipo.
Reportagem
publicada por VEJA mostra que as bravatas do presidente Jair Bolsonaro e
as ações do governo relacionadas a temas como o desmatamento da Amazônia
arranharam a imagem do Brasil no exterior e podem gerar perdas importantes na
economia. Sinalizações dos riscos ao país foram emitidas nos últimos dias. Os
governos de Alemanha e Noruega cancelaram repasses milionários para
programas de preservação da floresta amazônica sob alegação de que o Brasil não
demonstra comprometimento para evitar crimes ambientais.
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