sexta-feira, 16 de agosto de 2019

Madeireiros usam discurso do governo Bolsonaro para intimidar Ibama


Eduardo Gonçalves



© //Reprodução CLIMA DE GUERRA - Caminhão do Ibama incendiado em Rondônia: em represália à apreensão de madeira ilegal.

O discurso antiambientalista do governo Jair Bolsonaro tem sido utilizado por exploradores da Amazônia para intimidar agentes de fiscalização do Ibama. “As ameaças sempre ocorreram, mas eles nunca se sentiram tão empoderados como agora”, disse um fiscal que trabalha há mais de 15 anos no órgão.

As hostilidades por parte de madeireiros, garimpeiros e grileiros ilegais não são nenhuma novidade, mas passaram a ser mais contundentes neste ano. A cidade de Espigão d’Oeste, em Rondônia, por exemplo, vive um clima de tensão desde o início de julho, quando homens encapuzados com pedaços de pau pararam um caminhão-tanque do Ibama, espancaram o motorista e em seguida incendiaram o veículo, que transportava 8.000 litros de combustível. A carga serviria para abastecer um helicóptero que sobrevoaria reservas indígenas da região, onde havia suspeitas de roubo de madeiras. O ataque não impediu a fiscalização e, dias depois, os agentes descobriram nos pátios das serrarias locais 10.000 metros quadrados de toras sem origem – ou seja, ilegais. Boa parte do lote encontra-se até hoje sob o embargo do órgão.

No último dia 8, o vice-prefeito da cidade Waltinho Lara (PSDB-RO), que é ligado a madeireiros locais, tentou liberar o material. “Foi concordado com o ministro. Está parecendo uma afronta muito grande”, disse ele a uma fiscal, referindo-se ao ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, em uma gravação obtida por VEJA. E prosseguiu: “Foi reunida toda a bancada federal. Eu acho incrível isso. Joga a classe política, e fica a gente brigando entre a gente. (…) Parece uma teimosia entre o Ibama e o governo. Não sei o que acontece”, disse ele. Como a agente não cedeu ao apelo, Lara elevou o tom: “Pode acontecer algo pior, estou avisando”. A agente, então, rebateu “O sr. está ameaçando”, e ele respondeu: “Não. Estou alertando”.

Situações desse tipo começaram a se repetir no país desde que o presidente Jair Bolsonaro venceu as eleições em outubro do ano passado. No fim daquele mês, uma equipe do Ibama encontrou caminhões e tratores em uma área desmatada dentro de uma reserva indígena, em Cajubim, Rondônia. Ao sair do local, os fiscais foram parados no meio de uma ponte por um grupo de madeireiros, que portavam facões e pedaços de pau. Eles, então, começaram a exigir que só liberariam a passagem se fossem devolvidos os veículos. “Foi aí que ouvi deles: ‘Agora que o Bolsonaro ganhou. Essa história de terra indígena vai acabar. Vai ser tudo nosso'”, relatou um fiscal que participou da ação. O impasse só foi resolvido algumas horas depois quando chegou um helicóptero do Ibama com reforços – e o grupo fugiu antes que a aeronave pousasse.
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Em julho deste ano, outra equipe de fiscais foi cercada por parte da população de Placas, no Pará, onde também há desmatamentos ilegais. Os agentes estavam acompanhados de homens do Exército, mas não foi suficiente. Uma ponte da Transamazônica chegou a ser incendiada com pneus e os agentes tiveram que procurar abrigo em uma delegacia.

O clima de hostilidade persiste na região amazônica. Nesta semana, a Polícia Civil de Rondônia prendeu sete homens acusados de terem participado do ataque ao caminhão-tanque do Ibama. Segundo as investigações, alguns deles já haviam sido flagrados antes derrubando árvores em áreas protegidas. Com eles, foram encontrados três armas de fogo e cinco motosserras.

A reunião citada pelo vice-prefeito de Espigão d’Oeste ocorreu na terça-feira, dia 6, entre o ministro e parlamentares de Rondônia. O líder da bancada estadual, deputado Lúcio Mosquini (MDB-RO), saiu de lá satisfeito. Em áudio que enviou a correligionários, relatou que o encontro foi “muito bom” e que o ministro foi “sensível aos nossos apelos”. “Quem [do Ibama] estava trabalhando na operação será substituído por outros fiscais (…) E as madeiras apreendidas permanecerão nos pátios das serrarias. O empresário será o fiel depositário, onde será garantido a ele o amplo direito da defesa”, disse ele.

A VEJA, o deputado federal afirmou que é a favor dos madeireiros legais, contra ações “espetaculosas” do Ibama e que vê com bons olhos a gestão do ministro Salles. “Eu sou contra a ilegalidade, mas o Ibama não pode chegar lá fazendo terrorismo, com helicóptero, metralhadora. Sou contra essas ações.” Mosquini é autor de um projeto de lei, apresentando em março, que isenta da responsabilidade o caminhoneiro que estiver transportando madeira ilegal. Segundo o texto, as toras devem ser apreendidas, mas o caminhão e o caminhoneiro devem ser liberados.

Em abril, o presidente Jair Bolsonaro desautorizou uma ação do Ibama que, conforme prevê a legislação, incendiou dois caminhões e um trator de desmatadores ilegais na floresta do Jamari, em Rondônia. “Não é para queimar nada”, disse o presidente, acrescentando que mandaria abrir procedimento administrativo contra os funcionários envolvidos. Os servidores alegaram que a área era remota e os veículos estavam sem condição de serem transportados até a base – a estrada estava coberta de lama e os freios estavam quebrados. Uma lei de 2008 autoriza os fiscais a “destruírem ou inutilizarem” os equipamentos de infratores quando não houver possibilidade de retirá-los do local.
Apesar de ainda não ter nenhuma orientação formal por parte da pasta do Meio Ambiente, alguns agentes do Ibama relataram a VEJA que passaram a evitar ir a áreas mais distantes de desmatamento onde sabem que podem se deparar com situações do tipo.

Reportagem publicada por VEJA mostra que as bravatas do presidente Jair Bolsonaro e as ações do governo relacionadas a temas como o desmatamento da Amazônia arranharam a imagem do Brasil no exterior e podem gerar perdas importantes na economia. Sinalizações dos riscos ao país foram emitidas nos últimos dias. Os governos de Alemanha Noruega cancelaram repasses milionários para programas de preservação da floresta amazônica sob alegação de que o Brasil não demonstra comprometimento para evitar crimes ambientais.


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