IHU-UNISINOS
Os privilegiados do
Brasil gargalham da reforma da Previdência Quase 80% da economia projetada pelo
ministro Paulo Guedes sairá do bolso dos mais necessitados.
O comentário é de Sâmia
Bomfim, publicado por Carta Capital, em 21-05-2019.
O lunatismo
característico do governo Bolsonaro não está restrito ao chamado “setor
olavista”. Paulo Guedes, como todo bom defensor de governos com características
totalitárias, como o de Augusto Pinochet no Chile, com o qual manteve relações
muito próximas, arquitetou um mito (com o perdão do trocadilho) de dar inveja
aos terraplanistas: o de que o objetivo da reforma da Previdência é combater
privilégios.
Guiada por esta
farsa, a tropa de “bolsominions” me ataca nas redes: “Você está contra a
reforma porque defende privilégios”. Logo eu, que abri mão de minha
aposentadoria especial como deputada e tenho na luta contra toda desigualdade o
norte de minha militância.
O objetivo é acabar
com privilégios? Que tal começar então pelo próprio presidente da República,
que se aposentou do Exército com 33 anos de idade e está inscrito no regime de
aposentadoria especial da Câmara dos Deputados? Nós somos a favor de que
aposentadorias abusivas sejam revistas, o que não é o caso, como se pensa, dos
funcionários públicos, cuja maioria é formada por professores, policiais,
enfermeiros etc., mas o é de políticos e oficiais de alta patente das Forças
Armadas. Se o governo está de acordo, por que não fazer uma reforma da
Previdência restrita a esses grupos?
Longe disso, o
governo foi bastante generoso com eles. No caso dos parlamentares, o tão
valorizado “fim da mamata” de aposentadorias especiais valerá apenas para os
futuros eleitos. Os oficiais militares também podem ficar tranquilos, pois a
modesta reforma que os afetará foi muito bem compensada por um generoso plano
de carreira.
Os beneficiados pela
reforma da Previdência são justamente os maiores privilegiados deste País:
banqueiros, rentistas, especuladores, em resumo, o capital financeiro. Pois a
reforma da Previdência prevê a substituição do atual regime de repartição
pública, no qual trabalhadores ativos, empresas e Estado mantêm as
aposentadorias, pelo regime de capitalização, em que cada trabalhador se aposenta
com o recolhido em uma espécie de poupança individual em um fundo de pensão
privado.
Para de fato combater
os privilégios, mais eficiente seria uma reforma tributária que alcançasse os
ricos Nos 30 países em que foi adotada, a capitalização gerou lucros bilionários
para os administradores e uma massa de idosos em situação de pobreza, além de
custos astronômicos ao Estado. Apesar das promessas dos Chicago Boys (entre
eles Paulo Guedes), o óbvio aconteceu: em economias subdesenvolvidas, os
trabalhadores passam longos períodos desempregados e na informalidade, de modo
que o montante poupado ao longo da carreira é insuficiente para manter a
aposentadoria. Mas os fundos de pensão puderam rir à toa com as gordas taxas de
administração que cobraram.
Guedes não apenas
representa os interesses desse setor, como ele próprio é e sempre foi um homem
desse mercado. Aliás, cabe lembrar que o ministro responde a inquérito no
Tribunal de Contas da União por gestão fraudulenta de recursos de fundos de
pensão públicos.
Para combater
privilégios de fato, defendemos a reforma tributária solidária proposta pela
Anfip e pela Fenafisco, que prevê inverter a injusta estrutura tributária do
Brasil, cobrando – de verdade – mais impostos de quem ganha mais e reduzindo a
carga tributária sobre consumo e rendas mais baixas.
Dentre as medidas
está a elevação da alíquota do Imposto de Renda para quem ganha acima de 40
salários mínimos por mês, de 27,5% para 35%, ou 40% no caso daqueles que ganham
acima de 60 salários mínimos. Essas medidas teriam um impacto financeiro
positivo muito superior àquele da reforma da Previdência, afetando apenas 750
mil indivíduos e sem colocar em risco o seu conforto e sobrevivência.
O mesmo não se pode
dizer dos afetados pela reforma da Previdência. Para não nos perdermos na
desumanização dos números, vamos a exemplos concretos. Conversei com uma
empregada doméstica que trabalhou por quase meio século, mas conseguiu registro
em carteira por apenas 15 anos. Aos 60, finalmente pode se aposentar. Se a
reforma valesse desde que começou a trabalhar, ela teria de contribuir por mais
cinco anos.
Na sua idade e com
seu grau de escolaridade, manter um emprego formal por tanto tempo é
praticamente impossível. Caberia recorrer ao BPC, benefício pago a idosos em
situação de miséria. Mas, com a reforma, teria de se contentar com apenas 400
reais até completar 70 anos. E torcer para que seu marido não morra, pois,
neste caso, não poderia acumular o seu benefício mais a pensão do cônjuge
falecido.
Também não poderia
cuidar de um filho com deficiência, pois Bolsonaro acha que acumular BPC e
benefício para pessoas com deficiência é um privilégio a ser cortado. Ou seja,
75% da suposta economia de 1 trilhão de reais anunciada por Guedes vem de
sacrifícios impostos a cidadãos como esses: beneficiários do Regime Geral de
Previdência Social que ganham, em média, 1,3 mil reais.
A Previdência Social
não é uma “fábrica de privilégios”. Ao contrário, é uma de nossas políticas
públicas mais eficientes de combate à pobreza e à desigualdade, como apontou
estudo feito por Rossi, Dweck e Welle.
Não só ela, mas os
gastos públicos em geral, como educação, que o trator do governo também trata
de demolir. Os “ajustes necessários para acertar as contas públicas” – outro
mito que precisa ser desmontado –, além de produzirem uma tragédia social, são
uma economia burra, pois retiram renda daqueles que poderiam consumir para
estimular os investimentos e a geração de empregos. São os ajustes, e não a
falta deles, que tornaram esta crise a mais duradoura da nossa história. Diga
não à reforma da Previdência.
http://www.ihu.unisinos.br/589337-os-privilegiados-do-brasil-gargalham-da-reforma-da-previdencia
Bancos vão ficar com
62% da renda do trabalhador se capitalização for aprovada Simulação apresentada
no Senado pela Unafisco prevê que taxa dos bancos aumenta a cada ano, podendo
chegar a mais de 77%.
A reportagem é
publicada por Rede Brasil Atual – RBA, em 20-05-2019.
Simulação apresentada
nessa terça-feira (21) em audiência pública na Comissão de Direitos Humanos e
Legislação Participativa (CDH) no Senado, sobre a reforma da Previdência
proposta pelo projeto do governo Jair Bolsonaro (PSL), demonstra o fracasso que
ocorreria com o sistema de capitalização que consta da proposta, levando o
trabalhador aposentado à miséria.
Segundo dados do
diretor de Defesa Profissional e Assuntos Técnicos da Associação Nacional dos
Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Unafisco), Mauro José Silva, o
valor das contribuições previdenciárias arrecadadas de empregados e empregadores
foi de R$ 423,06 bilhões em 2018. Já a previsão de acréscimo no faturamento
médio anual para as instituições financeiras, num sistema de capitalização,
pode ser estimado em até R$ 388 bilhões, nos próximos 70 anos.
Silva explicou que o
sistema proposto na PEC 6/2019 resultará num valor acumulado pelo trabalhador,
ao fim de 40 anos de contribuição, de R$ 275.804,02. Entretanto, a remuneração
dos bancos, prevista na reforma, consumiria R$ 105.701,43 dessa quantia, o que
equivale a mais de 62% do valor do patrimônio do empregado. Assim, esse
trabalhador ficaria com apenas R$ 170.102,58.
No 59º ano, após
ingressar no sistema de capitalização, esta porcentagem ultrapassaria os 77%.
Um cenário que, segundo Silva, possibilitaria o recebimento de uma
aposentadoria no valor de R$ 750, o que equivale a apenas um quarto do total
contribuído. “Um sistema sem empregador, e com instituição financeira, é um
fracasso. É condenar o trabalhador à miséria”, concluiu.
Silva considerou a
capitalização um “sistema complicado do ponto de vista do trabalhador”. Para
ele, além de significar a “transferência de renda” dos empregados para os
bancos, essa modalidade não cobrirá benefícios já existentes, como o salário
família e o salário maternidade.
A capitalização
funciona como uma espécie de poupança: o dinheiro descontado mensalmente do
salário de cada trabalhador vai para uma conta individual, e não se mistura com
as contribuições dos demais beneficiários. Pelo sistema atual, o de repartição,
os pagamentos feitos pelo pessoal da ativa financiam as aposentadorias dos
inativos.
Dieese Economista do
Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese),
Juliano Musse disse que o cenário é preocupante. Ele considerou a PEC 6/2019
uma “reforma impositiva” porque, segundo afirmou, a medida não passou por uma
prévia discussão com os trabalhadores. Ao questionar quem são os maiores
interessados com a reforma da Previdência, Juliano ponderou que outras
questões, como o desemprego, a informalidade e a saúde dos trabalhadores que
enfrentam doenças crônicas são mais urgentes e deveriam ser o foco do debate.
“A reforma é importante, mas desde que não minimize direitos sociais
conseguidos com a Constituição de 1988”.
O consultor do Senado
Luiz Alberto dos Santos frisou que a PEC 6/2019 não é de fácil compreensão.
Para ele, o texto apresenta contradições, traz incertezas e tende a gerar
custos diferenciados para a empregabilidade das pessoas. Ao ressaltar que os
mercados demonstram volatilidade ao longo do tempo, o especialista disse que o
regime previdenciário baseado na capitalização pressupõe uma renda questionável,
porque dependerá de quanto, efetivamente, aquela aplicação renderá. “No Brasil,
nós temos renda média muito baixa. As pessoas não têm dinheiro para destinar a
uma sistemática de provisão fora do regime público, e essa é uma diferença
fundamental.”
Retrocessos O
representante do Coletivo Nacional de Advogados de Servidores Públicos,
Guilherme Zagallo, alertou que experiências de privatização da Previdência
significaram retrocessos em outros países: estagnação das taxas de cobertura,
diminuição do valor dos benefícios e aumento da desigualdade de renda. Para o
advogado, a desconstitucionalização da aposentadoria, pretendida pelo
Executivo, significa um risco político porque, a cada governo, pode-se criar
novas regras para a concessão do benefício.
O advogado mencionou
que o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias veda a renúncia de
receita que a capitalização causará, desacompanhada da estimativa de impacto
orçamentário e financeiro. Ele lembrou que o Brasil já passou por uma tentativa
de privatização antes da instituição do INSS, quando houve a unificação dos
regimes, mas disse que a medida não obteve sucesso. Guilherme comentou, ainda,
que esse assunto tem sido omitido no debate sobre a PEC 6/2019.
“Não fomos
bem-sucedidos no passado, em relação à experiência de capitalização. A promessa
de melhoria da economia por meio dessa reforma não altera a realidade. É uma
bomba social de efeito retardado”.
O coordenador do
Movimento Legislação e Vida, Hermes Rodrigues Nery, considerou o sistema de capitalização
o ponto mais grave da PEC 6/2019. Para ele, as poupanças pessoais são
“qualitativamente diferentes” da seguridade social, já que não dispõem de
garantia, nem previsibilidade. Além disso, Nery ressaltou que “poupar de
maneira suficiente para uma aposentadoria decente é difícil para muitos
trabalhadores”.
http://www.ihu.unisinos.br/589314-bancos-vao-ficar-com-62-da-renda-do-trabalhador-se-capitalizacao-for-aprovada
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