Entre os temas do carnaval 2019 aparecem: candidaturas laranjas,
lideranças negras históricas, racismo e resistência
Por Bruna Caetano - Brasil
de Fato
O samba, como
expressão cultural do povo negro brasileiro, é marcado em sua história pelo
símbolo de luta, uma característica também presente na festa mais popular do
país: o carnaval. As escolas de samba, com a visibilidade que adquirem nessa
época do ano, muitas vezes usam os holofotes sob a festa para pautar questões
relacionadas aos grupos marginalizados e à política institucional.
A escola do grupo
especial do Rio de Janeiro, Paraíso do Tuiuti, ganhou destaque no carnaval
passado ao levar para a Sapucaí o enredo sobre os 130 anos da Lei Áurea, onde
questionava se a escravidão está realmente extinta. A escola causou polêmica ao
denunciar o golpe de 2016 colocando na avenida um vampiro com faixa
presidencial, em alusão a Michel Temer, que ocupava o posto da Presidência da
República.
Neste ano, a
vice-campeã traz o samba-enredo O Salvador da Pátria, e no último ensaio
técnico, exibiu na Comissão de Frente homens engravatados representando
políticos, e bailarinas com roupas e perucas na cor mais comentada do ano: a
laranja, representando as recentes polêmicas de candidaturas do PSL, partido de
Jair Bolsonaro.
Também do Rio de
Janeiro, a Estação Primeira de Mangueira vai contar a história de heróis
populares através do samba História pra Ninar Gente Grande, enaltecendo o
legado de pessoas como Luísa Mahin, Dandara e Marielle: “Brasil, meu dengo / A
Mangueira chegou / Com versos que o livro apagou / Desde 1500 tem mais invasão
do que descobrimento / Tem sangue retinto pisado / Atrás do herói emoldurado /
Mulheres, tamoios, mulatos / Eu quero um país que não está no retrato” canta o
enredo.
De acordo com Tiaraju
Pablo, coordenador do Centro de Estudos Periféricos (CEP) e pesquisador sobre
carnaval, os sambas-enredo sempre incomodaram o poder político exatamente por
trazer esse caráter crítico. Em 1969, por exemplo, o Império Serrano teve seu
desfile cerceado por helicópteros por criticar a ditadura militar na avenida,
com o samba Heróis da Liberdade.
Entre os anos 80 e
90, houve um ápice de enredos com esse caráter através de sátiras, ou de
denúncia das mazelas sociais como fazia a escola São Clemente. Em 1988, a
Unidos de Vila Isabel e a Mangueira questionavam o mito da abolição da
escravatura, e em 1989, a Beija-Flor emplacou o samba Ratos e Urubus Larguem
Minha Fantasia, conquistando o segundo lugar, atrás da Imperatriz Leopoldinense
com Liberdade, Liberdade.
Para o especialista,
as escolas de samba retornam a essa vocação crítica a partir de 2016. A
Imperatriz Leopoldinense, por exemplo, foi perseguida em 2017 pelo agronegócio
por tratar dos povos do Xingu em seu desfile. “Jardim sagrado, o caraíba
descobriu / Sangra o coração do meu Brasil / O belo monstro rouba as terras dos
seus filhos / Devora as matas e seca os rios / Tanta riqueza que a cobiça
destruiu!” diz o samba Xingu, o Clamor Que Vem da Floresta.
O samba sempre foi
negro, e colocar em pauta as africanidades é um papel que as escolas
desempenham desde sempre. Isso acontece, principalmente, nas escolas que
possuem uma raiz ainda mais popular como a Nenê de Vila Matilde, Camisa Verde e
Branco e Unidos do Peruche, que esse ano traz o samba Nascem do Ventre
Africano, Os Valores do Mundo. África, um Passado Presente no Futuro da
Humanidade. Segundo a historiografia, o primeiro tema afro foi o do Salgueiro,
no carnaval de 1960, falando de Zumbi dos Palmares. Mas, em 1956, a Nenê de
Vila Matilde já havia levado o enredo Casa Grande Senzala, como explica
Tiaraju.
Ele acredita que,
atualmente, os enredos sobre negritude e africanidades estão em alta por três
motivos: os setores progressistas da sociedade passaram a notar o potencial
crítico das escolas, o debate racial está em um nível avançado e existem
críticas de setores conservadores da sociedade sobre as religiões de matriz
africana. “Quando as escolas de samba e as religiões afrobrasileiras estavam
sob ataque, por volta de 2016, perceberam que só sobreviveriam se incorporassem
essa vertente crítica. Elas foram para o ataque.”
Para o pesquisador,
as escolas de samba se tornam ainda mais importantes quando retratam o país de
forma crítica. “O carnaval é irreverente, crítico e um momento de denúncia. As
escolas de samba são uma síntese do Brasil, e são capazes de retratar sensações
e passar uma mensagem de maneira épica e através de um cortejo. Quando ela se
reencontra com esse Brasil profundo e consegue levar isso para a avenida, é
quando a escola de samba cumpre ao máximo seu papel.”
Esse ano, a Vai-Vai,
Unidos do Peruche, Mancha Verde, Pérola Negra, Paraíso do Tuiuti e Mangueira
são algumas das escolas colocam no Sambódromo do Anhembi e na Marquês de
Sapucaí a cultura afrobrasileira e as denúncias das mazelas da política
nacional.
Edição: Mauro Ramos
Ilustração: Ala dos
patos amarelos da Tuiutí em 2018 fez alusão ao pato inflável da FIESP, entidade
que apoiou o golpe contra Dilma Rousseff. Tânia Rêgo. Agência Brasil
Publicado
em 03 de março de 2019
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