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Ainda que bem
recebida pela Câmara dos Deputados, a proposta foi criticada por entidades e
estudiosos do Direito
Por Caroline
Oliveira
“Não deve ser
tolerada”, “legitima execuções e extermínios praticados por policiais”, “viola
frontalmente os princípios constitucionais”, “receita desgastada”. Essas foram
algumas das críticas articuladas por entidades e estudiosos do Direito ao
Projeto Anticrime apresentado pelo ministro Sérgio Moro nesta segunda-feira, 4
de fevereiro.
As previsões
do Projeto de Lei (PL) Anticrime que alteram um total de
14 legislações federais, foram enviadas ao presidente da Câmara dos
Deputados Rodrigo Maia (DEM-RJ). O escopo da proposta engloba o combate ao
crime organizado, crimes violentos e corrupção recorrendo a mudanças no Código
Penal e de Processo Penal, na Lei de Execução Penal e o Código Eleitoral, entre
outras leis. “O crime organizado utiliza a corrupção para ganhar impunidade”,
explicou Moro. “Por outro lado, o crime organizado está vinculado a boa parte
dos homicídios do País.”
O projeto, que
será tramitado no Congresso Nacional como pauta prioritária, deve ser detalhado
nesta quarta-feira, às 14h, na Câmara Federal. Lá, o clima é de aprovação,
ainda que haja o cuidado para não atrapalhar o encaminhamento da Reforma da Previdência.
“Não tem problema encaminhar outras pautas, mas precisam ter um debate que não
atrapalhe a agenda da Previdência”, afirmou Maia.
Este também é o
posicionamento do líder do governo na Câmara, o deputado Major Vitor Hugo
(PSL-GO). “A pauta contra o crime organizado sempre vai ser conduzida de
maneira que permita o debate. Mas é a pauta econômica que vai fazer com que o
país deslanche”.
O deputado Capitão
Augusto (PR-SP), coordenador da Frente Parlamentar da Segurança Pública,
afirmou que a proposta deve ser aprovada facilmente. “O pacote inclui várias
alterações. Basicamente é o endurecimento da legislação penal”, disse. Em
consonância, o deputado Carlos Sampaio (PSDB-SP), líder dos tucanos na casa,
demonstrou entusiasmo com as medidas. “Reforcei o compromisso de apoiar todas
as medidas que combatam as organizações criminosas e a corrupção em nosso
País”, afirmou o parlamentar em suas redes sociais.
Do outro lado,
juristas e organizações da sociedade civil
Ainda que bem
recebida por alguns parlamentares, as medidas do ministro não foram bem
recebidas por entidades e estudiosos do Direito. A organização não
governamental Instituto Sou da Paz, por exemplo, afirmou em nota que o projeto
“carece de foco e não é acompanhado de dados e justificativas que teriam
embasado a escolha de cada um dos pontos”. A partir disto, é possível que o
pacote seja “desfigurado e não sirva aos objetivos anunciados”.
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Segundo uma
pesquisa do instituto, 40% dos projetos apresentados anualmente pelos deputados
federais na área de segurança pública visam o enrijecimento do Direito Penal.
“O resultado observado não é a diminuição da violência, mas sim a superlotação
e a perda de controle de presídios em todo o Brasil”. Entretanto, “ao invés de
apresentar seu plano de gestão de recursos, humanos e tecnológicos, e de
investimentos para a segurança pública, insiste na receita
desgastada e comprovadamente ineficiente de que o crime se resolve por
meio da alteração da lei penal”.
A Defensoria
Pública do Estado do Rio de Janeiro também teceu críticas negativas ao projeto.
Para a instituição, “diversas medidas violam frontalmente os princípios
constitucionais da presunção de inocência, da individualização da pena e
do devido processo legal, como por exemplo a prisão antes do trânsito em julgado
da condenação, o acordo penal e a ampliação da subjetividade judicial na
aplicação das penas e de seus regimes de cumprimento”.
A Defensoria
lembra, inclusive, que outros projetos de reforma dos Códigos Penal e de
Processo Penal já estão em discussão no Congresso Nacional “em ambientes mais
adequados aos debates”. Nos próximos dias, a instituição lançará uma nota
técnica a fim de contribuir com os debates acerca do projeto.
Também do Rio de
Janeiro veio a crítica do presidente da seccional carioca da Ordem dos
Advogados do Brasil (OAB). Luciano Bandeira afirmou que “a pretensão de
promover mudanças profundas e radicais no ordenamento é muito sugestiva de uma
análise calma, pausada e serena. Não convém aprovar o projeto sem ouvir
especialistas na matéria, sociedade civil organizada e sem o aprofundamento
parlamentar do debate”.
Sobre a prisão em
segunda instância, defendida por Moro no PL, Bandeira defendeu que não cabe a
pena privativa de liberdade ao acusado que ainda não teve seu processo julgado
em todas as instâncias da Justiça. “As tentativas de flexibilização do texto
constitucional pela via da alteração de lei ordinária desrespeita princípios
básicos de hierarquia e não deve ser tolerada”, reforça.
Da mesma forma, o
presidente da OAB-RJ critica veemente a possível autorização para gravações de
conversas entre advogados e clientes presos, outro ponto do PL. “Nossa
profissão é essencial à Justiça e a inviolabilidade dessa relação constitui
pedra de toque da ampla defesa”, salientou.
Outro ponto criticado
pela OAB-RJ diz respeito à progressão de regime. Ao invés de evitar a prática
criminosas, o projeto aprofunda a estigmatização do apenado para fortalecer
seus vínculos com grupos criminosos que se estabelecem nos presídios e
dificultar a ressocialização, que é a finalidade declarada da pena no Estado
democrático de Direito”, afirma. “Apostar numa solução que amplia o
encarceramento, desequilibra o sistema de Justiça e restringe direitos
consagrados não parece a melhor possível”.
Do mesmo lado,
para o Instituto de Direito do Direito de Defesa (IDDD), o pacote é
“inócuo, panfletário e, em diversos pontos, flagrantemente inconstitucional.
Abre espaço, ainda, para o agravamento da violência estatal contra a população
pobre e negra das periferias, alvo historicamente preferencial do sistema de
justiça penal”. Se aprovado, o PL significará, para o IDDD, “o maior retrocesso
em matéria penal desde a redemocratização”.
O Instituto
Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM) tratou o projeto como “tecnicamente
frágil por trazer previsões já declaradas inconstitucionais”. “Ao contrário de
garantir a segurança pública, o projeto, se aprovado, aprofundará a crise na
segurança, fortalecendo facções prisionais, pelo fomento ao aprisionamento
indiscriminado de sujeitos vulneráveis”.
Para Ariel de
Castro Alves, advogado, conselheiro do Conselho Estadual de Direitos Humanos de
São Paulo (Condep) e membro do Grupo Tortura Nunca Mais, a proposta de Moro
“legitima execuções e extermínios praticados por policiais no Brasil”. Um dos
pontos do projeto é a redução ou isenção de pena para policiais acusados de
homicídio durante o trabalho em casos de “medo, surpresa ou violenta emoção”,
de acordo com o projeto. “Adolescentes e jovens negros serão as principais
vítimas, como já ocorre atualmente, mas em proporções ainda maiores”, afirma
Alves.
Publicado em 06.02.2019
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